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Ligação três centros dois elétrons

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(Redirecionado de Pontes de hidrogénio)
 Nota: Se procura a interação eletrostática popularmente chamada "ponte de hidrogênio", veja ligação de hidrogênio.
Diborano. Os dois átomos centrais de hidrogênio estão simultâneamente ligados a ambos os átomos de boro em ligações 3c-2e.

Uma ligação três centros dois elétrons ou ligação tricentrada com dois elétrons (3c-2e) é uma ligação química em que um par de elétrons é compartilhado entre três átomos, diferentemente de uma ligação covalente convencional, na qual um par de elétrons é compartilhado entre dois átomos. Consequentemente, a ligação 3c-2e consiste em uma única ligação covalente unindo três átomos. [1] Esta ligação é frequentemente executada por átomos que possuem deficiência de elétrons, sendo que três átomos compartilham dois elétrons entre si. Quando um dos átomos envolvidos é um hidrogênio, ela também é conhecida por ponte de hidrogênio (no Brasil) ou hidrogénio (em Portugal), embora tal expressão também seja aplicada, em sentido menos técnico, às ligações de hidrogênio (que, no entanto, são um tipo de interação completamente diferente).


Descrição[editar | editar código-fonte]

Estrutura molecular do Pentaborano-9, destacando as ligações 3c-2e em sua molécula (representada em linhas tracejadas em vermelho. As ligações covalentes normais são representadas como traços sólidos em preto).

Esse tipo de ligação é bem pouco comum na Natureza e ocorre geralmente em compostos covalentes nos quais alguns dos átomos são deficiente em elétrons, portanto, incapazes de completarem o octeto realizando ligações convencionais. As ligações 3c-2e são particularmente frequentes em compostos de boro (como os boranos), bem como alguns compostos covalentes de berílio, alumínio e alguns outros compostos covalentes de metais, além de certos carbocátions não-clássicos como o cátion 2-norbornil.

A combinação de três orbitais atômicos forma três orbitais moleculares: um ligante, um não-ligante e um antiligante. Os dois elétrons vão para o orbital ligante, resultando em um efeito de rede de ligação e constituindo uma ligação química entre os três átomos. Em muitas ligações comuns desse tipo, o orbital ligante é deslocado na direção de dois dos três átomos, em vez de ser igualmente distribuído entre os três. O exemplo mais simples de uma ligação 3c-2e é o hidrogênio protonado molecular, H3+.[2]. Isto resulta numa única ligação covalente unindo simultaneamente três átomos.

Representação[editar | editar código-fonte]

Estrutura do Tetraborano. As ligações 3c-2e, como vistas neste exemplo, são frequentemente representadas como dois traços separados, dando a falsa impressão de serem duas ligações covalentes simples, criando a ideia equivocada de que o átomo de hidrogênio está formando duas ligações covalentes, o que é impossível. Os traçados B-H-B mostrados aqui são, na realidade, uma única ligação unindo os três átomos.

Diferentemente das ligações covalentes convencionais, que possuem formas padronizadas de representação (por exemplo, ligações simples, duplas, triplas ou mesmo ligações dativas), as ligações 3c-2e não têm uma forma única e padronizada de serem escritas.[3] Isso frequentemente causa confusões ao se desenhar as estruturas moleculares e eletrônicas dos compostos que possuem esse tipo de ligação.

Uma forma frequente de representar essas ligações é por meio de traços como ocorre nas ligações covalentes comuns, porém geralmente a ligação tricentrada é representada como dois traços (como visto com frequência na representação do composto mais conhecido que realiza esse tipo de ligação, o diborano), levando, por vezes, à conclusão errônea de que esses traços tratam-se de duas ligações covalentes separadas em vez de uma única ligação, dando a entender que o átomo envolvido está formando mais ligações do que o seu octeto permite, o que não é o caso. [carece de fontes?]

