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Camuflagem disruptiva: diferenças entre revisões

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Esse tipo de camuflagem atraiu a atenção de artistas como [[Pablo Picasso|Picasso]], que alegou que [[Cubismo|cubistas]], como ele, a haviam inventado.<ref name="Campbell-Johnson, Rachel">{{Citar web|url=https://www.thetimes.co.uk/article/camouflage-at-iwm-m2s33mczftx|titulo=Camouflage at IWM|data=2007|acessodata=2020-03-20|publicado=The Times|ultimo=Campbell-Johnson|primeiro=Rachel|wayb=20190403023007}}</ref> Edward Wadsworth, que supervisionou a camuflagem de mais de dois mil navios durante a Primeira Guerra Mundial, pintou uma série de telas de navios {{Efn|Por exemplo, ''Dazzle-ships in Drydock at Liverpool'', 1919.}}<ref>{{citar livro|título=The Grove Encyclopedia of American Art|ultimo=Marter|primeiro=Joan M.|editora=Oxford University Press|ano=2011|volume=1|local=|página=401|páginas=|oclc=838043104}}</ref><ref>{{citar livro|título=Contested Objects: Material Memories of the Great War|ultimo=Black|primeiro=Jonathan|editora=Routledge|ano=2014|editor-sobrenome=Saunders|editor-nome=Nicholas J.|local=|página=|páginas=190–202|capitulo=A few broad stripes: Perception, Deception, and the 'Dazzle Ship' phenomenon of the First World War."|editor-sobrenome2=Cornish|editor-nome2=Paul}}</ref><ref>{{citar livro|título=Submarine and Anti-Submarine|ultimo=Newbolt|primeiro=Henry John|editora=Longmans, Green and Co.|ano=1919|local=Nova Iorque|página=46|páginas=|oclc=608689746}}</ref><ref>{{citar livro|título=Culture in Camouflage: War, Empire, and Modern British Literature|ultimo=Deer|primeiro=Patrick|editora=Oxford University Press|ano=2009|local=Oxford|página=46|páginas=|oclc=940499206}}</ref> com base em sua trabalho durante o confronto. [[Arthur Lismer]] também pintou uma série de telas de navios do mesmo tipo.
Esse tipo de camuflagem atraiu a atenção de artistas como [[Pablo Picasso|Picasso]], que alegou que [[Cubismo|cubistas]], como ele, a haviam inventado.<ref name="Campbell-Johnson, Rachel">{{Citar web|url=https://www.thetimes.co.uk/article/camouflage-at-iwm-m2s33mczftx|titulo=Camouflage at IWM|data=2007|acessodata=2020-03-20|publicado=The Times|ultimo=Campbell-Johnson|primeiro=Rachel|wayb=20190403023007}}</ref> Edward Wadsworth, que supervisionou a camuflagem de mais de dois mil navios durante a Primeira Guerra Mundial, pintou uma série de telas de navios {{Efn|Por exemplo, ''Dazzle-ships in Drydock at Liverpool'', 1919.}}<ref>{{citar livro|título=The Grove Encyclopedia of American Art|ultimo=Marter|primeiro=Joan M.|editora=Oxford University Press|ano=2011|volume=1|local=|página=401|páginas=|oclc=838043104}}</ref><ref>{{citar livro|título=Contested Objects: Material Memories of the Great War|ultimo=Black|primeiro=Jonathan|editora=Routledge|ano=2014|editor-sobrenome=Saunders|editor-nome=Nicholas J.|local=|página=|páginas=190–202|capitulo=A few broad stripes: Perception, Deception, and the 'Dazzle Ship' phenomenon of the First World War."|editor-sobrenome2=Cornish|editor-nome2=Paul}}</ref><ref>{{citar livro|título=Submarine and Anti-Submarine|ultimo=Newbolt|primeiro=Henry John|editora=Longmans, Green and Co.|ano=1919|local=Nova Iorque|página=46|páginas=|oclc=608689746}}</ref><ref>{{citar livro|título=Culture in Camouflage: War, Empire, and Modern British Literature|ultimo=Deer|primeiro=Patrick|editora=Oxford University Press|ano=2009|local=Oxford|página=46|páginas=|oclc=940499206}}</ref> com base em sua trabalho durante o confronto. [[Arthur Lismer]] também pintou uma série de telas de navios do mesmo tipo.

