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Rosely Roth (São Paulo, 21 de agosto de 1959 – São Paulo, 27 de agosto de 1990) foi uma ativista brasileira do movimento LGBTQ. Por seu ativismo nos anos de 1981 a 1990, ela é considerada uma pioneira notável do movimento LGBTQ brasileiro. Rosely Roth foi fundamental para aumentar a visibilidade da luta das mulheres lésbicas no Brasil, primeiramente através da o Levante do Ferro's Bar no centro de São Paulo em 19 de agosto de 1983, que Roth co-iniciou. Em segundo lugar por sua participação no programa da Hebe no dia 25 de maio de 1985.

Desde pelo menos 2003, 19 de agosto, o dia do protesto das ativistas lésbicas em frente do Ferro's Bar, tem sido celebrado no Brasil como o Dia do Orgulho Lésbico, também comemorando Rosely Roth e sua luta pelos direitos da mulher lésbica.

Vida[editar | editar código-fonte]

Juventude e educação em São Paulo[editar | editar código-fonte]

Rosely Roth nasceu em 1959, uma das duas filhas de uma família judaica de classe média em São Paulo. O pai de Roth, Estévão (István) Roth (1927-1991), era descendente de judeus húngaros, sua mãe Maria Schwartz Roth (1935-1972) era descendente de judeus bessarabianos. Ela morreu morreu de câncer quando Roth ainda era criança[1].

Rosely Roth freqüentou a escola primária judaica Scholem Alechem no bairro Bom Retiro (1965 a 1972), que foi fundada por comunistas judeus que haviam fugido da Europa. A escola era considerada muito liberal e progressista pedagogicamente e representava um espaço livre em São Paulo, no contexto da ditadura militar autoritária do Brasil da época. Em 1973, ela continuou no Colégio Hebraico Brasileiro Renascença por um ano, depois na Escola Vocacional Luís Antônio Machado. De 1975 a 1977 ela freqüentou o Colégio Equipe, onde também completou seus estudos escolares. O Colégio Equipe era uma instituição não judaica com uma reputação liberal e progressista. Diz-se, portanto, que o Colégio esteve sob observação atenta da ditadura militar, e o Colégio teve que lutar contra a repressão do Estado.

Após sua formação escolar, Roth estudou filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (até 1981). Mais tarde, ela concluiu uma pós-graduação em antropologia em 1985/86, com foco na sexualidade feminina e homossexualidade. Na tese final de sua pós-graduação, Roth abordou tematicamente as experiências de vida das mulheres lésbicas em São Paulo, a tese intitula-se "Vivências Lésbicas - Investigação acerca das vivências e dos estilos de vida das mulheres lésbicas a partir da análise dos bares freqüentados predominantemente por elas" e "Mulheres e Sexualidades". [2]

Compromisso com os direitos das mulheres lésbicas e fundação da GALF[editar | editar código-fonte]

Já no decorrer de seus primeiros estudos, ou seja, a partir de 1980, Roth começou a ser ativa e a lutar pelos direitos das mulheres lésbicas. Por pouco tempo ela foi membro do Grupo Lésbico Feminista e SOS Mulher. Devido à exclusão homofóbica por parte do movimento feminino brasileiro, mas também ao domínio masculino no movimento homossexual e à falta de atenção às questões lésbicas, ela fundou o Grupo Ação Lésbica-Feminista (GALF) em São Paulo, em 1981, junto com Miriam Martinho. A adição "lésbico-feminista" foi deliberadamente escolhida pelas fundadoras para se referir à dupla discriminação contra as mulheres lésbicas[3].[4]

Roth, junto com Martinho, desempenhou um papel de liderança no GALF, organizando debates e discussões políticas tanto com ativistas de outros movimentos sociais quanto, por exemplo, com deputados parlamentares. A GALF publicava uma revista trimestral chamada ChanacomChana, destinada exclusivamente às mulheres lésbicas no Brasil. O conteúdo da revista consistiu principalmente em longos artigos sobre eventos feministas lésbicas, os objetivos e a agenda do movimento feminista lésbico, descrições das experiências de vida e sexualidade das mulheres lésbicas, e legislação sobre os direitos das mulheres lésbicas. [4] ChanacomChana era a única revista lésbica no Brasil na época e - embora ilegal por seu conteúdo "imoral" e impressa apenas em pequenos números (200 a 500 exemplares) - espalhada fora dos círculos lésbicos de São Paulo em todo o Brasil[5]. Entre 1982 e 1987, 12 números regulares da revista foram publicados, com a maioria dos artigos vindos de Martinho e Roth[4].

