Síndrome de Cotard

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Síndrome de Cotard
Especialidade psiquiatria, psicologia
Classificação e recursos externos
CID-10 F22
CID-9 297.1
eMedicine emerg/
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Síndrome de Cotard, também chamada de delírio de Cotard, síndrome do cadáver ambulante,[1] delírio niilista ou delírio de negação,[2] é uma rara doença mental em que a pessoa afetada detém a crença delirante de que ela já está morta, não existe, está em putrefação ou que perdeu seu sangue ou órgãos internos.[3] A análise estatística de cem pacientes indica que a negação da auto-existência é um sintoma presente em 69% dos casos de síndrome de Cotard; ainda que, paradoxalmente, 55% dos pacientes apresentam delírios de imortalidade.[4]

Em 1880, o neurologista Jules Cotard descreveu a condição como Le délire des négations ("O Delírio da Negação"), uma síndrome psiquiátrica de severidade variada. Um caso leve é ​​caracterizado por desespero e auto-aversão, enquanto um caso grave é caracterizado por delírios intensos de negação e depressão psiquiátrica crônica.[5][6] O caso da "Mademoiselle X" descreve uma mulher que negou a existência de partes de seu corpo e de sua necessidade de comer. Ela disse que estava condenada à danação eterna e, portanto, não podia morrer de morte natural. No decorrer do sofrimento de "O Delírio da Negação", a "Mademoiselle X" morreu de fome.

A ilusão de Cotard não é mencionada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM)[7] ou na décima edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10) da Organização Mundial da Saúde.[8]

Sinais e sintomas[editar | editar código-fonte]

O sintoma central na síndrome de Cotard é o delírio de negação. Aqueles que sofrem desta doença muitas vezes negam sua própria existência ou que uma certa parte do seu corpo exista. A síndrome de Cotard costuma ter três etapas distintas. Na primeira etapa - Germinação - os pacientes sofrem crises de depressão psicótica e sintomas hipocondríacos. A segunda etapa - Florescimento- é caracterizada pelo desenvolvimento completo e explosivo da síndrome e os delírios de negação. A terceira etapa - Crônica - é caracterizada por delírios graves e depressão crônica.[9]

A síndrome de Cotard retira a pessoa afetada do convívio social devido à negligência de sua higiene pessoal e saúde física. O delírio de negação da própria existência afeta o paciente de ter conhecimento da realidade externa, produzindo uma visão distorcida do mundo externo. Essa delusão de negação geralmente é encontrada no paciente psicótico que também apresenta esquizofrenia.[10]

Realidade distorcida[editar | editar código-fonte]

O artigo Betwixt Life and Death: Case Studies of the Cotard Delusion (1996) descreve um caso contemporâneo de síndrome de Cotard, que ocorreu em um escocês cujo cérebro foi danificado em um acidente de moto:

Os sintomas do paciente ocorreram no contexto de sentimentos de irrealidade mais gerais e de estar morto. Em janeiro de 1990, após sua alta hospitalar em Edimburgo, sua mãe o levou para a África do Sul. Ele estava convencido de que tinha sido levado para o inferno (que foi confirmado pelo calor), e que ele morreu de septicemia (que tinha sido um risco no início de sua recuperação) ou talvez de AIDS (ele havia lido uma história em The Scotsman sobre alguém com AIDS que morreu de septicemia), ou de uma overdose de uma injeção de febre amarela. Ele pensou que tinha pego "emprestado o espírito de sua mãe para mostrá-la o inferno", e que ela estava dormindo na Escócia.[11]

O artigo Recurrent Postictal Depression with Cotard Delusion (2005) descreve o caso de um menino epiléptico de quatorze anos cuja percepção distorcida da realidade resultou da síndrome de Cotard. O histórico de sua saúde mental expressava temas de morte, tristeza crônica, diminuição da atividade física durante as horas de brincar, retirada social e funções biológicas perturbadas. Cerca de duas vezes por ano, o menino sofreu episódios que duraram entre três semanas e três meses. No decorrer de cada episódio, ele disse que tudo e todos estavam mortos (incluindo árvores), descreveu-se como um cadáver e advertiu que o mundo seria destruído em poucas horas. Ao longo do episódio, o menino não mostrou resposta a estímulos agradáveis e não teve interesse em atividades sociais.[12]

