Abílio de Noronha

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Abílio de Noronha
Abílio de Noronha
Dados pessoais
Nascimento 19 de fevereiro de 1862
Pará
Morte 25 de dezembro de 1927 (65 anos)
Rio de Janeiro
Vida militar
País  Brasil
Força Exército
Hierarquia General de divisão
Comandos

Abílio Augusto de Noronha e Silva, mais conhecido como Abílio de Noronha (19 de fevereiro de 1862Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1927) foi um militar brasileiro, comandante da 2.ª Região Militar (2.ª RM), em São Paulo, durante a deflagração da Revolta Paulista de 1924. Como oficial de infantaria do Exército Brasileiro, atingiu a patente de general de divisão.[1]

Carreira[editar | editar código-fonte]

Nascido no Pará, ingressou no Exército em 1878.[1] Em 1897, durante a Guerra de Canudos, já estava no posto de capitão, servindo no estado-maior do general Artur Oscar de Andrade Guimarães. Nesse conflito, foi colega de barraca de Euclides da Cunha, autor de Os Sertões.[2] Em 1915, como coronel, comandava o 3.º Regimento de Infantaria, presidindo o inquérito aberto para apurar a Revolta dos Sargentos planejada, mas não concretizada naquele ano. Seus escritos são a fonte de maior destaque a respeito dessa conspiração.[3]

Como general, comandou a 2.ª RM de 1922 a 1924,[4] enfrentando duas revoltas tenentistas. Na primeira, em 1922, a guarnição de São Paulo estava legalista, e Noronha enviou uma coluna para a divisa com Mato Grosso, onde o comando havia aderido à Revolta dos 18 do Forte. O impasse terminou com a rendição sem resistência dos mato-grossenses.[5]

Revolta de 1924[editar | editar código-fonte]

Nos dois anos seguintes, uma intensa atividade conspiratória, visando um levante a partir da cidade de São Paulo, ocorreu nos quartéis da 2.ª RM.[6] Noronha quis ser isento, sem distinguir seus subordinados entre partidários e inimigos do governo, e sem perseguir os oficiais foragidos que viviam em São Paulo.[7] Ainda assim, manteve os comandantes de suas unidades sob constante vigilância e repassou ao governo estadual (ocupado por Washington Luís e depois Carlos de Campos) as informações que recebia sobre a conspiração. Em 26 de junho ele solicitou ao Ministério da Guerra a remoção de dois comandantes suspeitos; as remoções não foram feitas a tempo, e as suspeitas se confirmariam durante a revolta.[8] Às vésperas do movimento, Noronha repetidamente exigiu compromissos de lealdade de seus subordinados.[9]

Na noite de 4 de julho, Noronha ficou até as 02h00 da madrugada numa festa do consulado americano para o Dia da Independência dos Estados Unidos.[10] Ele só pôde dormir até as 04h30, quando foi acordado apressadamente pelo capitão Grimualdo Teixeira Fávila, do 4.º Batalhão de Caçadores (BC). Vários oficiais estranhos à unidade haviam recolhido dezenas de soldados.[11] Ainda vestindo seu uniforme de gala, ele seguiu ao quartel-general da Região Militar, de onde avisou o governador Carlos de Campos e mandou um tenente transmitir a notícia ao Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro. Em seguida, reuniu outros oficiais e foi ao quartel do 4.º BC, onde o comandante havia acabado de chegar.[12]

Na volta, encontrou o quartel do 4.º Batalhão da Força Pública (BFP), na Luz, ocupado por 30 soldados do Exército, e não da Força Pública. Com toda a força de sua posição na hierarquia, Noronha mandou-os descarregar suas armas e voltar, presos, ao 4.º BC. No interior do quartel, libertou os oficiais da Força Pública detidos pelos rebeldes, ordenando-os que prendessem qualquer um que entrasse sem sua autorização. Ele e seus oficiais prosseguiram ao Corpo-Escola, onde Noronha repetiu o feito, arrancando as armas dos sentinelas indecisos e mandando-os de volta a seu quartel. Seus oficiais desarmaram uma patrulha do Regimento Escola da Força Pública. Em quinze minutos, haviam subtraído 200 soldados da revolta, sem disparar um tiro. O tenente Asdrúbal Gwyer de Azevedo, com revólver em punho, deu ordem de prisão ao general, que não aceitou; perplexo, o tenente fugiu pelos fundos.[13][14]

O capitão Joaquim Távora adentrou então o quartel com um grupo de soldados da Força Pública e novamente tentou prendê-lo com um revólver apontado. O general desafiou-o a puxar o gatilho. O impasse continuou até a chegada do líder da revolta, o general Isidoro Dias Lopes, e o coronel João Francisco Pereira de Souza, que insistiu a Noronha: “o senhor fica preso, general: se Pedro II o foi, por que o senhor não pode ser?” Isidoro, seu conhecido, deixou Noronha preso com seus oficiais no Corpo-Escola, pois ele não aceitou ficar sob palavra em sua residência.[15][16]