== Finalidades pretendidas ==
À primeira vista, o padrão disruptivo parece uma forma improvável de [[camuflagem]], chamando a atenção para o navio em vez de escondê-lo. A abordagem foi desenvolvida depois que as marinhas aliadas não conseguiram desenvolver meios eficazes de ocultar navios em todas as condições climáticas. O [[Zoologia|zoólogo]] britânico John Graham Kerr propôs a aplicação desse padrão disruptivo a navios de guerra britânicos na [[Primeira Guerra Mundial]], descrevendo o princípio em uma carta a [[Winston Churchill]] em 1914. Nela, ele explicou que o objetivo seria confundir, não ocultar, dificultando a identificação dos contornos de um navio. Kerr comparou o efeito ao criado por animais terrestres como a [[girafa]], a [[zebra]] e a [[Panthera onca|onça pintada]].<ref name="Murphy">{{Citar periódico|titulo=The Dazzling Zoologist: John Graham Kerr and the Early Development of Ship Camouflage|url=http://www.cnrs-scrn.org/northern_mariner/vol19/tnm_19_171-192.pdf|jornal=[[The Northern Mariner]]|volume=XIX|páginas=171–192}}</ref><ref name="Forbes87">Forbes, 2009. pp. 87–89</ref>
[[Ficheiro:Coincidence_rangefinder_(Warships_To-day,_1936).jpg|ligação=https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Coincidence_rangefinder_(Warships_To-day,_1936).jpg|esquerda|miniaturadaimagem|Imagem de um navio de guerra em um [[telêmetro]] naval, com as metades da imagem ainda não ajustadas para o alcance. Os mastros do alvo são especialmente úteis para a busca do ajuste, e Kerr propôs camufla-los com faixas brancas. <ref name="Forbes87" />]]
Seguindo o exemplo da zebra, Kerr propôs que as linhas verticais dos mastros dos navios fossem pintadas com faixas brancas irregulares. Escondê-los tornaria os navios menos notáveis e "aumentaria muito a dificuldade de encontrar um alcance preciso".<ref name="Forbes87" />{{Efn|Kerr pensou isso porque os mastros fornecem linhas verticais, ideais para o alinhamento.}}

Na mesma carta Kerr também referiu-se ao contra-sombreamento, o uso de tinta para eliminar o auto-sombreamento e, assim, achatar a aparência de formas sólidas e reconhecíveis. Por exemplo, ele propôs pintar as armas dos navios em cinza, na parte de cima, que gradualmente se transformaria em branco, na parte de baixo. Isso faria com que as armas desaparecessem contra um fundo cinza.

Da mesma forma, ele aconselhou pintar de branco as partes sombreadas do navio, e colorir com cinza as partes iluminadas, novamente com um degradê suave entre elas, tornando formas e estruturas de difícil compreensão.

Kerr esperava, assim, alcançar uma medida de invisibilidade parcialmente eficaz, e um grau importante de confusão no inimigo usando um telêmetro. Seja por essa mistura de objetivos ou pelo ceticismo do Almirantado sobre "qualquer teoria baseada na analogia dos animais", o Almirantado afirmou em julho de 1915 ter realizado "várias tentativas" e decidiu pintar seus navios em cinza monótono, não adotando qualquer sugestão de Kerr. O zoólogo enviou outras cartas, mas a decisão fora tomada e elas não alcançaram resultados.

