Usuária:Pwoli/Testes/Soro antiofídico

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Soro antiofídico é um medicamento composto por anticorpos usado para tratar picadas de serpentes peçonhentas. É um produto biológico, obtido a partir do plasma hiperimunizados de animais, como cavalos ou ovelhas. Para tal, os animais são inoculados com múltiplas doses de venenos, a fim de criar uma ampla resposta imunológica que produz anticorpos neutralizantes contra vários componentes (toxinas). Está na lista de medicamentos essenciais da OMS.[1]

A administração de soros caracteriza uma imunização passiva, constituindo-se em tratamento antiveneno; portanto, não produz imunidade permanente e, no caso de outro acidente com veneno da mesma espécie de animal peçonhento, é necessário repetir o tratamento antiveneno.[2]

História[editar | editar código-fonte]

A descoberta da soroterapia por Emil von Behring e Shibasaburo Kitasato em 1890 influenciou diretamente a busca de outros processos semelhantes, incluindo a descoberta do soro antiofídico.

O início da terapia antiofídica é geralmente creditado ao médico francês Albert Calmette, em 1895, enquanto trabalhava no Instituto Pasteur da Indochina (que na época era colônia francesa).[3] Calmette desenvolveu um soro para tratar picadas de Naja naja. Na mesma época, Césaire Auguste Phisalix e Gabriel Bertrand também trabalharam em pesquisas sobre envenenamento ofídico, produzindo soro antiofídico no Museu de História Natural de Paris.[3][4]

A descoberta serviu de base para os estudos do médico sanitarista Vital Brazil, pioneiro na produção dos soros específicos contra venenos de animais peçonhentos e reconhecido mundialmente por suas descobertas.[5] Tanto Calmette como Phisalix e Bertrand acreditavam que o soro proposto seria eficiente para qualquer tipo de envenenamento por serpentes.[4] Todavia, em 1898, Vital Brazil demonstrou que a especificidade dos soros antiofídicos estava relacionada ao gênero das serpentes, o que foi um marco para as futuras pesquisas na área. [3][6]

Em 1901, Vital Brazil, como diretor do recém-fundado Instituto Butantan em São Paulo, desenvolveu os primeiros antivenenos monovalentes e polivalentes para os gêneros Crotalus e Bothrops, iniciando a produção e ampla distribuição de soros antiofídicos no Brasil.

Produção[editar | editar código-fonte]

Na primeira etapa do processo de produção de soros são necessárias as serpentes, para a obtenção dos venenos,[7] que serão usados para a hiperimunização de animais doadores, principalmente equinos e ovinos.[7][8] A hiperimunização pode ser feita com o veneno de espécies de um único gênero, dando origem a um soro monovalente, ou a mistura de venenos de espécies de gêneros diferentes, resultando em soros polivalentes.[7]

O animal doador é então inoculado com doses não letais do(s) veneno(s), a fim de se produzir uma resposta de anticorpos neutralizantes. Em seguida, em determinados intervalos, o sangue do animal doador é coletado.[9] Geralmente, o plasma de vários animais é combinado para produzir o plasma acabado, que posteriormente que será purificado para a obtenção do soro.[7]

Regulação[editar | editar código-fonte]

No Brasil, os soros antipeçonhentos são produzidos pelo Instituto Butantan (São Paulo), Fundação Ezequiel Dias (Minas Gerais) e Instituto Vital Brazil (Rio de Janeiro). Toda a produção é comprada pelo Ministério da Saúde, que distribui para todo o país por meio das Secretarias de Estado de Saúde.[10]

No Brasil, os soros hiperimunes são regulamentados pela Anvisa. http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/3233294/RDC_187_2017_.pdf/af6f9ea2-ff17-42ad-a147-0f3f14523250

