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Familiares do Santo Ofício eram pessoas que se vinculavam à Inquisição, prestando serviços aos inquisidores e auxiliando-os no exercício de suas funções.[1][2]Os familiares foram uma peça essencial para o desenvolvimento e a compreensão da essência do Tribunal do Santo Ofício.[3]

As principais funções dos Familiares eram ligadas à máquina policial do Santo Ofício, cabendo-lhes executar as prisões de suspeitos de heresia, sequestrar os bens dos condenados, nos crimes em que coubesse confisco, e efetuar diligências a mando dos inquisidores. Havia ainda Familiares médicos, que examinavam os presos e avaliavam sua resistência à tortura. Exerciam, também, função precípua nos célebres Autos-de-fé, trajados com pompa, ladeando os penitentes em procissão e os condenados até o cadafalso.

História[editar | editar código-fonte]

A alusão mais antiga aos Familiares do Santo Ofício remonta à Idade Média, em uma carta do papa Inocêncio IV aos inquisidores de Florença, datada de 1282, na qual os Familiares são mencionados como integrantes e dependentes do Santo Ofício. Na Inquisição Espanhola, fundada em 1478, o termo se relaciona aos que pertenciam à família dos inquisidores, prestando-lhes serviços. No caso português, os Familiares aparecem antes do próprio estabelecimento da Inquisição (1536), designados nas Ordenações Afonsinas (1446-1447) como meirinhos ou alcaides.

"Auto de fé", pintado por Pedro Berruguete em 1475.

No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontram-se os processos de habilitação dos Familiares do Santo Ofício português, incluindo os do Brasil. Esses processos incluíam diligências exaustivas sobre o sangue e a conduta do postulante, de sua esposa (caso a tivesse) e dos seus parentes até os avós. Um simples rumor apurado nessas diligências poderia prejudicar a habilitação, havendo casos de indeferimento por "sintoma de mulatice" em algum parente, ou por "nódoa de sangue judaico" na família. Os que passavam pela prova obtinham, além da familiatura, privilégios consideráveis, como a isenção de certos impostos, além do prestígio social - expresso na ostentação da medalha de Familiar - de ser alguém de confiança da Inquisição.

Familiares do Santo Ofício espanhol[editar | editar código-fonte]

A história da Inquisição na Espanha se inicia no ano de 1478, quando o papa Sisto IV deu o seu formal consentimento à rainha Isabel e ao rei Fernando da Espanha, para que nomeassem de dois a três padres com mais de quarenta anos de idade como inquisidores. Após dois anos, a ordem real foi dada para que estabelecessem o primeiro tribunal em Sevilha. Porém, foi somente no ano de 1481 que o tribunal começou a aceitar confissões e denúncias, e ainda nesse mesmo ano os primeiros hereges foram levados a julgamento.[4]

A configuração da instituição dos familiares do Santo Ofício na Inquisição espanhola Moderna carrega grande influência dos preceitos da Inquisição Medieval. Apesar da nova Inquisição ter sido instituída pela bula papal de Sisto IV, o Santo Ofício manteve os padrões e privilégios medievais aos familiares.[5]

O historiador Juan Antonio Llorente define que os primeiros familiares do Tribunal do Santo Ofício espanhol são nomeados através de frades - que já tinham conhecimento da figura dos familiares da Inquisição espanhola Medieval -, a partir de 1480, quando se inicia propriamente o funcionamento do Santo Ofício espanhol no reino Castelhano. Neste ano, são nomeados os primeiros inquisidores: Miguel de Morillo e Juan de San Martin, e junto com suas nomeações, são designados os primeiros familiares.[6] A trajetória para se tornarem familiares do Santo Ofício se resumia em professar a terceira ordem de Santo Domingo, e se tornarem membros da irmandade de São Pedro de Martir.[7]

No início, os familiares do Santo Ofício espanhol desempenhavam funções breves, como por exemplo, prender hereges e processados. No caso dos familiares da época moderna, eram vinculados ao tribunal local, diferentemente dos familiares da Inquisição medieval, que dependiam direta e somente do inquisidor.[8]