O artista americano [[Abbott Handerson Thayer]] havia desenvolvido uma teoria da camuflagem baseada na contra-sombra e na coloração perturbadora, que ele publicou no controverso livro de 1909 "''Concealing-Coloration in the Animal Kingdom''".<ref name="Roosevelt">{{Citar periódico|ano=1911|titulo=Revealing and concealing coloration in birds and mammals|jornal=Bulletin of the American Museum of Natural History|volume=30|páginas=119–231|autor=Roosevelt, Theodore}}</ref><ref name="LRB">{{Citar periódico|titulo=Cubist Slugs. Review of DPM: Disruptive Pattern Material; An Encyclopedia of Camouflage: Nature – Military – Culture by Roy Behrens|url=http://www.lrb.co.uk/v27/n12/patrick-wright/cubist-slugs|jornal=London Review of Books|volume=27|páginas=16–20}}</ref> Vendo a oportunidade de colocar sua teoria em serviço, Thayer escreveu para Churchill em fevereiro de 1915, defendendo a pintura de navios em branco, para torná-los invisíveis, e propondo camuflar submarinos com contra-sombra, como peixes como a [[Cavalinha (peixe)|cavala]].<ref name="Forbes87" /> Suas idéias foram consideradas pelo Almirantado, mas rejeitadas junto com as propostas de Kerr como sendo "métodos estranhos de pintar navios ... de interesse acadêmico, mas não de vantagem prática". O Almirantado observou que a camuflagem necessária variava, dependendo da luz, das cores do mar e do céu, da hora do dia e do ângulo do sol. Thayer fez esforços repetidos para persuadir as autoridades e, em novembro de 1915, viajou para a Inglaterra, onde fez demonstrações de sua teoria em todo o país. Ele recebeu calorosamente Kerr, em Glasgow, e ficou tão entusiasmado com essa demonstração de apoio que evitou conhecer o Departamento de Guerra, que ele vinha buscando convencer. Ele continuou a escrever cartas para autoridades britânicas e britânicas, mas que se mostraram ineficazes.

Contudo, o artista marinho e oficial da Reserva Naval Voluntária Real Norman Wilkinson concordou com Kerr que o objetivo do "deslumbramento" era confusão e não ocultação, mas ambos discordaram sobre o tipo de confusão a ser semeada na mente do inimigo. Wilkinson, particularmente, considerava possível dificultar a identificação do tipo, tamanho, velocidade e posição de um navio e, assim, confundir os comandantes de navios inimigos para que assumissem posições de tiro equivocadas ou ruins.<ref name="Newark74">{{Citar livro|título=Camouflage|ultimo=Newark, Tim|ano=2007|publicação=Thames and Hudson / Imperial War Museum}}</ref><ref>{{Citar jornal|primeiro3=Norman|titulo=Letters. Camouflage|jornal=The Times}}</ref> Um observador acharia difícil saber exatamente se a popa ou o arco estavam à vista; e seria correspondentemente difícil estimar se o navio observado estava se movendo se aproximando ou distanciando da posição do observador.<ref name="glover">[[Michael Glover (author)|Glover, Michael]]. [http://entertainment.timesonline.co.uk/tol/arts_and_entertainment/visual_arts/article1479657.ece "Now you see it... Now you don't"] ''[[The Times]]''. 10 March 2007.</ref>
[[Ficheiro:EB1922_Camouflage.jpg|ligação=https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:EB1922_Camouflage.jpg|alt=|miniaturadaimagem|Eficácia alegada: concepção artística do periscópio de um comandante de [[U-boat|submarino]], de um navio mercante em camuflagem disruptiva (esquerda) e o mesmo navio não camuflado (direita), ''[[Encyclopædia Britannica]]'', 1922. As marcas conspícuas dificultam estimar o rumo do navio.]]
Wilkinson defendia "massas de cores fortemente contrastadas" para confundir o inimigo sobre o rumo de um navio.<ref name="Newark74" /> Assim, enquanto o deslumbramento, em algumas condições de iluminação ou a curta distância, pode realmente aumentar a visibilidade de um navio,<ref name="Forbes91">Forbes, 2009. pp. 90–91</ref> os padrões conspícuos obscureceriam os contornos do casco do navio (embora, reconhecidamente, não a superestrutura<ref name="Forbes97">Forbes, 2009. p. 97</ref>), disfarçando o rumo correto do navio e dificultando que fosse alvejado.<ref name="Forbes96">Forbes, 2009. p. 96</ref>

O conceito foi enfim encampado pelo Almirantado britânico, que já havia rejeitado a abordagem proposta por Kerr. Embora ela fosse marcadamente mais científica, ela foi descartada em favor de uma abordagem reconhecidamente não científica, mas promovida por Wilkinson, que era socialmente mais bem-conectado.<ref name="Forbes98">Forbes, 2009. pp. 98–100</ref> As explicações de Kerr sobre os princípios eram claras, lógicas e baseadas em anos de estudo, enquanto as de Wilkinson eram simples e inspiradoras, baseadas na percepção de um artista.<ref name="Forbes91" /> A decisão provavelmente ocorreu porque o Almirantado se sentia à vontade com Wilkinson, em nítido contraste com o relacionamento estranho com o teimoso e pedante Kerr.<ref name="Forbes92">Forbes, 2009. p. 92.</ref>