Uma outra forma de representação muito utilizada o uso de linhas tracejadas unindo os átomos envolvidos,[4] algumas vezes como linhas abertas X---X---X, e outras vezes como uma forma triangular fechada unindo os três átomos. No entanto, esse tipo de representação também causa confusão pela ambiguidade, uma vez que linhas tracejadas também são empregadas para representar ligações fracas, híbridos de ressonância, forças intermoleculares, ligações de hidrogênio ou mesmo ligações parciais encontradas em complexos ativados.[5]

Ligações tricentradas no diborano representada como linhas tracejadas.
A estrutura do complexo tricarbonilbis(triciclohexilfosfina)molibdênio, que contém uma ligação 3c-2e C-H-Mo, a qual é representada neste exemplo como linhas tracejadas em uma forma triangular (esta estrutura também é um exemplo de interação agóstica).

Contudo, há algumas propostas levantadas para escrever de uma forma mais coerente e inequívoca este tipo de ligação. Uma dessas formas consiste em escrever linhas ramificadas ( ⟩– ) unindo os três átomos envolvidos, embora isso algumas vezes possa ser confundido com as representações simplificadas de estruturas esqueléticas de moléculas orgânicas, onde átomos de carbono e hidrogênio são frequentemente omitidos. [carece de fontes?].

Representação de linha bifurcada da ligação 3c-2e no dímero de trimetil alumínio.
A representação de linha bifurcada é bastante coerente em representar ligações tricentradas, mas pode gerar confusão com linhas ramificadas de estruturas orgânicas simplificadas, como esta do composto butirato de isoamila.


Há também outra abordagem que se utiliza de linhas curvas (por vezes referidas como “ligações banana”) para representar essa ligação, especialmente quando envolvem um átomo ou grupo pequeno (como o hidrogênio ou metil) em ponte entre dois grupos de átomos mais complexos.[6]

Diborano representado com "ligações banana".

Outra forma consiste em representá-las como um traço unindo dois dos átomos envolvidos com uma seta (semelhante à representação de uma ligação dativa) apontando do centro desse traço para o terceiro átomo[7]. Uma outra forma relacionada representa a ligação tricentrada como um traço entre o primeiro átomo envolvido e o segundo, e uma meia-seta partindo do segundo para o terceiro (notação de meia-seta de Parkin).[8][9]. Esta forma se diferencia de uma ligação coordenada (ou dativa), onde a seta representa um par de elétrons não-ligante doado de um átomo para outro, enquanto a meia-seta representa um par de elétrons ligante (ou seja, já envolvido em uma ligação) sendo compartilhado com o terceiro átomo.[10] No entanto, essas propostas ainda não foram oficializadas pela IUPAC.

Representação de seta e meia-seta da ligação tricentrada com dois elétrons.
Representação de ligação tricentrada em meia-seta para o diborano e o tetraborano.

Classificação[editar | editar código-fonte]

Assim como as ligações covalentes convencionais 2c-2e são classificadas em ligações covalentes comuns (quando cada átomo envolvido contribui com um elétron para a ligação) e ligações covalentes dativas (quando os dois elétrons da ligação são fornecidos por somente um dos átomos), as ligações tricentradas com dois elétrons também podem ser classificadas de forma análoga, podendo ser classificadas como ligações 3c-2e de Classe I e ligações 3c-2e de Classe II. [11]

Classificação das ligações 3c-2e.[12]
  • As ligações 3c-2e de classe I constituem os casos em que dois dos átomos envolvidos contribuem com um elétron, enquanto o terceiro contribui com um orbital vazio. Este é o tipo de ligação tricentrada observada no diborano, trimetilalumínio dimérico, sal de Zeise, entre outros.
  • As ligações 3c-2e de classe II constituem os casos em que um dos átomos envolvidos contribui com os dois elétrons da ligação, enquanto os dois outros contribuem com orbitais vazios. Exemplos incluem ligantes como carbonila e fosfina em ponte entre dois íons metálicos em alguns complexos de metais de transição.[13]
  • Um exemplo de composto contendo uma ligação tricentrada com dois elétrons de classe II (representada na notação de meia-seta). Ambos os elétrons da ligação Rh-P-Rh são provenientes do fósforo, os quais interagem com orbitais d vazios dos dois átomos de ródio.[14]


Exemplos[editar | editar código-fonte]

Sal de Zeise, tricloro(etileno)platinato(II) de potássio hidratado, é um composto organometálico contendo uma ligação 3c-2e entre os dois carbonos do etileno e o átomo de Platina.
O próprio Boro, em sua forma elementar, forma extensivamente ligações 3c-2e. Unidades icosaédricas B12 são comuns em vários alótropos do elemento, e grande parte das ligações dentro de cada icosaedro, bem como entre icosaedros diferentes, são ligações tricentradas. Na foto, estrutura do alótropo boro alfa.