Fisiopatologia[editar | editar código-fonte]

A falha neural na área fusiforme da face, no giro fusiforme (em laranja), pode ser uma causa da ilusão de Cotard.
No cérebro, lesões orgânicas no lobo parietal podem causar a Síndrome de Cotard.

A neurofisiologia subjacente e a Psicopatologia da síndrome de Cotard podem estar relacionadas a problemas de identificação incorreta delirante. Neurologicamente, pensa-se que a síndrome de Cotard (negação da própria existência) está relacionada à Síndrome de Capgras (pessoas substituídas por impostores); considera-se que cada tipo de delírio resulta de falhas neurais na área fusiforme da face do cérebro (que reconhece os rostos) e na amígdala cerebelosa (que associa emoções a um rosto reconhecido).[13]

A desconexão neural cria no paciente uma sensação de que o rosto que está observando não é o rosto da pessoa a quem pertence; portanto, esse rosto não tem a familiaridade (reconhecimento) normalmente associada a ele. Isso resulta em desrealização ou desconexão do meio ambiente. Sendo assim, se o rosto observado é o rosto de uma pessoa conhecida pelo paciente, eles visualizam esse rosto como o de um impostor (síndrome de Capgras). Se o paciente vê o próprio rosto, eles não conseguem perceber nenhuma associação entre o rosto e seu próprio senso de si mesmo, resultando na negação da própria existência.

A síndrome de Cotard é encontrada geralmente em pessoas aflitas com uma psicose (por exemplo, esquizofrenia),[14] transtornos neurológicos e mentais, depressão, desrealização, tumor cerebral,[15][16] e enxaqueca.[13] A literatura medicinal indica que a ocorrência da ilusão de Cotard está associada a lesões no lobo parietal. Como tal, o paciente da ilusão de Cotard apresenta uma maior incidência de atrofia cerebral—especialmente do lobo frontal mediano—do que as pessoas nos grupos de controle.[17]

A Síndrome de Cotard também resulta da resposta fisiológica adversa de um paciente a uma droga (por exemplo, aciclovir) e ao seu precursor de pró-fármaco (por exemplo, valaciclovir). A ocorrência de sintomas relacionados à Síndrome de Cotard foi associada a uma concentração sérica elevada de 9-Carboximetoximetilguanina (CMMG), o principal metabólito da droga aciclovir. Como tal, o paciente com rins fracos (insuficiência renal) continua a arriscar a ocorrência de sintomas delirantes, apesar da redução da dose de aciclovir. O uso de hemodiálise resolveu os delírios do paciente (negação da própria existência) em poucas horas do tratamento, o que sugere que a ocorrência de sintomas da Síndrome de Cotard pode não ser sempre causa de hospitalização psiquiátrica do paciente.[18]