O impacto da ação legalista nas primeiras horas da revolta foi decisivo. Os rebeldes só perceberam a contrarrevolta no 4.º BFP quando Joaquim e Juarez Távora, Castro Afilhado e outros oficiais entraram desavisados nesse quartel e foram presos. O próximo passo no plano, a marcha para o Rio de Janeiro, foi suspenso para lidar com os legalistas dentro de São Paulo.[17] Enquanto prisioneiro, Noronha foi procurado por José Carlos de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial de São Paulo, para intermediar um cessar-fogo entre os revoltosos e os legalistas. Após ler as demandas de Isidoro, que incluíam a renúncia do presidente, Noronha recusou-se a participar, pois isto seria para ele um “golpe na soberania nacional pelo gume das baionetas”.[18]

Narrando a Verdade e O Resto da Verdade[editar | editar código-fonte]

Após a derrota dos revoltosos em São Paulo, Noronha foi acusado de ter se mantido alheio à conspiração.[15] Para Carlos de Campos, o general era o “maior culpado de tudo”, “não passa de um bailarino”.[19] Sua defesa veio nos livros Narrando a Verdade e O Resto da Verdade, nos quais fez uma análise militar crítica das operações legalistas na retomada de São Paulo.[20][8] Por não pertencer à “linha dura” do governo, condenou o bombardeio de artilharia e a destruição que ele causou para a população.[21] O material no livro foi cuidadosamente lido pelos investigadores do inquérito policial sobre o movimento. Eles ainda assim acusaram-no de negligência, citando suas “demasias que a longa investigação criminal constante dos inquéritos categoricamente desmente”. Uma das cartas usadas pelo general em sua defesa, dirigida ao marechal Carneiro da Fontoura, chefe de polícia do Distrito Federal, foi considerada comprometedora pela investigação.[22]

Referências

  1. a b «General Abilio de Noronha: seu fallecimento ante-hontem». Jornal do Brasil. 27 de dezembro de 1927 
  2. Assunção Filho, Francisco Moacir (2014). 1924 - Delenda São Paulo: a cidade e a população vítimas das armas de guerra e das disputas políticas (PDF) (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo . p. 39.
  3. Salomão, Eduardo Rizzatti (2020). «A Revolta dos Sargentos de 1915: memória e interpretações» (PDF). XIX Encontro de História da Anpuh-Rio 
  4. «Antigos Comandantes». 2ª Região Militar. 6 de julho de 2023. Consultado em 10 de julho de 2023 
  5. Souza, Fernando dos Anjos (2018). Conflitos armados, encontros e combates nas fronteiras do sul de Mato Grosso, nas décadas iniciais do século XX (PDF) (Doutorado em História). Universidade Federal da Grande Dourados . p. 244-245.
  6. Antosz Filho, Alexandre (2000). O projeto e a ação tenentista na revolução de 1924 em São Paulo: aspectos econômicos, sociais e institucionais (PDF) (Mestrado em História). Universidade de São Paulo . p. 51-55.
  7. Meirelles, Domingos João (2002). As noites das grandes fogueiras: uma história da Coluna Prestes 9ª ed ed. Rio de Janeiro: Record . p. 58.
  8. a b Silva, Hélio (1971). 1922: sangue na areia de Copacabana 2.ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira . p. 394-399.
  9. McCann, Frank (2009) [2007]. Soldados da Pátria: história do Exército Brasileiro, 1889–1937. Traduzido por Motta, Laura Pereira. Rio de Janeiro e São Paulo: Biblioteca do Exército e Companhia das Letras . p. 347.
  10. Meirelles 2002, p. 41.
  11. Carneiro, Glauco (1965). História das revoluções brasileiras 1.º volume: da revolução da República à Coluna Prestes (1889/1927). Rio de Janeiro: O Cruzeiro . p. 266.
  12. Meirelles 2002, p. 57-58.
  13. Meirelles 2002, p. 60-62.
  14. Doria, Pedro (2016). Tenentes: a guerra civil brasileira 1.ª ed. Rio de Janeiro: Record . cap. 16.
  15. a b Carneiro 1965, p. 266.
  16. Meirelles 2002, p. 62-64.
  17. Meirelles 2002, p. 66.
  18. Meirelles 2002, p. 138-141.
  19. Silva 1971, p. 381.
  20. Santos, Hélio Tenório dos (2013). A ação tática de João Cabanas no eixo da Mogiana em 1924. São Paulo: Academia de História Militar Terrestre do Brasil . p. 37-39.
  21. Romani, Carlo (julho–dezembro de 2011). «Antecipando a era Vargas: a Revolução Paulista de 1924 e a efetivação das práticas de controle político e social». Topoi. 12 (23). Cópia arquivada em 23 de junho de 2021 . p. 164.
  22. Tecchio, Caroline (2021). A coluna da morte: memórias, representações e a escrita de si do tenente João Cabanas (1924-1928) (PDF) (Doutorado em História). Universidade Estadual do Oeste do Paraná . p. 99-100.