Vacância por incapacidade moral no Peru

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A vacância da Presidência da República do Peru por declaração de incapacidade moral permanente é um dos casos de vacância do chefe de Estado contemplado no Artigo 113 da Constituição Política do Peru de 1993, cuja origem remonta à Constituição de 1839.​[1]

O processo difere de uma destituição ou impeachment (contemplado no Artigo 99 da Constituição apenas para as infrações previstas no Artigo 117), pois ocorre a partir de uma declaração do Congresso da República, que, se aprovada, origina um vácuo de poder, pelo qual procede-se à sucessão legal. A referida declaração de incapacidade moral, regulamentada como Controle Político no Regimento do Congresso da República, é considerada pela doutrina constitucional peruana como uma julgamento político sui generis.[2]

Processo[editar | editar código-fonte]

A declaração de incapacidade moral permanente do Presidente da República compete ao Congresso da República, para o qual é realizado o seguinte procedimento estabelecido no Regulamento do Congresso:

«Artigo 89-A. O procedimento para requerer a vacância da Presidência da República, pela causa prevista no inciso 2 do artigo 113 da Constituição, rege-se pelas seguintes regras:

a) O pedido de vacância é formulado mediante moção da ordem do dia, assinada por, no mínimo, vinte por cento do número legal de congressistas, especificando os fundamentos de facto e de direito em que se baseia, bem como os documentos que o comprovam ou, na sua falta, a indicação do local onde se encontram os referidos documentos. Tem preferência na ordem do dia e é observada antes de qualquer outra moção pendente na agenda. Recebido o pedido, é enviada cópia do mesmo, com a maior brevidade possível, ao Presidente da República.

b) Para a admissão do pedido de vacância, requer-se o voto de pelo menos quarenta por cento dos congressistas competentes. A votação é realizada inevitavelmente na sessão seguinte àquela em que a moção foi apresentada.

c) O Plenário do Congresso fixa dia e hora para o debate e a votação do pedido de vacância, sessão que não pode ser realizada antes do terceiro dia seguinte ao da votação da admissão do pedido ou após o décimo, salvo que quatro quintos do número legal de congressistas concordem com um prazo mais curto ou com seu debate e votação imediatos. Se necessário, é convocada sessão especial para esse fim. O Presidente da República cuja vacância seja objeto do pedido poderá exercer o seu direito de defesa pessoalmente ou fazer-se assistir por advogado, até sessenta minutos.

d) O acordo que declare a vacância da Presidência da República, pelas razões previstas no inciso 2 do artigo 113 da Constituição, requer uma votação qualificada não inferior a 2/3 do número legal de membros do Congresso e consta na Resolução do Congresso.

e) A resolução declarando a vacância é publicada no diário oficial dentro de vinte e quatro horas após o recebimento da transmissão enviada pelo Congresso. Na falta disso, o Presidente do Congresso ordena que seja publicado num dos jornais de maior circulação nacional, sem prejuízo das responsabilidades que daí advenham.

f) A resolução que declara a vacância vigora a partir do momento em que for comunicada ao Presidente do Conselho de Ministros ou seja feita a sua publicação, consoante o que ocorrer primeiro."».
— Regulamento do Congresso.[3]

Cabe mencionar que até 2004 não havia um procedimento que estabelecesse claramente a forma de aplicação do artigo constitucional correspondente, razão pela qual o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 0006-2003-AI/TC[4] estabeleceu como critério que a destituição do presidente da República só deveria ser aprovada com uma votação qualificada de pelo menos dois terços do número legal de congressistas, instando o Congresso a legislar sobre o assunto para preencher o vácuo legal até então existente.[5] Em resposta a isso, por meio da Resolução Legislativa do Congresso n.º 030-2003-CR, foi introduzido o artigo 89-A no Regimento do Congresso.

Usos[editar | editar código-fonte]

Data Foto Presidente Resultado Detalhes
23 de junho de 1823 José de la Riva Agüero Vacância presidencial Em junho, reuniram-se 38 dos 69 deputados e, com 27 votos a favor, foi aprovada a "exoneração do comando supremo". Alegou-se que as derrotas sofridas nos combates nos meses anteriores demostraram que Riva Agüero não estava apto para liderar o país.
4 de fevereiro de 1914 Guillermo Billinghurst Vacância presidencial Desde o final de 1913, Billinghurst planejava a dissolução do Congresso; paralelamente, os parlamentares concordaram em declarar a incapacidade moral para reger os destinos do Peru em um manifesto à nação. No entanto, o golpe de Estado de Óscar Benavides removeu Billinghurst do poder, posteriormente o Congresso publicou o manifesto declarando a vacância e aceitou a formação de uma Junta de Governo.
9 de abril de 1992 Alberto Fujimori Vacância presidencial não reconhecida pelas Forças Armadas. Após o autogolpe de 5 de abril de 1992, no dia 9 de abril de 1992, o Congresso dissolvido inconstitucionalmente por Fujimori reuniu-se na casa da deputada pelo Partido Popular Cristão Lourdes Flores Nano (99 deputados e 36 senadores) e declarou a incapacidade moral permanente de Alberto Fujimori e com ela a vacância da Presidência da República.[6]
21 de novembro de 2000 Alberto Fujimori Vacância presidencial Vacância presidencial contra Alberto Fujimori

Em 14 de setembro de 2000, foi divulgado um vídeo mostrando Montesinos subornando membros de outros partidos para apoiar Fujimori. Dois dias depois, e após o surgimento de novos vídeos, Alberto Fujimori convocou eleições parlamentares e presidenciais nas quais não participaria. Em 19 de novembro, Fujimori renunciou ao cargo via fax do Japão. No entanto, em 21 de novembro, o Congresso não aceitou sua renúncia e procedeu à sua destituição por incapacidade moral.