Levante do Ferro's Bar (1983)[editar | editar código-fonte]

A partir de 1967, muitas mulheres lésbicas em São Paulo, incluindo mais tarde ativistas da GALF, se encontraram no Ferro's Bar, na Rua Martinho Prado, 119, no bairro do Bixiga, no centro de São Paulo. O bar, que existia desde 1961, tinha sido um local de encontro para uma variedade de círculos alternativos da cidade. Antes do golpe militar, dizia-se que as reuniões comunistas se realizavam ali regularmente[6][7] Embora o proprietário e seu pessoal não fossem solidários com as lésbicas que ali se reuniam, eles se reuniam pelo menos semanalmente no bar, com confrontos regulares entre o proprietário e os ativistas.

Na noite de 23 de julho de 1983, o conflito reacendeu-se quando o proprietário do bar se recusou a permitir que as ativistas, ou seja, clientes regulares, entrassem no bar. O proprietário justificou isto dizendo que queria impedir a venda de sua revista ChanacomChana e chamou a polícia para fazer isso. Entretanto, ao contrário das expectativas do proprietário, os policiais que foram chamados decidiram ouvi-lo, mas também às mulheres, e depois decidiram apontar ao proprietário os direitos que se aplicam a todos, para que ele cedesse e permitisse a entrada das mulheres, e a polícia deixou o local. As ativistas tinham sentido que seus direitos eram limitados, pois a venda de pequenas mercadorias e revistas era geralmente comum em bares e lanchonetes em São Paulo. Na opinião delas, não cabia ao proprietário proibir a venda da revista e, por sua vez, justificar a recusa de entrada. As ativistas, liderados por Rosely Roth, decidiram usar o incidente como uma oportunidade para uma manifestação política e naquela mesma noite planejaram levanto o bar a fim de chamar a atenção para a luta e as exigências políticas das lésbicas [8].

A GALF e com ela Rosely Roth organizaram seu protesto em 19 de agosto de 1983 em frente ao Ferro's Bar. As mulheres haviam reunido inúmeros camaradas de luta para o protesto, incluindo amigos artistas, ativistas da comunidade LGBTQ, advogados da Ordem dos Advogados, intelectuais de renome, assim como três representantes políticos, nomeadamente a deputada estadual Ruth Escobar (PMDB), a vereadora Irede Cardoso (PT) e o deputado federal Eduardo Suplicy (PT). Durante o protesto, as ativistas conseguiram convencer o proprietário de suas preocupações, que então lhes permitiu entrar e lhes pediu desculpas. Depois de ganhar a entrada, diz-se que Roth subiu em uma mesa e gritou: "Ele só voltou atrás por causa da nossa força, da nossa união". A democracia nesse bar depende de nós".

Esse protesto no bar, freqüentemente referido como "Levante do Ferro's Bar", foi o primeiro protesto lésbico brasileiro, tornando-o histórico e pioneiro na luta pelos direitos das mulheres lésbicas no Brasil. A cobertura da mídia do evento, incluindo uma extensa reportagem com um tom de apoio à causa na Folha de São Paulo (intitulada "A noite em que as lésbicas invadidram seu próprio bar"), deu à causa da mulher demonstrando grande visibilidade pela primeira vez em São Paulo e além. [9][11] Embora significativamente menor, mais curta e não-violenta em sua forma de protesto, a ocupação do Ferro's Bar é às vezes referida como a "Brazilian Stonewall" ou a "Brazilian lesbian Stonewall" devido ao seu significado histórico para o movimento LGBTQ brasileiro[5][6] O Ferro's Bar continuou sendo o local regular dos ativistas após o protesto, e diz-se que o proprietário também apoiou financeiramente a revista da GALF com pequenos anúncios.

Desde 2003, a comunidade LGBTQ brasileira comemora o 19 de agosto o Dia do Orgulho Lésbico Nacional. Em junho de 2008, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo oficializou o dia commemorativo.[2][9].