Wilkinson alegou não ter conhecimento das teorias zoológicas da camuflagem de Kerr e Thayer, admitindo apenas ter ouvido falar da "velha idéia de invisibilidade" da [[Roma Antiga|época romana]].<ref name="Forbes91" />{{Efn|Publius Flavius Vegetius Renatus registrou que, durante as [[Guerras Gálicas]], [[Júlio César]] mandou pintar seus navios de reconhecimento de azul veneziano (verde azulado, da mesma cor do mar), uma camuflagem de navio precoce.
.<ref name=Brooklyn1917>{{cite journal |url=https://books.google.com/books?id=A1zXAAAAMAAJ&pg=RA2-PA35 |pages=35–39 |last=Murphy |first=Robert Cushman |authorlink=Robert Cushman Murphy |title=Marine camouflage |journal=The Brooklyn Museum Quarterly |volume=4–6 |publisher=Brooklyn Institute of Arts and Sciences |date=January 1917}}</ref>}}

== Possíveis mecanismos ==

=== Perturbando o uso do telêmetro ===
Em 1973, o curador do museu naval Robert F. Sumrall<ref>{{Citar web|titulo=Robert F. Sumrall|url=http://navyyardassociates.net/bp1.html|publicação=Navy Yard Associates|archiveurl=https://web.archive.org/web/20160118213354/http://navyyardassociates.net/bp1.html|archivedate=18 January 2016}}</ref> (seguindo Kerr<ref name="Forbes872">Forbes, 2009. pp. 87–89</ref>) sugeriu um mecanismo pelo qual a camuflagem deslumbrante poderia incutir o tipo de confusão que Wilkinson pretendia. Os telêmetros de coincidência usados para [[artilharia naval]] tinham um [[Óptica|mecanismo óptico]], operado por um ser humano para calcular o alcance. O operador ajusta o mecanismo até as duas meias-imagens do alvo alinhadas em uma imagem completa. Segundo Sumrall, a camuflagem disruptiva tornaria isso difícil, pois os padrões em ambas imagens pareciam anormais, mesmo quando as duas metades estivessem alinhadas.<ref>{{Citar livro|título=Ship Camouflage (WWII): Deceptive Art|ultimo=Sumrall, Robert F.|data=February 1973|páginas=67–81}}</ref>

=== Disfarçando direção e velocidade ===
[[Ficheiro:Olympic_WWI.jpg|ligação=https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Olympic_WWI.jpg|miniaturadaimagem|[[RMS Olympic]] , navio-irmão do [[RMS Titanic]], em camuflagem deslumbrante enquanto estava em serviço durante a Primeira Guerra Mundial (setembro de 1915).]]
O historiador Sam Willis argumentou que, como Wilkinson sabia que era impossível tornar um navio invisível com tinta, o "extremo oposto"<ref name="Willis">{{Citar web|titulo=How did an artist help Britain fight the war at sea?|url=https://www.bbc.co.uk/guides/zty8tfr|publicação=[[British Broadcasting Corporation]]}}</ref> seria a resposta, usando formas conspícuas e contrastes violentos de cor para confundir os comandantes de submarinos inimigos. Willis apontou, usando esquema disruptivo do [[RMS Olympic|HMT Olympic]] como exemplo, que diferentes mecanismos poderiam estar em ação. Os padrões contraditórios nos funis do navio poderiam implicar que o navio estivesse em um rumo diferente (como Wilkinson previra<ref name="Newark742">{{Citar livro|título=Camouflage|ultimo=Newark, Tim|ano=2007|publicação=Thames and Hudson / Imperial War Museum}}</ref>). A curva no casco abaixo do funil dianteiro pode parecer uma onda falsa, criando uma impressão enganosa da velocidade do navio. Os padrões listrados na proa e na popa podiam criar confusão sobre qual extremidade do navio era qual.