Este tipo de ligação é vista em vários compostos de boro, como o diborano, B2H6; o monômero BH3 é instável já que o átomo de boro está perfazendo apenas seis elétrons de valência e, portanto, para formar um octeto estável compartilha elétrons com uma ligação B-H a outro átomo de boro, formando uma ligação B-H-B 3 centros dois elétrons. No diborano, há duas dessas ligações: dois átomos de hidrogênio realizam uma ponte entre os dois átomos de boro, deixando dois átomos de hidrogênio adicionais em ligações B-H ordinárias em cada átomo de boro. Este padrão de ligação é também visto no trimetilalumínio (Al(CH3)3), cuja estrutura real é um dímero (Al2(CH3)6), onde o átomo de carbono de um grupo metil realiza essa ponte.

O boro elementar também tem seus átomos ligados por ligações 3c-2e. Devido ao seu minúsculo tamanho, o átomo de boro é incapaz de ionizar-se para formar cátions B3+ e formar ligação metálica como os outros elementos do grupo 13 (como o alumínio). Como resultado, ele encontra-se deficiente de elétrons e recorre a formar ligações tricentradas para estabilizar-se. A maioria dos alótropos do elemento boro é constituído por unidades icosaédricas B12 ligadas entre si em padrões complexos, e tanto as ligações dentro de cada unidade icosaédrica quanto entre unidades adjacentes envolvem ligações tricentradas.[15]

Nos boranos de estrutura mais complexa, podem existir tanto ligações tricentradas B-H-B quanto ligações B-B-B, formando estruturas semelhantes a gaiolas poliédricas. Nesses clusters, as ligações entre os boros são frequentemente híbridos de ressonância entre ligações covalentes convencionais B-B e ligações 3c-2e B-B-B. Algumas dessas estruturas, como o ânion em forma de gaiola icosaédrica B12H122- [16] e seus derivados, que possuem ligações 3c-2e (juntamente com ligações comuns) apenas entre os boros, são excepcionalmente estáveis devido ao híbrido de ressonância obedecer à regra de Hückel e, portanto, ser considerado um sistema aromático. [17]

Sal de césio do íon cluster closo-dodecaborato, B12H122-. As ligações entre os boros são um híbrido de ressonância entre ligações covalentes convencionais e ligações tricentradas com dois elétrons.

Complexos organometálicos como o ferroceno ([Fe(C5H5)2]) e o Sal de Zeise K[PtCl3(C2H4)]•H2O, também contêm ligações 3c-2e em suas estruturas, resultantes da interação entre uma ligação dupla C=C (no caso, a ligação pi) e o átomo metálico.

Este tipo de ligação ocorre também em alguns compostos de carbono, onde é algumas vezes referida como hiperconjugação; outro nome para ligações três centros dois elétrons assimétricas.

Intermediários contendo ligações 3c-2e ocorrem com frequência em reações de rearranjos de carbocátions.

Rearranjos de carbocátions ocorrem através da transição de estado de ligações três centros. Devido às estruturas das ligações três centros possuírem quase a mesma energia que os carbocátions, praticamente não há energia de ativação para esses rearranjos, o que faz com que eles ocorram a taxas extraordinariamente altas.

Várias espécies químicas chamadas de carbocátions não-clássicos possuem ligações três centros dois elétrons entre alguns de seus átomos. Talvez a estrutura desse tipo mais conhecida e estudada seja o cátion 2-norbornil.

