Nós Matámos o Cão-Tinhoso

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Nós Matámos o Cão-Tinhoso
Autor(es) Luís Bernardo Honwana
Idioma português
País  Moçambique
Gênero Ficção, contos
Editora Afrontamento
Lançamento 1964
Páginas 145

Nós Matamos o Cão-Tinhoso é um livro de sete contos da autoria do escritor Luís Bernardo Honwana[1][2] publicado em 1964 e considerado uma obra fundacional da literatura moçambicana moderna. Os contos incluídos no livro são “Nós Matámos o Cão-Tinhoso”, “Dina”, “Papa, Cobra, Eu”, “As Mãos dos Pretos”, "Inventário de Imóveis e Jacentes”, "A Velhota" e "Nhinguitimo".

Quando Honwana tinha vinte e dois anos, foi preso pela polícia política. Foi durante o tempo passado na prisão que escreveu o seu único livro, Nós Matámos o Cão-Tinhoso, com o objetivo de demonstrar o racismo do poder colonial português.[3] O livro chegou a exercer uma influência importante na geração pós-colonial de escritores moçambicanos.[4] Muitos dos contos, escritos em português europeu padrão, são narrados por crianças. O universo social e cultural moçambicano durante a época colonial é o centro da análise das narrativas de Nós Matámos o Cão-Tinhoso.[5] De acordo com Manuel Ferreira, “Os contos de Nós Mátamos o Cão-Tinhoso apresentam-nos questões sociais de exploração e de segregação racial, de distinção de classe e de educação”.[6] Cada personagem em cada conto representa uma diferente posição social (branco, assimilado, indígena e/ou mestiço).

Resumo do conto "Nós Matamos o Cão-Tinhoso"[editar | editar código-fonte]

O primeiro e o mais extenso dos contos incluídos no livro, "Nós Matámos o Cão-Tinhoso" é narrado através dos olhos de um menino moçambicano negro, chamado Ginho. A história desenvolve-se à volta de um cão vadio que está doente, abandonado e a morrer. Ginho é objecto de troça da parte dos seus colegas da escola, inclusivamente durante os jogos de futebol. Ele começa a sentir pena do cão e desenvolve um sentimento de empatia em relação a ele. Um dia, o Ginho e um grupo de rapazes da sua idade são persuadidos e chantagistas pelo Doutor da Veterinária para matar o cão. O Senhor Duarte representa esta acção como um jogo de caça e tenta convencê-los como um amigo. Apesar do Ginho estar emocionante ligado ao cão, ele sente-se pressionado para matá-lo, de modo a ser aceite pelos seus colegas. Apesar de muitas discussões e pedidos aos outros meninos, ele não consegue convencê-los a não matar o cão. A história acaba com ele a confessar com remorso a responsabilidade que sente, apesar de não ter querido participar no crime.

O significado de Cão-Tinhoso

O conto mostra a situação política do tempo. De acordo com a interpretação de Inocência Mata, o Cão-Tinhoso representa o sistema colonial decadente, em via de ser destruído, e o prelúdio de uma nova sociedade purificada, sem discriminação de qualquer tipo. Para crítica é significativo o facto de o Cão-Tinhoso ter sido abatido numa apoteose de tiros—de igual modo Moçambique haveria de se purificar pelo fogo das armas.[7]

Os olhos azuis

Ginho descreve o cão como tendo olhos azuis. Em The Golden Cage: Regeneration in Lusophone African Literature and Culture, Niyi Afolabi argumenta que a cor dos olhos é ambígua, podendo ser simbólica do negro colonial dominado ou do colonizador europeu.[8] Cláudia Pazos Alonso escreve que o simbolismo dos olhos pode apontar para uma representação de um assimilado negro.[9]

O homicídio do cão

Quando os meninos matam o cão, este evento pode ser visto como simbólico dum processo iniciático, de aprendizagem, para a personagem que encontra solidariedade afetiva.[10]

Referências ao conto por outros escritores[editar | editar código-fonte]

Ondjaki: Os da minha rua[editar | editar código-fonte]

A penúltima estória na colecção de estórias Os da minha rua, escrito pelo autor angolano Ondjaki, leva o título de «Nós chorámos pelo Cão-Tinhoso». A estória narra uma experiência do autor quando toda a sua classe leu «Nós matamos o Cão-Tinhoso» e o narrador, muito em paralelo com o protagonista do conto de Honwana, é pressionado pelos outros rapazes da sua classe não chorar enquanto lê para todos os seus colegas a última parte do conto. Quase todos os alunos e até a professora sentem o peso do conto e querem chorar num momento muito emotivo. Ondjaki fecha a estória com uma declaração que alude muito bem a um dos temas centrais do conto de Honwana: "Na oitava classe, era proibido chorar à frente dos outros rapazes".[11]

Referências

  1. Nós Matamos o Cão-Tinhoso (Conto Completo)
  2. Nós matámos o cão-tinhoso: A emasculação de África e a crise do patriarca negro - Mark Sabine - Universidade de Nottingham
  3. Laranjeira, Pires. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1995.
  4. Chabal, Patrick et al. The Post-Colonial Literature of Lusophone Africa. London: Hurst & Company, 1996.
  5. Ferreira, Manuel. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Lisboa: Ministério da Educação e Cultura, 1986.
  6. Ferreira, Literaturas Africanas
  7. Citado em Laranjeira, Literaturas Africanas.
  8. Afolabi, Niyi. The Golden Cage: Regeneration in Lusophone African Literature and Culture. Trenton, NJ: African World Press, 2001.
  9. Alonso, Cláudia Pazos. "The Wind of Change in Nós Matámos o Cão-Tinhoso". ellipsis 5 (2007).
  10. Laranjeira, Literaturas Africanas.
  11. Ondjaki (2009). Os da Minha Rua. Livro de Bolso. [S.l.]: BIS. pp. 105–105. ISBN 9789896603885. OCLC 948838765