De fato, o deslumbramento nesses termos é sugerido pelo testemunho de um capitão de [[U-Boot|U-Boat]]:<ref name="Newark742" /><blockquote>Não foi até que ele estava a meia milha que eu pude perceber que era um navio [não vários] movendo-se em um curso em ângulo reto, cruzando de estibordo. As listras pintadas escuras em sua traseira fizeram sua popa parecer sua proa, e um amplo corte de tinta verde no meio do navio parecia um pedaço de água. O tempo estava claro e a visibilidade era boa; essa foi a melhor camuflagem que eu já vi.</blockquote>

=== Perturbando o cálculo de movimento ===
[[Ficheiro:HMS_Argus_(1917)_cropped.jpg|ligação=https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:HMS_Argus_(1917)_cropped.jpg|miniaturadaimagem|HMS Argus exibindo uma camada de camuflagem deslumbrante (1918).]]
Em 2011 Nicholas E. Scott-Samuel e colegas apresentaram evidências, usando padrões móveis em um computador, de que a percepção humana da velocidade é distorcida por padrões disruptivos. No entanto, as velocidades necessárias para disfarçar o movimento são muito maiores do que as disponíveis para os navios da Primeira Guerra Mundial. No experimento, os alvos correspondiam a um veículo [[Land Rover]] pintado com padrão disruptivo, a uma distância de setenta metros, viajando a noventa quilômetros por hora. Se um alvo nessa velocidade causaria uma confusão de 7%, uma [[RPG (arma)|granada lançada por foguete]] que percorre essa distância em meio segundo atingiria seu alvo com um desvio de noventa centímetros. Isso pode ser o suficiente para salvar vidas no veículo e possivelmente fazer com que o míssil se perca completamente.<ref>{{Citar periódico|autorlink4=Innes Cuthill|titulo=Dazzle Camouflage Affects Speed Perception|jornal=PLOS ONE|volume=6|páginas=e20233|doi=10.1371/journal.pone.0020233|pmc=3105982|pmid=21673797}}</ref>


== Notas ==
== Notas ==

Revisão das 18h58min de 1 de abril de 2020

RMS Olympic em camuflagem deslumbrante.

A camuflagem disruptiva, também conhecida como camuflagem deslumbrante (em inglês: dazzle camouflage) é uma técnica de camuflagem de navios que foi usada na Primeira Guerra Mundial e, em menor grau, na Segunda Guerra Mundial e conflitos posteriores. Creditada ao artista marinho britânico Norman Wilkinson, e, em menor grau, ao zoólogo John Graham Kerr, ela consiste de padrões complexos de formas geométricas em cores contrastantes, que se interrompem e cruzam.

Diferentemente de outras formas de camuflagem, a intenção da camuflagem disruptiva não é ocultar um alvo potencial, mas dificultar estimativas do alcance, velocidade e rumo de um alvo. Norman Wilkinson explicou, em 1919, que concebeu camuflagens disruptivas para que enganassem unidades ofensivas inimigas sobre o curso de navios, e, assim, levassem-nas a ocupar posições de assalto fracas.[a]

A camuflagem disruptiva foi adotada pelo Almirantado Britânico e, mais tarde, pela Marinha dos Estados Unidos. O padrão de cada navio era único, de maneira a evitar tornar classes de navios instantaneamente reconhecíveis pelo inimigo. Como resultado, navios utilizaram uma profusão de esquemas de cor e forma. Por conta disso e de outros fatores que impediram determinar quais esquemas de cores são mais eficazes e em quais situações, as evidências de seu sucesso são, na melhor das hipóteses, moderadas. Houveram tantos fatores envolvidos que era impossível determinar quais padrões são mais eficazes.

Esse tipo de camuflagem atraiu a atenção de artistas como Picasso, que alegou que cubistas, como ele, a haviam inventado.[2] Edward Wadsworth, que supervisionou a camuflagem de mais de dois mil navios durante a Primeira Guerra Mundial, pintou uma série de telas de navios [b][3][4][5][6] com base em sua trabalho durante o confronto. Arthur Lismer também pintou uma série de telas de navios do mesmo tipo.