Referências

  1. Pippa Stephens (4 de dezembro de 2017). «'Como posso comer se estou morto?' - as pessoas que vivem com a síndrome do 'cadáver ambulante'». bbc.com. Consultado em 27 de dezembro de 2017. Cópia arquivada em 27 de dezembro de 2017 
  2. «A síndrome que faz as pessoas acreditarem que estão mortas». bbc.com. 1 de dezembro de 2015. Consultado em 27 de dezembro de 2017. Cópia arquivada em 12 de dezembro de 2015 
  3. Berrios G.E.; Luque R. (1995). «Cotard's delusion or syndrome?.». Comprehensive Psychiatry. 36: 218–223. doi:10.1016/0010-440x(95)90085-a 
  4. Berrios G.E.; Luque R. (1995). «Cotard Syndrome: Clinical Analysis of 100 Cases». Acta Psychiatrica Scandinavica. 91: 185–188. PMID 7625193. doi:10.1111/j.1600-0447.1995.tb09764.x 
  5. Cotard's syndrome (em inglês) no Who Named It?
  6. Berrios G.E.; Luque R. (1999). «Cotard's 'On Hypochondriacal Delusions in a Severe form of Anxious Melancholia». History of Psychiatry. 10: 269–278. doi:10.1177/0957154x9901003806 
  7. Debruyne H.; et al. (junho de 2009). «Cotard's syndrome: a review». Curr Psychiatry Rep. 11 (3): 197–202. PMID 19470281. doi:10.1007/s11920-009-0031-z 
  8. Debruyne Hans; et al. (2011). «Cotard's Syndrome». Mind & Brain. 2 
  9. Yarnada, K., Katsuragi, S. and Fujii, I. (1999). "A case study of Cotard's syndrome: stages and diagnosis". In: Acta Psychiatrica Scandinavica, 100: 396–398
  10. Young, A.W., Robertson, I.H., Hellawell, D.J., de, P.K.W., & Pentland, B. (1 de janeiro de 1992). Cotard delusion after Brain Injury. Psychological Medicine, 22, 3, 799–804.
  11. Young, A.W.; Leafhead, K.M. (1996). «Betwixt Life and Death: Case Studies of the Cotard Delusion». In: Halligan, P.W.; Marshall, J.C. Method in Madness: Case studies in Cognitive Neuropsychiatry. Hove: Psychology Press. p. 155 
  12. Mendhekar, D. N., & Gupta, N. (1 de janeiro de 2005). "Recurrent Postictal Depression with Cotard delusion." Indian Journal of Pediatrics, 72, 6, 529–31.
  13. a b Pearn, J.; Gardner-Thorpe, C (14 de maio de 2002). «Jules Cotard (1840–1889) His Life and the Unique Syndrome that bears his Name». Neurology (abstract). 58 (9): 1400–3. PMID 12011289. doi:10.1212/wnl.58.9.1400 
  14. Morgado, Pedro; Ribeiro, Ricardo; Cerqueira, João J. (2015). «Cotard Syndrome without Depressive Symptoms in a Schizophrenic Patient». Case Reports in Psychiatry (em inglês). 2015: 1–3. ISSN 2090-682X. doi:10.1155/2015/643191 
  15. Gonçalves, Luís Moreira; Tosoni, Alberto; Gonçalves, Luís Moreira; Tosoni, Alberto (abril de 2016). «Sudden onset of Cotard's syndrome as a clinical sign of brain tumor». Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo). 43 (2): 35–36. ISSN 0101-6083. doi:10.1590/0101-60830000000080. Consultado em 5 de janeiro de 2018. Arquivado do original em 20 de dezembro de 2010 
  16. Bhatia, M. S. (agosto de 1993). «Cotard's Syndrome in parietal lobe tumor». Indian Pediatrics. 30 (8): 1019–1021. ISSN 0019-6061. PMID 8125572 
  17. Joseph, AB; O'Leary, DH (Outubro de 1986). «Brain Atrophy and Interhemispheric fissure Enlargement in Cotard's syndrome.». The Journal of Clinical Psychiatry. 47 (10): 518–20. PMID 3759917 
  18. Anders Helldén; Ingegerd Odar-Cederlöf; Kajsa Larsson; Ingela Fehrman-Ekholm; Thomas Lindén (dezembro de 2007). «Death Delusion» (Journal Article). BMJ. 335 (7633): 1305–1305. PMC 2151143Acessível livremente. PMID 18156240. doi:10.1136/bmj.39408.393137.BE 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Kudlur, S., George, S. & Jaimon, M. (2007). "An overview of the neurological correlates of Cotard syndrome". In: Eur. J. Psychiat., 21 (2):99–116.
  • Nicolato, Rodrigo et al. "Síndrome de Cotard associada ao uso de ecstasy" (2007). In:J. bras. psiquiatr., 56 (1).