Dentre os privilégios que gozavam os familiares do Santo Ofício espanhol, mantinham-se os principais já conhecidos pela Inquisição medieval, sendo eles: o uso de armas e imunidade jurisdicional.[9] Alguns familiares eram isentos da obrigação de alojar soldados e membros da Inquisição em suas casas, e também isentos de alguns impostos. Além disso, são citados privilégios espirituais, indulgências e grande prestígio social.[10]

Familiares do Santo Ofício português[editar | editar código-fonte]

Ao contrário da maior parte da Península Ibérica, em Portugal os tribunais do Santo Ofício são implantados tardiamente. A instituição só teve seu auge no século XVIII, quando já estava em declínio na Espanha. No que resta, a Inquisição Portuguesa foi igual às demais: os familiares tinham a função controle e investigação da população seguindo instruções da Mesa do Santo Ofício. Só podiam efetuar prisões se recebessem ordens e ganhavam cerca de quinhentos réis por dia de trabalho.[11]

Os Regimentos da Inquisição são onde as regras específicas do aparelho burocrático inquisitorial foram organizadas a partir de 1532. No regimento de1613 se definiu claramente os pré-requisitos institucionais para ocupação dos cargos, e em 1640, se incluiu um título específico para os familiares.[12]

De acordo com os valores da Europa do Antigo Regime, a investigação dos antepassados era um traço fundamental para a hierarquização da sociedade. A Inquisição ocupava papel fundamental na manutenção do mito da pureza de sangue como sentimento comum ao nobre e ao camponês do mundo Ibérico.[13]

Translado autêntico de todos os privilégios concedidos pelos Reys destes Reynos, & Senhorios de Portugal aos Officiaes, & e Familiares do Santo Officio da Inquisição. Lisboa, 1691.

Aos familiares do do Santo Ofício, foram concedidos privilégios tanto pelo rei quanto pelo papado a fim de diferencia-los do restante da população. Mas uma das principais vantagens buscadas pelos candidatos era o atestado de limpeza de sangue - que negava qualquer origem judaica. Porém, no último regimento da Inquisição portuguesa, promulgado em 1774, a limpeza do sangue deixa de ser necessária para candidatura ao cargo.[14]

Ademais, esses oficiais da Inquisição gozavam do privilégio de isenções fiscais, como impostos, tributos, empréstimos e encargos extraordinários. Eles também não poderiam ter suas casas confiscadas, não eram obrigados a servir seja em terra ou no mar, podiam andar armados e tinham o direito de utilizar determinados trajes - privilégios esses permitidos por D. Sebastião em 1562. Adquirem também o foro privativo por D. Henrique.[15]

Em relação a números, nos nove primeiros anos da inquisição portuguesa, entre 1571 e 1580, foram nomeados cerca de 18 familiares, já no ano de 1770, seu apogeu, o número de familiares chegou a 2252. Quando já estava em seu fim, em 1820, restavam cerca de 120 familiares. O número de familiares não chegou a ser limitado, no entanto, em 1693 Dom Pedro II impôs um número restrito de familiares que poderiam gozar dos privilégios. A partir dessa data, apenas os mais antigos estavam autorizados a usufruir dos benefícios.[16]

No Brasil colonial, os familiares - assim como os outros oficiais do Santo Oficio - respondiam ao Tribunal de Lisboa. Não havia na colônia um tribunal próprio, o controle inquisitorial era exercido por meio das visitações e por meio de representantes aqui habilitados, como os comissários.[17]

O cargo de familiar fornecia grande status, e era ocupado majoritariamente por comerciantes, que com isso buscavam ascensão social. Calcula-se que, no Brasil, entre os séculos XVII e XVIII - cerca de 1372 foram habilitados - sendo todos em Salvador, Pernambuco e Rio de Janeiro - locais onde o poder inquisitorial se estabeleceu melhor devido à hegemonia econômica dessas regiões litorâneas.[18]

Familiares do Santo Ofício italiano[editar | editar código-fonte]