Atualmente, muitos poucos países produzem venenos de cobra de qualidade adequada para a fabricação de antídotos, e muitos fabricantes contam com fontes comerciais comuns que nem sempre refletem adequadamente as variações geográficas dos venenos de algumas espécies amplamente distribuídas. Além disso, os países onde as picadas de cobra são um grande problema geralmente carecem de capacidade regulatória para controlar os antídotos e avaliar sua qualidade e adequação.[11]

Classificação[editar | editar código-fonte]

Monovalente vs. polivalente[editar | editar código-fonte]

Se o veneno hiperimunizante for obtido de uma única espécie, ele é considerado um soro antiofídico monovalente. Se o antiveneno contém anticorpos neutralizantes criados contra duas ou mais espécies de cobras, então a composição é considerada polivalente.

Composição de anticorpos[editar | editar código-fonte]

As composições do antiveneno podem ser classificadas como IgG inteira ou fragmentos de IgG.

Mecanismo de Ação[editar | editar código-fonte]

Os venenos ofídicos podem ser classificados de acordo com suas atividades fisiopatológicas, cujos efeitos são observados em nível local (região da picada) e sistêmico.[12]

Ação Veneno Efeitos
Inflamatória aguda Botrópico e laquético Lesão endotelial e necrose na região da picada

Liberação de mediadores inflamatórios

Coagulante Botrópico, laquético e crotálico Incoagulabilidade sanguínea
Hemorrágica Botrópico, laquético Sangramentos na região da picada (equimose) e a distância (gengivorragia, hematúria etc.)
Neurotóxica Crotálico e elapídico Bloqueio da junção neuromuscular (paralisia de grupos musculares)
Miotóxica Crotálico Rabdomiólise (mialgia generalizada, mioglobinúria)
“Neurotóxica” vagal Laquético Estimulação colinérgica (vômitos, dor abdominal, diarréia, hipotensão, choque)

Propriedades de neutralização cruzada[editar | editar código-fonte]

Os antivenenos também podem apresentar alguma neutralização cruzada contra uma variedade de venenos de serpentes que não são utilizados durante o processo de imunização é relativamente comum,[13] principalmente serpentes da mesma família ou gênero.[14] Entretanto, em determinadas situações, a neutralização cruzada é baixa ou até mesmo inexistente.[13]

Famílias de serpentes peçonhentas[editar | editar código-fonte]

Família Descrição
Atractaspididae
Colubridae
Elapidae
Viperidae

No Brasil[editar | editar código-fonte]

[15]

Soro antiofídico Gêneros Nomes populares Ação do veneno Sintomas da picada
Anti-botrópico Bothrops e Bothrocophias Jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca, comboia
  • dor e edema precoce e progressivo
  • sangramentos no local da mordida
  • hemorragias à distância (gengiva, urina, etc)
  • hemorragia em regiões vitais, infecção e necrose local
  • insuficiência renal
Anti-crotálico Crotalus Cascavel
  • dor, eritema, edema, e parestesia local ou regional
  • mal-estar, prostração, sudorese, náuseas, vômitos,
  • sonolência ou inquietação, ptose palpebral,
  • cefaleia, sensação de boca seca.
  • menos frequentemente, paralisia velopalatina
  • insuficiência renal aguda.
Anti-laquético Lachesis Surucucu-pico-de-jaca
  • Inflamatória aguda
  • Coagulante
  • “Neurotóxica” vagal
  • manifestações semelhantes ao acidente por jararaca
  • hipotensão arterial
  • tonturas
  • escurecimento da vista
  • bradicardia
  • dores abdominais
  • diarreia
Anti-elapídico Micrurus e Leptomicrurus Coral-verdadeira
  • leve dor local
  • fraqueza muscular progressiva
  • vômitos, visão borrada ou dupla
  • ptose, oftalmoplegia e a presença de fácies miastênica
  • mialgia localizada ou generalizada
  • dificuldade para se manter na posição ereta
  • dificuldade de deglutição (com paralisia do palato mole)
  • óbitos estão relacionados à paralisia dos músculos respiratórios