Programa da Hebe em 1985[editar | editar código-fonte]

Roth e a GALF ganharam notoriedade crescente por meio da cobertura, na esteira do protesto. Hebe Camargo, apresentadora conhecida do programa "Hebe" no canal de TV Bandeirantes, convidou Rosely Roth para participar na sua talk show, que foi transmitido ao vivo em 25 de maio de 1985 e tratou do tema "homossexualidade feminina". Além de Roth, três outros participantes foram convidados para a discussão: Um psicoterapeuta chamado Ronaldo Pamplona da Costa, a atriz Marília Gabriela, e uma mulher chamada Maria Amélia, funcionária pública e mãe de uma filha que havia saído recentemente como lésbica. A fala da Roth no programa, segundo fontes, foi "calma" e sua defesa dos direitos da mulher lésbica no Brasil "convincente"[8][12] Ela disse literalmente no programa, que foi transmitido em todo o Brasil: "Somos um grupo pequeno, mas a gente existe; a repressão que sofremos, o policiamento, é o que nos faz ma"[13], assim como, "A gente tá tentando aliviar as mulheres da culpa, vergonha, e dos conceitos que fazem mal e atrapalham a vida da gente, não é nossa sexualidade mas a repressão que nós sofremos."[14].

A transmissão é considerada histórica no Brasil; a questão dos direitos da mulher lésbica ganhou visibilidade e cobertura acompanhante em todo o país. Roth também havia mencionado o endereço postal de sua iniciativa feminista lésbica na transmissão, que ganhou numerosos camaradas de luta, maior visibilidade e, como resultado, seus leitores de revista. Além disso, diz-se que o aparecimento de Roth foi um ímpeto para a fundação de novas iniciativas lésbicas no país. Para muitas jovens brasileiras, o tema do lesbianismo se tornou visível e discutível pela primeira vez graças a emissão, também graças à mãe que participou no programa, que se diz ter representado a posição de uma mãe brasileira típica e conservadora de forma particularmente realista com suas declarações[8].

Embora o regime militar brasileiro já estivesse em uma fase de "abertura política" em meados dos anos 80 e assim se aproximando de seu fim, o programa causou conflitos entre a estação e a autoridade de censura estatal (veja Censura na ditadura militar brasileira). Dráusio Dornelles Coelho, chefe do serviço de censura do Estado de São Paulo, ameaçou os responsáveis da emissão por um alegado "incitamento e incitação à homossexualidade" se nenhuma ação fosse tomada. Segundo relatos, o funionário ameçou que futuras edições teriam que, invez de serem transmitidos ao vivo, ser gravanas e obter a necessária autorização da autoridade de censura [5].

Um ano depois, em 20 de abril de 1986[2], Roth foi novamente um convidado do Programa da Hebe, novamente usando a oportunidade para promover a GALF e sua revista ChanacomChana[12].

Com o fim do regime militar no Brasil, os atores estatais e sociais do país começaram a rever ou renovar a constituição do país. No decorrer disso, Rosely Roth também se envolveu e, juntamente com outros camaradas de luta, elaborou propostas para a Assembléia Constituinte. Isto resultou na proposta legal de 1987 sobre o direito à livre expressão da própria sexualidade[13][16].

Morte[editar | editar código-fonte]

Através dos dois eventos referido, o Levante do Ferro's Bar em 1983 e a sua participação no programa da de Hebe Camargo 1985, Roth foi fundamental para dar visibilidade à luta pelos direitos das lésbicas no Brasil. Ela mesma foi considerada uma das lésbicas mais famosas do Brasil na época, se não a mais famosa. Na edição da primavera de 1990 da revista lésbica Um Outro Olhar, sua companheira de campanha e co-fundadora da GALF Miriam Martin descreveu como Rosely Roth era percebida na época:

   "Embora publicamente reconhecida como lésbicca, nunca foi objeto de qualquer abordam agressiva da parte de populares ou de outras pessoas que a conheciam. Pelo contrário, quem a via nas ruas, trazia palavras de admiração e encorajamento. Por incrível que pareça, os únicos senões a sua atuação vieram de algumas poucas lésbicas, desacostumadas a encarar a própria vivência com a naturalidade devida".

- Miriam Martinho: editorial da edição 12 da revista Um Outro Olhar, primavera de 1990[17].

Nos últimos anos de sua vida, diz-se que Rosely Roth passou por graves crises emocionais. Em 28 de agosto de 1990, Roth terminou sua vida por suicídio aos 31 anos de idade.

Até hoje, em 19 de agosto, Dia do Orgulho Lésbico, não apenas a ocupação do Bar Ferro, mas também a própria Rosely Roth é homenageada e sua luta pelos direitos da mulher lésbica no Brasil é comemorada.