Também apelidados de ''crocesegnati'', os Familiares italianos surgiram no século XVI e eram encarregados de funções de defesa armada de frades, juízes, vigários e oficiais importantes (no caso de longas viagens) e escolta de Inquisidores ou infratores aos tribunais de fé. Esses possuíam características singulares quando comparados às suas contrapartes da Península Ibérica. [19]

Não se sabe como era feita a seleção dos Familiares. Todavia no século XVIII e XIX foram feitos concursos para selecionar os novos membros. Mas nos séculos XVI e XVII — apesar da escassez de informações —, são encontrados inúmeros exemplos de cartas de recomendações de duques, príncipes e cardeais para dar um título de familiar a um determinado indivíduo.[19] O voluntário deveria propor sua candidatura a um Inquisidor, que o nomearia e investigaria seu passado para averiguar se estaria apto ao cargo — todavia, não era uma prática adotada por todos os Estados italianos, sendo mais habitual na República de Veneza. A nomeação era feita, até 1720, pelos juízes locais dos tribunais da fé e, posteriormente, pela própria Congregação romana. Os inquisidores indicavam sem nenhuma consulta aos seus superiores, fato que mudou com regulamentações feitas por cardeais, cientes dos abusos da autonomia dos inquisidores. [20]

Os requisitos para ser um familiar já estavam definidos desde meados do século XVII se resumiam em: boa reputação, homem adulto de idade média, hábeis com o uso de armas, abastados e nobres - fatores que eram de extrema importância para a inquisição, já que poderiam poupar gastos. Do mesmo modo, existiam critérios considerados pontos negativos: idade inferior à 25 anos ou senioridade, má prestígio e pobreza.[21]

Pendente da Medalha de Familiar do Santo Ofício.

Entre os importantes privilégios que tinham os familiares, pode-se citar o foro inquisitorial que o grupo havia conseguido formalizar através da Inquisição em 1631, e continuado a ampliar seus limites no segundo terço do século XVII. Condenar um familiar e até mesmo prendê-lo era um ato de grandioso peso que poderia significar o julgamento e/ou punição do acusador. Outro privilégio comum era o da indulgência plenária, porém, reservada àqueles que haviam batalhado nas guerras italianas ou nas Cruzadas. A isenção do serviço militar era também um privilégio dos familiares italianos, a título de que esse exercício atrapalharia seus deveres, que deveriam se basear em prezar pelo prestígio do tribunal sagrado.[22]

