S-móvel indo-europeu
Nos estudos indo-europeus, o termo s-móvel (do termo 's-mobile', um adjetivo neutro latino) designa um fenômeno em que certas raizes protoindo-europeias parecem iniciar por *s-, que nem sempre está presente em todos os derivados. Assim, é por vezes representado no reflexo da raiz em alguns termos, mas não em outros. O fato de que não há consistência sobre quais grupos linguísticos retêm o s-móvel em certos casos é uma evidência que de trata-se de um fenômeno próprio do protoindo-europeu, e não um elemento adicionado ou perdido em períodos posteriores da história de línguas particulares.
Descrição geral
[editar | editar código-fonte]Este prefixo "móvel",*s-, aparece no início de algumas raízes protoindo-europeias, mas está ausente de outras ocorrências da mesma raiz. Por exemplo, o radical *(s)táwros (touro, talvez 'auroque'), dá origem ao latim taurus e ao inglês antigo steor (steer em inglês moderno), ambos significando 'touro'. Ambas as variantes existiam lado a lado no protoindo-europeu, com o germânico preservando as formas *steuraz e *þeuraz respectivamente, enquanto itálico, celta, eslavo e outros ramos possuem palavras para 'touro' que refletem a raiz sem o *s. Compare: gótico stiur, alemão Stier, avéstico staora (gado); mas nórdico antigo þjórr (thiórr), grego tauros, latim taurus , antigo eslavo eclesiástico turъ (tur'), lituano tauras, galês tarw, irlandês antigo tarb, osco turuf, e o albanês taroç.
Em outros casos, é o germânico que preserva apenas a forma sem o s-móvel. A raiz protoindo-europeia *(s)teg-,'cobertura', tem como descendentes o inglês thatch ('palha', do inglês antigo þeccan), alemão decken, 'cobrir', latim tegō 'cobrir', porém as formas gregas stégō, 'cobrir' e russa stog, 'monte de palha', possuem o s inicial.
Às vezes, desenvolvimentos subsequentes podem tratar as formas com e sem o s-móvel de modo diferente. Por exemplo, segundo a Lei de Grimm, o *p protoindo-europeu torna-se o *f protogermânico, porém a combinação *sp não é afetada por esse fenômeno. Assim, a raiz *(s)prek-, que significava provavelmente algo como 'espalhar', possui duas formas descendentes em inglês: sprinkle 'borrifar' (da forma nasalizada *sprenk-) e freckle 'sardas' (da raiz *prek-).
O s-móvel é sempre seguido por outra consoante. As combinações típicas são com oclusivas surdas: *(s)p-, *(s)t-, *(s)k-; com líquidas e nasais: *(s)l-, *(s)m-, *(s)n-; e raramente *(s)w-.
Origens
[editar | editar código-fonte]Uma teoria sobre a origem do s-móvel é a de que ele foi influenciado pelo sufixo da palavra anterior; muitos sufixos flexionais do protoindo-europeu são reconstruídos como terminados em *s, incluindo o nominativo singular e acusativo plural de muitos substantivos. O s-móvel pode, portanto, ser visto como uma interferência entre as palavras, uma espécie de sândi. Assim, por exemplo, enquanto uma alternância entre *péḱyont e *spéḱyont (ambas significando 'eles viram') pode ser difícil de imaginar, uma alternância entre *wĺ̥kʷoms péḱyont e *wĺ̥kʷoms spéḱyont ('eles viram os lobos'[1] ) é plausível. Ambas variantes ainda seriam pronunciadas de formas diferentes, pois o duplo -ss- é distinto de um único -s- (compare a pronúncia de dois altos e dois saltos), mas nesse caso, a alternância agora pode ser entendida como um simples processo de geminação (diplicação) ou degeminação.
Isso pode ser entendido de dois modos:
- Geminação (*s→*ss): nesse caso, a forma sem o *s- é a original. O hábito de duplicar o fonema na junção das palavras, causa o segundo -*s-, que é compreendido com parte da segunda palavra. Isso é um tipo de assimilação. Obviamente, isso não pode acontecer em formas relacionadas utilizadas em diferentes posições sintáticas, de modo que a forma original sem o *s- sobrevive independentemente. Essa é a explicação fornecida por Andrew Sihler.
- Degeminação (*ss→*s): nesse caso, a forma com o *s- é a original. Quando adjacente a um sufixo terminado em *-s, ocorre a geminação. Na fala corrente, ele é reduzido a um simples *-s-, que é compreendido como pertencente ao elemento anterior, deixando a palavra seguinte sem o *s- inicial. Essa explicação é mais popular entre linguistas por duas razões: primeiro, porque uma simplificação de *ss é observada em outras situações no protoindo-europeu (por exemplo *h1és-si → *h1ési: vide cópula indo-europeia); e segundo, porque a maioria das raízes protoindo-europeias iniciando com os encontros consonantais *sp-, *st-, etc possuem variantes sem o *s-, enquanto, por outro lado, há várias raízes iniciando com *p-, *t-, etc que não possuem uma forma iniciando com s-móvel equivalente. Se as formas sem o *s- fossem originais, haveria o problema de explicar por quê tal fenômeno não era mais comum e abrangente.
