Roubo das mãos de Juan Domingo Perón

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Túmulo moderno de Juan Domingo Perón. Antes da profanação, seu túmulo estava em outro local.

O roubo das mãos de Juan Domingo Perón refere-se à profanação do túmulo do ex-presidente da Argentina, realizada por desconhecidos no dia 29 de junho de 1987.[1]

Incidente[editar | editar código-fonte]

Depois da morte de Juan Perón no dia 1 de julho de 1974, seu corpo foi embalsamado e enterrado em um caixão no túmlo familiar de Perón no Cemitério da Chacarita, localizado na cidade de Buenos Aires.[1]

Em junho de 1987, 13 anos após sua morte, o Partido Justicialista recebeu uma carta anónima, que alegou que as mãos de Perón haviam sido roubadas do seu túmulo, junto com seu boné militar e seu sable. A carta exigia também que o partido pagasse 8 milhões de dólares em resgate por sua restituição.[2][3]

Quando as autoridades verificaram o túmulo de Perón, descobriram que de fato tinha sido profanada, e haviam retirado as suas mãos e outros objetos. Os especialistas forenses que examinaram o corpo disseram que a mutilação tinha ocorrido poucos dias antes da descoberta. Uma fonte afirmou que o túmulo tinha sido assaltado o dia 29 de junho, e que um poema que o general tinha escrito a sua última esposa, Isabel, também tinha sido roubado do túmulo. Nesse momento, algumas notícias informaram que as mãos se haviam retirado com "um instrumento cirúrgico", mas depois os relatórios do Estado indicaram que o desmembramento foi feito com uma serra eléctrica.

Investigação[editar | editar código-fonte]

O então chefe do Partido Justicialista, Vicente Saadi, negou-se a pagar o resgate. Uma investigação criminal foi iniciada sob a direção do juiz Jaime Far Suau. Embora seis homens tenham sido presos e cinco processados, nenhum foi formalmente acusado em relação ao incidente.

Muitos dos envolvidos na investigação do desaparecimento das mãos de Perón ja morreram, em muitos casos assassinados. Jaime Far Suau faleceu no dia 22 de novembro de 1988 num acidente automotivo enquanto viajava para visitar a seu filho em Bariloche, inexplicavelmente a peritagem que deveria ter sido efectuada para determinar as causas do acidente não foi realizada. Naqueles dias, o chefe da Polícia Federal, Juan Angel Pirker, que investigava o caso a pedido do juiz Far Suau, foi encontrado morto no seu gabinete, aparentemente devido a um ataque de asma. O comissário Carlos Zunino, um dos detectives, escapou ileso de uma invasão à sua casa em que foi baleado na cabeça, e Luis Paulino Lavagna, um dos serenos do Cemitério de Chacarita, foi encontrado morto perto da necrópole onde repousa o corpo de Perón, aparentemente de uma paragem cardiorrespiratória não traumática, embora uma autópsia posterior ordenada pela justiça argentina tenha determinado que tinha sido espancado até à morte.[4] Até o momento, as investigações sobre as mortes do juiz Far Suau e de sua companheira, Susana Guaita, ainda não foram retomadas para determinar se foi uma tentativa de assassinato.[5]

Há evidências de que o roubo pode ter tido algum apoio dos serviços secretos argentinos, pois os ladrões usaram uma chave para entrar no mausoléu.

No retorno à democracia, em dezembro de 1983, a política radical Luzia Alberti foi nomeada por Enrique Coti Nosiglia ―Ministro do Interior durante o governo de Raúl Alfonsín― como administradora do Cemitério da Chacarita. Ela foi acompanhada nessa tarefa por Carlos Belo, relacionado ao líder dos barrabravas do clube de futebol Boca Juniors.[6]

Em 1994, a investigação foi reaberta quando um conjunto de chaves do cemitério na 29ª delegacia de polícia e, em 2008, o arquivo com a investigação foi roubado da casa do juiz que estava encarregado dela.[7] A teoria atual é o motivo político,[8] já que a investigação do motivo econômico, que alegava que o roubo era por um anel que teria a chave para abrir um suposto cofre na Suíça, foi esgotada em 1996.[9] Alguns alegam que a CIA tem informações classificadas da profanação do cadáver de Perón e não há resposta para a solicitação de desclassificação até o momento.[10]

Cultura popular[editar | editar código-fonte]