Referências

  1. Santos, Georgina Silva dos (junho de 2007). «A milícia da Inquisição: familiares do Santo Ofício no Brasil colonial». História, Ciências, Saúde-Manguinhos (2): 607–611. ISSN 0104-5970. doi:10.1590/S0104-59702007000200012. Consultado em 1 de abril de 2021 
  2. DA SILVA CRUZ, ROBERTA CRISTINA (setembro de 2013). «Familiares do Santo Ofício Português: Uma análise sobre os novos padrões de recrutamento no século XVIII» (PDF). UFRB 
  3. Contreras, Jaime (1984). «El apogeo del Santo Oficio (1569-1621): las adecuaciones estructurales en la Península». Espanha. Historia de la Inquisición en España y América: 744 
  4. BERGEMANN, Patrick (2019). The spanish inquisition. Judge Thy Neighbor: Denunciations in the Spanish Inquisition, Romanov Russia, and Nazi Germany. [S.l.]: Columbia University Press. p.35–82
  5. Cerrillo, Gonzalo (1993). Los familiares de la Inquisición española (1478-1700). Madrid. p 45
  6. Cerrilo, Gonzalo (1993). Los familiares de la Inquisición española (1478-1700). Madrid. p. 47
  7. Cerrilo, Gonzalo (1993). Los familiares de la Inquisición española (1478-1700). Madrid. p. 49
  8. Cerrillo, Gonzalo (1993). Los familiares de la Inquisición española (1478-1700). Madrid p. 51.
  9. Prosperi, Adriano (2010). Dizionario storico dell'Inquisizione. [S.l.]: Scuola Normale Superiore. p. 577-578 
  10. Cerrillo, Gonzalo (1993). Los familiares de la Inquisición española (1478-1700). Madrid. p. 104.
  11. Novinsky, Anita (1983). Cristãos Novos na Bahia - História do Brasil Colonial. São Paulo. p.35
  12. RODRIGUES, Aldair Carlos. Inquisição e sociedade a formação da rede de familiares do Santo Ofício em Minas Gerais colonial (1711-1808). In: Varia hist. vol.26 no.43 Belo Horizonte jun. 2010.
  13. Novinsky, Anita (1983). Cristãos Novos na Bahia - História do Brasil Colonial. São Paulo. p. 35
  14. KÜHN, Fábio (2010). «As redes da distinção : familiares da inquisição na América Portuguesa do século XVIII». Repositório Digital - UFRGS. Revista Varia Historia 43. 26: 177-195, 
  15. Buono Calainho, Daniela (2006). Agentes da Fé: Familiares da inquisição portuguesa no Brasil Colonial.
  16. Wadsworth, James E. Os familiares do número e o problema dos privilégios. In: Vainfas, Ronaldo; Fleiter, Bruno; Lage, Lana (Org.). A Inquisição em xeque: temas, controvérsias e estudos de caso. Rio de Janeiro. 2006.
  17. SIQUEIRA, Sonia (1978). A inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática,. p. 159
  18. SIQUEIRA, Sonia (1978). A inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática,. p. 181 
  19. a b Solera, Dennj (2020). Sotto l'ombra della patente del Santo Officio. [S.l.]: Firenze University Press. p. 148-164; 174-183
  20. Solera, Dennj (2020). Sotto l'ombra della patente del Santo Officio. [S.l.]: Firenze University Press. p. 148-164; 174-183
  21. Solera, Dennj (2020). Sotto l'ombra della patente del Santo Officio. [S.l.]: Firenze University Press. p. 148-164; 174-183 
  22. Bruschi, Caterina (2013). Familia inquisitionis: a study on the inquisitors' entourage (XIII-XIV centuries). p 17-22.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BERGEMANN, Patrick (2019). The spanish inquisition. Judge Thy Neighbor: Denunciations in the Spanish Inquisition, Romanov Russia, and Nazi Germany. [S.l.]: Columbia University Press. p.35–82
  • BETHENCOURT, Francisco (2000). História das Inquisições. Companhia das Letras. p.134-147
  • CALAINHO, Daniela. Agentes da Fé. Familiares da Inquisição portuguesa no Brasil colonial. Bauru: EDUSC, 2006.
  • CONTRERAS, Jaime (1984). El apogeo del Santo Oficio (1569-1621): las adecuaciones estructurales en la Península. Historia de la Inquisición en España y América: 744. Consultado em 18 de junho de 2023.
  • CRUZ, Roberta Cristina da Silva. Inquisição e status social: processos de habilitação de Familiares do Santo Ofício que não se enquadravam às normas (Rio de Janeiro, segunda metade do século XVIII). In: Revista Crítica Histórica. Ano VII, nº 14, dezembro/2016.
  • de MAISTRE, José (1981). A Inquisição Espanhola. [S.l.]: Sampedro
  • PROSPERI, Adriano (2010). Dizionario storico dell'Inquisizione.[S.I]: Scuola Normale Superiore. p. 577-578.
  • RODRIGUES, Aldair Carlos. Inquisição e sociedade a formação da rede de familiares do Santo Ofício em Minas Gerais colonial (1711-1808). In: Varia hist. vol.26 no.43 Belo Horizonte jun. 2010.
  • SIQUEIRA, Sonia A. Inquisição portuguesa e sociedade colonial. São Paulo: Ed. Ática, 1978.
  • SOLERA, Dennj (2020). Sotto l'ombra della patente del Santo Officio. [S.l.]: Firenze University Press. p.148-164; 174-183
  • VAINFAS, Ronaldo (direção). Dicionário do Brasil Colonial: 1500 - 1808. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2000.
  • VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno; LAGE, Lana. A inquisição em xeque: temas, controvérsias, estudos de caso. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1 de  janeiro de 2006.