Outros exemplos
[editar | editar código-fonte]Raiz[2][3] | Significado | Reflexos sem s- | Reflexos com s- | |
---|---|---|---|---|
sk | *(s)kap- | ferramenta | Grego antigo skeparnion | Latim capus |
*(s)kel- | torto | Alemão schielen 'vesgo', grego skṓlēx 'verme' | Grego kō̃lon 'membro (do corpo)' | |
*(s)kep- | cortar, raspar | Inglês scab 'crosta' | Latim tardio capulare 'cortar' | |
*(s)ker- | cortar | Inglês shear 'tosar', share 'partilhar'; polonês skóra 'couro' | Latim curtus 'curto', polonês kora 'córtice' | |
*(s)ker- | dobrado | Inglês shrink 'encolher', avéstido skarəna 'redondo' | Latim curvus 'curvado', russo kriv’ 'torto', lituano kreĩvas 'torto' | |
*(s)kleu- | fechar | Alemão schließen | Latim claudere | |
*(s)kʷal-o- | peixe grande | Latim squalus | Inglês whale 'baleia' | |
sl | *(s)leug- | engolir | Alemão schlucken | Irlandês antogo loingid 'comidas', grego antigo lúzein 'soluço', polonês łykać, połknąć 'engolido' |
sm | *(s)melo- | animal pequeno | Inglês small 'pequeno' | Irlandês míol 'animal', russo mályj 'pequeno', holandês maal 'bezerro' |
*(s)meld- | fundição | Holandês smelten | Inglês melt; grego antigo méldein | |
sn | *(s)neh₂- | nado | Sânscrito védico snā́ti, Irlandês antigo snáïd | Tocário B nāskeṃ 'lavar-se (pl)' |
*(s)nēg-o- | cobra | Inglês snake | Sânscrito nāga | |
sp | *(s)peik- | pica-pau, pega (ave) | Alemão Specht 'pica-pau' | Latim pica 'pega (ave)' |
*(s)per- | pardal | Inglês sparrow, grego antigo psár 'estorninho', polonês szpak 'estorninho' | Latim parra | |
*(s)plei- | dividir | Inglês split, splinter | Inglês flint 'pedra' | |
*(s)poi- | espuma | Latim spuma | Inglês foam, polonês piana | |
st | *(s)teh₂- | ficar em pé | Latim stare, inglês stand | Irlandês tá 'ser' |
*(s)twer- | redemoinho | Inglês storm 'tempestade' | Latim turba 'comoção' | |
*(s)ton- | trovão | Grego stenein | Inglês thunder, Latim tonare | |
sw | *(s)wagʰ- | ressoar | Inglês sough 'sopro (do vento)' | Grego antigo ēkhḗ 'som, eco' |
*(s)wendʰ- | diminuir, decair, murchar | Alemão schwinden 'decair, diminuir' | Russo vjánut′, uvjadát′ 'murchar', polonês więdnąć 'murchar' |
Um número de raízes iniciando em *sl-, *sm-, *sn- parecem ter um s-móvel, porém a evidência é inconclusiva, uma vez que diversas línguas (latim, grego e albanês) perderam um s- inicial antes de consoantes soantes (l, m, n) por meio de mudanças sonoras regulares. Exemplos incluem:
Raiz[2] | Significado | Reflexos com s- | Reflexos sem s- | |
---|---|---|---|---|
sl | *(s)leg- | frouxo, folgado | Inglês slack | Irlandês antigo lacc, grego antigo lagarós |
*(s)lei- | viscoso | Inglês slime 'lodo', irlandês sleamhuin ‘suave’, lituano sliẽnas, polonês ślimak ‘lesma’ | Latim limus ‘limo’, grego antigo leímax ‘lesma’ | |
sm | *(s)mek- | queixo | Hitita zama(n)gur, irlandês smeach, inglês antigo smǣras ‘lábios’, lituano smãkras, smakrà, sânscrito śmaśru | Latim māxilla, albanês mjekër, armênio mawrukʿ |
sn | *(s)neigʷh- | neve | Inglês snow, letão snìegs, russo sneg, avéstico snaēža-, sânscrito snéha | Latim nix, grego antigo nípha |
*(s)nus- | nora | Alemão Schnur,[4] islandês snör, tcheco snacha, persa suna, sânscrito snuṣā́ | Latim nurus, grego antigo nyós, armênio nu |
Notas
[editar | editar código-fonte]- ↑ Example from Andrew L. Sihler, New Comparative Grammar of Greek and Latin, OUP 1995, p.169.
- ↑ a b Watkins, Calvert (2000). The American Heritage Dictionary of Indo-European Roots. [S.l.]: Houghton Mifflin Harcourt. ISBN 0-618-08250-6
- ↑ Rix, Helmut; Kümmel, Martin; et al. (2001). Lexikon der indogermanischen Verben (em German) 2 ed. [S.l.]: Dr. Ludwig Reichert Verlag. ISBN 3-89500-219-4. OCLC 47295102
- ↑ Pfeifer, Wolfgang (1993). «›Schnur‹ in: Etymologisches Wörterbuch des Deutschen». Consultado em 31 de março de 2022
Referências
[editar | editar código-fonte]- Mark R.V. Southern, Sub-Grammatical Survival: Indo-European s-mobile and its Regeneration in Germanic, Journal of Indo-European Studies Monograph 34 (1999).
- Kenneth Shields (1996). «Indo-European s-mobile and Indo-European morphology» (PDF). Emérita. LXIV, 2: 249–254