21 de dezembro de 2017 Pedro Pablo Kuczynski Vacância presidencial não é declarada Primeiro processo de vacância presidencial contra Pedro Pablo Kuczynski

Suspeitas de atos de corrupção supostamente cometidos por Kuczynski quando era ministro (2004-2006)

22 de março de 2018 Pedro Pablo Kuczynski Antes da votação da vacância presidencial, o presidente renuncia. Segundo processo de vacância presidencial contra Pedro Pablo Kuczynski

Após o escândalo dos Kenjivideos, o presidente Kuczynski renunciou à Presidência da República antes que o Congresso procedesse à votação da vacância presidencial.[7][8]

18 de setembro de 2020 Martín Vizcarra Vacância presidencial não é declarada Primeiro processo de vacância presidencial contra Martín Vizcarra

Teria enganado e obstruído as investigações no Congresso e nos tribunais criminais.[9]

9 de novembro de 2020 Martín Vizcarra Vacância presidencial Segundo processo de vacância presidencial contra Martín Vizcarra

A moção argumentava que Vizcarra teria "de maneira reiterada e permanente faltado com a verdade ao país" sobre supostos atos de corrupção cometidos quando era governador regional de Moquegua.[10][11]

25 de novembro de 2021 Pedro Castillo Não procede-se a admissão ao debate da vacância presidencial Primeiro processo de vacância presidencial contra Pedro Castillo

Por nomear personalidades questionáveis e estar envolvido em atos de corrupção.[12][13]

8 de março de 2022 Pedro Castillo Vacância presidencial não é declarada Segundo processo de vacância presidencial contra Pedro Castillo

Pelas contradições e supostas mentiras nas investigações fiscais, pelas alegadas promoções irregulares nas Forças Armadas e a adjudicação do projeto Puente Tarata a uma empresa ligada ao lobista Karelim López.[14]

7 de dezembro de 2022 Pedro Castillo Vacância presidencial Terceiro processo de vacância presidencial contra Pedro Castillo

Devido aos indícios de corrupção e aos autos fiscais que o acusam de ser líder de uma organização criminosa, tráfico de influência e conluio.[15] Adicionalmente, poucas horas antes de Castillo ir ao Congresso para sua defesa, anunciou ilegalmente[16] a dissolução do Congresso e outras medidas inconstitucionais; ação que fez com que o Congresso votasse a favor da vacância. Por fim, Castillo foi preso por tentativa de violação da ordem constitucional.[17]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Aguila, Lionel Bardales-del (20 de janeiro de 2022). «Análisis interpretativo sobre la vacancia presidencial por incapacidad moral en el Perú». Revista Científica Ratio Iure (em espanhol). 2 (1): e276–e276. ISSN 2810-8159. doi:10.51252/rcri.v2i1.276. Consultado em 3 de dezembro de 2022 
  2. García Belaunde (2018). El juicio político en la encrucijada. Vacancia y renuncia presidencial en el Perú. (em inglês). [S.l.: s.n.] 
  3. congreso.gob.pe (2014). congreso.gob.pe, ed. «Reglamento del Congreso de la República» (PDF) 
  4. tc.gob.pe. «Sentencia del Tribunal Constitucional N° 0006-2003-AI/TC» 
  5. García Chávarri Abraham. «La incapacidad moral como causal de vacancia presidencial en el sistema constitucional peruano» 
  6. «135 diputados peruanos eligen en la clandestinidad a un nuevo presidente». Diario El País. 10 de abril de 1992 
  7. «Suscripciones Digitales». Gestión (em espanhol) 
  8. «El Congreso de Perú debate la aceptación de la renuncia del presidente Pedro Pablo Kuczynski». BBC News Mundo (em espanhol). Consultado em 25 de março de 2022 
  9. «Moción de Vacancia» (PDF) 
  10. «El Congreso de Perú destituye al presidente Vizcarra». BBC News Mundo (em espanhol). Consultado em 25 de março de 2022 
  11. «Diario Oficial El Peruano» 
  12. «Moción de vacancia presidencial contra Pedro Castillo: cómo es el procedimiento y qué podría pasar». Diario AS (em espanhol). 27 de novembro de 2021. Consultado em 3 de dezembro de 2022 
  13. Línea, Bloomberg (25 de novembro de 2021). «Congreso de Perú presenta oficialmente moción de vacancia contra Pedro Castillo». Bloomberg Línea (em espanhol). Consultado em 3 de dezembro de 2022 
  14. GESTIÓN, NOTICIAS (14 de março de 2022). «Vacancia presidencial Pedro Castillo: Congreso admitió a debate moción que plantea su destitución Karelim López Bruno Pacheco RMMN | PERU». Gestión (em espanhol). Consultado em 3 de dezembro de 2022 
  15. GrupoRPP (1 de dezembro de 2022). «Congreso aprobó admitir a debate la moción de vacancia presidencial contra Pedro Castillo». RPP (em espanhol). Consultado em 3 de dezembro de 2022 
  16. GrupoRPP (7 de dezembro de 2022). «Golpe de Estado: Pedro Castillo anuncia disolución del Congreso e instaura un "gobierno de excepción"». RPP (em espanhol). Consultado em 7 de dezembro de 2022 
  17. «Pedro Castillo fue detenido y trasladado a la sede de la Prefectura tras autogolpe». infobae (em espanhol). 7 de dezembro de 2022