Ocorrência natural[editar | editar código-fonte]

A maioria dos compostos contendo ligações tricentradas são substâncias sintéticas, sendo este um tipo de ligação bastante raro na Natureza. No entanto, uma instância notável de ocorrência natural de ligações tricentradas com 2 elétrons ocorre no cofator da enzima nitrogenase, envolvida no processo de fixação biológica do nitrogênio[18]. O Cofator de Ferro-Molibdênio (FeMoco) é um tipo especial de cluster de ferro-enxofre ligado à enzima, o qual contém, além dos átomos de ferro e enxofre, um átomo de molibdênio e também um átomo de carbono no centro da estrutura (o qual foi confirmado tratar-se de um carbono, e não outro átomo leve como nitrogênio ou oxigênio recentemente, no ano de 2011 [19]), o qual encontra-se num estado hexacoordenado, ligado covalentemente a seis átomos de ferro num arranjo trigonal prismático (um ligante carboneto intersticial). Esta forma de ligação é análoga à encontrada em alguns complexos metálicos de carboneto intersticial sintéticos contendo carbono com número de coordenação maior do que 4, nos quais invariavelmente ocorre o estabelecimento de ligações tricentradas com dois elétrons nos átomos de carbono. [20]. O carbono hexacoordenado presente nesses complexos e no cofator está realizando duas ligações convencionais e duas tricentradas. [carece de fontes?]. Durante o processo de redução do dinitrogênio a amônia pelos íons H+ e elétrons, o FeMoco pode ligar-se até a 4 hidrogênios, alguns dos quais ligam-se aos átomos de ferro como hidreto covalentemente ligado, formando pontes Fe-H-Fe 3c-2e. [21]

O cofator FeMoco da enzima nitrogenase contém um carbono intersticial ligado por ligações 3c-2e. Durante o processo da fixação do nitrogênio, alguns átomos de hidrogênio são ligados a alguns átomos de ferro da estrutura, formando pontes Fe-H-Fe que também são ligados 3c-2e. Este cluster é uma das raras instâncias de ligação três centros dois elétrons na natureza.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. ATKINS P. W., OVERTON, T.; ROURKE, J.; WELLER, M.; ARMSTRONG, F.A. Química Inorgânica. Porto Alegre: Bookman, 2017. p. 313. link.
  2. «IUPAC Gold Book» (PDF) (em inglês) 
  3. https://www.covalentbondclass.org/wp-content/uploads/2020/02/CBC-and-3c-2e-bonds.pdf
  4. https://www.covalentbondclass.org/wp-content/uploads/2020/02/CBC-and-3c-2e-bonds.pdf
  5. https://www.pharmacy180.com/article/structure-of-the-activated-complex-1472/
  6. https://www.chem.ucla.edu/~cantrill/30A_F05/Diborane.pdf
  7. https://www.researchgate.net/figure/Classification-of-3-centre-2-electron-3c-2e-interactions-according-to-the-nature-of-the_fig25_232225251
  8. https://healy.create.stedwards.edu/Chemistry/MMedia/AdvOrganicProject/ParkinJChemEd.pdf
  9. https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.jchemed.9b00750
  10. https://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/acs.jchemed.9b00750
  11. https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2012/cc/c2cc35304k
  12. https://www.researchgate.net/figure/An-example-of-a-compound-that-features-a-3c-2e-interaction-with-a-m-L-bridge_fig3_232225251
  13. https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2012/cc/c2cc35304k
  14. https://www.researchgate.net/figure/An-example-of-a-compound-that-features-a-3c-2e-interaction-with-a-m-L-bridge_fig3_232225251
  15. https://www.researchgate.net/figure/The-structures-of-boron-allotropes-bulk-polymorphs-of-a-rhombohedral-boron-a_fig1_309657056
  16. Longuet-Higgins, Hugh Christopher; Roberts, M. de V. (June 1955). «The electronic structure of an icosahedron of boron atoms». Proceedings of the Royal Society of London. Series A. Mathematical and Physical Sciences. 230 (1180): 110–119. Bibcode:1955RSPSA.230..110L. doi:10.1098/rspa.1955.0115  Verifique data em: |data= (ajuda)
  17. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/016612809287074A
  18. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8606229/
  19. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3800678/
  20. https://www.researchgate.net/figure/a-Structure-of-the-resting-state-of-FeMoco-with-Fe2-and-Fe6-labeled-for-clarity-b_fig1_343475964
  21. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8606229/