Em seu livro Perón, a outra morte (1997), os escritores Damian Nabot e David Cox afirmavam que a loja maçônica P2 (Propaganda Due) ―da qual Perón havia sido membro― estava envolvida no roubo e que algum tipo de ritual teria sido realizado.[11]

O incidente é brevemente mencionado na novela Logia (2014), do chileno Francisco Ortega, com base na suposta conexão entre Perón e a loja P2.[12]

A antropóloga argentina Rosana Guber escreveu que as mãos de Perón eram vistas pelos argentinos como um símbolo de seu poder, e que seu roubo não era apenas uma simples questão criminal, mas também tinha um profundo significado cultural. Com a democracia frágil que havia sido restaurada em dezembro de 1983, após a ditadura que tinha ocupado o poder desde 1976, a mais sangrenta que tivesse experimentado o país, Guber analisou o roubo das mãos como um símbolo da tentativa de voltar a atacar a democracia. O motivo político de desestabilizar a democracia ainda está em vigor. Os restos mortais do Perón estão atualmente descansando no mausoléu da Quinta de San Vicente com cuidados de preservação.[13]

Lyman Johnson viu o desmembramento como "um catalizador para destruir o culto simbólico a Perón". De acordo com Lyman, com a ausência das mãos de Perón, seu corpo se tornou menos importante e sua importância como figura religiosa também foi reduzida em comparação com a de sua segunda esposa, Eva Perón.

A novela As mãos de Perón (2016), de Julio Carreiras, é uma obra de ficção que toma como ponto de partida a profanação do túmulo de Perón.[14]

Referências

  1. a b «Sobre las manos de Perón». Página/12. 13 de julho de 2008. Consultado em 17 de outubro de 2023 
  2. «Peron hands: police find trail elusive». The New York Times (em inglês). 6 de setembro de 1987. Consultado em 16 de outubro de 2009 
  3. «Grave robbers cut off hands of Juan Peron». The Chicago Sun-Times (em inglês). 3 de julho de 1987 
  4. «El enigma de la profanación». La Nación. 27 de junho de 2004. Consultado em 21 de setembro de 2012 
  5. David Cox y Damian Nabot (4 de janeiro de 2015). «Robo de las manos de Perón: habla la última víctima». Diario Perfil. Consultado em 26 de maio de 2016 
  6. Fernando Paolella (13 de junho de 2007). «Investigación: Perón y la profanación de sus extremidades». Tribuna de Periodistas. Consultado em 13 de março de 2016 
  7. Gabriel Sued (11 de julho de 2008). «Un grupo comando robó el expediente de las manos de Perón». La Nación. Consultado em 26 de maio de 2016 
  8. Gustavo Carabajal (30 de junho de 2015). «Manos olvidadas: sigue el misterio de la profanación de la tumba de Perón». Diario La Nación. Consultado em 26 de maio de 2016 
  9. Gustavo Sylvestre (18 de agosto de 2015). «Profanación de tumba de Perón: "La CIA tiene archivos en condiciones de desclasificar", dijo el Dr. Neira». Gustavo Sylvestre, política y actualidad. Consultado em 26 de maio de 2016 
  10. Equipo de Investigación de Tribuna de Periodistas (4 de julho de 2001). «Las manos de Perón, una trama más política que mafiosa». Tribuna de periodistas. Consultado em 26 de maio de 2016 
  11. Damian Nabot, y David Cox: Unveiling the enigma: who stole the hands of Juan Peron?. Zumaya Publications, 2009. ISBN 1-934841-14-5.
  12. Ortega, Francisco (2014). Logia (em espanhol). [S.l.: s.n.] p. 131-135. ISBN 9789562478427 
  13. «¿Dónde están las manos de Perón?». Programa periodístico Minuto Uno de C5N. 9 de agosto de 2014 
  14. Julio Carreras presentará su libro “Las manos de Perón”

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Nabot, Damian, e David Cox: Perón, a outra morte. Buenos Aires: Ágora, 1997.
  • Nabot, Damian, e David Cox: Unveiling the enigma: who stole the hands of Juan Peron? (‘a revelação do enigma: quem roubou as mãos de Juan Perón?’). [1997]. Zumaya Publications, 2009. ISBN 1-934841-14-5.
  • Iglesias, Juan Carlos, e Claudio Negrete: A profanação. O roubo das mãos de Perón. Buenos Aires: Sudamericana, 2002.