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. WHO model list of essential medicines (PDF) 21 ed. Geneva: World Health Organization. 2019. p. 43 
  2. «Manual de Normas e Procedimentos para Vacinação» (PDF). Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde. 2014: 140–142. ISBN 978-85-334-2164-6 
  3. a b c Bochner, Rosany (8 de junho de 2016). «Paths to the discovery of antivenom serotherapy in France». The Journal of Venomous Animals and Toxins Including Tropical Diseases. ISSN 1678-9199. PMC 4898362Acessível livremente. PMID 27279829. doi:10.1186/s40409-016-0074-7. Consultado em 15 de outubro de 2020 
  4. a b da Cunha, Luis Eduardo Ribeiro (2017). «Soros antiofídicos: história, evolução e futuro». Journal Health NPEPS. 2 (1): 1–4. ISSN 2526-1010 
  5. «Vital Brazil: 150 anos | História, Ciências, Saúde – Manguinhos». Consultado em 15 de outubro de 2020 
  6. Vaz, V. H. da S.; Brazil, O. A. V.; Paixão, A. E. A. (setembro de 2020). «Propriedade intelectual do soro antiofídico: a efetividade a partir da correlação entre os investimentos do governo federal nos principais institutos responsáveis pela produção do soro e realização de pesquisas para o tratamento de acidentes ofídicos no brasil, com relação ao número de vítimas fatais dos acidentes». Cadernos Saúde Coletiva (3): 409–421. ISSN 1414-462X. doi:10.1590/1414-462x202028030018. Consultado em 15 de outubro de 2020 
  7. a b c d Silva, Filipe Soares Quirino (2008). «Avaliação da pureza de soros antiofídicos Brasileiros e Desenvolvimento de nova metodologia para essa finalidade» (PDF). Rio de Janeiro: INCQS/FIOCRUZ 
  8. Luiz, Marcos Barros (2014). «Produção e caracterização parcial de nanocorpos ativos contra Crotoxina: uma neurotoxina da serpente Crotalus durissus terrificus (PDF). Programa de Pós-Graduação em Biologia Experimental. Porto Velho: Fundação Universidade Federal de Rondônia (Dissertação de Mestrado) 
  9. World Health Organization; WHO Expert Committee on Biological Standardization (2017). Guidelines for the production, control and regulation of snake antivenom immunoglobulins (PDF) (em inglês). Geneva, Suíça: Organização Mundial da Saúde. ISBN 9789240696457. ISSN 0512-3054. OCLC 1055048584 
  10. «Hospital Vital Brazil». butantan.gov.br. Consultado em 15 de outubro de 2020 
  11. «Mordeduras de serpientes venenosas». www.who.int (em espanhol). Consultado em 15 de outubro de 2020 
  12. «CAPÍTULO 5 – Acidentes por Animais Peçonhentos | MedicinaNET». www.medicinanet.com.br. Consultado em 15 de outubro de 2020 
  13. a b Noronha, Maria das Dores Nogueira (2008). «Eficácia dos soros antiofídicos de uso veterinário na neutralização das atividades biológicas dos venenos de Bothrops atrox (Linnaeus, 1758) e Crotalus durissus ruruima (Hoge, 1965)» (PDF). Universidade do Estado do Amazonas 
  14. Sánchez, Elda E; Galán, Jacob A; Perez, John C; Rodrı́guez-Acosta, Alexis; Chase, Peter B; Pérez, John C (1 de março de 2003). «The efficacy of two antivenoms against the venom of North American snakes». Toxicon (em inglês) (3): 357–365. ISSN 0041-0101. doi:10.1016/S0041-0101(02)00330-6. Consultado em 15 de outubro de 2020 
  15. «Acidentes por animais peçonhentos: o que fazer e como evitar». antigo.saude.gov.br. Ministério da Saúde. Consultado em 15 de outubro de 2020 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]