Finalidades pretendidas

À primeira vista, o padrão disruptivo parece uma forma improvável de camuflagem, chamando a atenção para o navio em vez de escondê-lo. A abordagem foi desenvolvida depois que as marinhas aliadas não conseguiram desenvolver meios eficazes de ocultar navios em todas as condições climáticas. O zoólogo britânico John Graham Kerr propôs a aplicação desse padrão disruptivo a navios de guerra britânicos na Primeira Guerra Mundial, descrevendo o princípio em uma carta a Winston Churchill em 1914. Nela, ele explicou que o objetivo seria confundir, não ocultar, dificultando a identificação dos contornos de um navio. Kerr comparou o efeito ao criado por animais terrestres como a girafa, a zebra e a onça pintada.[7][8]

Imagem de um navio de guerra em um telêmetro naval, com as metades da imagem ainda não ajustadas para o alcance. Os mastros do alvo são especialmente úteis para a busca do ajuste, e Kerr propôs camufla-los com faixas brancas. [8]

Seguindo o exemplo da zebra, Kerr propôs que as linhas verticais dos mastros dos navios fossem pintadas com faixas brancas irregulares. Escondê-los tornaria os navios menos notáveis e "aumentaria muito a dificuldade de encontrar um alcance preciso".[8][c]

Na mesma carta Kerr também referiu-se ao contra-sombreamento, o uso de tinta para eliminar o auto-sombreamento e, assim, achatar a aparência de formas sólidas e reconhecíveis. Por exemplo, ele propôs pintar as armas dos navios em cinza, na parte de cima, que gradualmente se transformaria em branco, na parte de baixo. Isso faria com que as armas desaparecessem contra um fundo cinza.

Da mesma forma, ele aconselhou pintar de branco as partes sombreadas do navio, e colorir com cinza as partes iluminadas, novamente com um degradê suave entre elas, tornando formas e estruturas de difícil compreensão.

Kerr esperava, assim, alcançar uma medida de invisibilidade parcialmente eficaz, e um grau importante de confusão no inimigo usando um telêmetro. Seja por essa mistura de objetivos ou pelo ceticismo do Almirantado sobre "qualquer teoria baseada na analogia dos animais", o Almirantado afirmou em julho de 1915 ter realizado "várias tentativas" e decidiu pintar seus navios em cinza monótono, não adotando qualquer sugestão de Kerr. O zoólogo enviou outras cartas, mas a decisão fora tomada e elas não alcançaram resultados.

O artista americano Abbott Handerson Thayer havia desenvolvido uma teoria da camuflagem baseada na contra-sombra e na coloração perturbadora, que ele publicou no controverso livro de 1909 "Concealing-Coloration in the Animal Kingdom".[9][10] Vendo a oportunidade de colocar sua teoria em serviço, Thayer escreveu para Churchill em fevereiro de 1915, defendendo a pintura de navios em branco, para torná-los invisíveis, e propondo camuflar submarinos com contra-sombra, como peixes como a cavala.[8] Suas idéias foram consideradas pelo Almirantado, mas rejeitadas junto com as propostas de Kerr como sendo "métodos estranhos de pintar navios ... de interesse acadêmico, mas não de vantagem prática". O Almirantado observou que a camuflagem necessária variava, dependendo da luz, das cores do mar e do céu, da hora do dia e do ângulo do sol. Thayer fez esforços repetidos para persuadir as autoridades e, em novembro de 1915, viajou para a Inglaterra, onde fez demonstrações de sua teoria em todo o país. Ele recebeu calorosamente Kerr, em Glasgow, e ficou tão entusiasmado com essa demonstração de apoio que evitou conhecer o Departamento de Guerra, que ele vinha buscando convencer. Ele continuou a escrever cartas para autoridades britânicas e britânicas, mas que se mostraram ineficazes.

Contudo, o artista marinho e oficial da Reserva Naval Voluntária Real Norman Wilkinson concordou com Kerr que o objetivo do "deslumbramento" era confusão e não ocultação, mas ambos discordaram sobre o tipo de confusão a ser semeada na mente do inimigo. Wilkinson, particularmente, considerava possível dificultar a identificação do tipo, tamanho, velocidade e posição de um navio e, assim, confundir os comandantes de navios inimigos para que assumissem posições de tiro equivocadas ou ruins.[11][12] Um observador acharia difícil saber exatamente se a popa ou o arco estavam à vista; e seria correspondentemente difícil estimar se o navio observado estava se movendo se aproximando ou distanciando da posição do observador.[13]

Eficácia alegada: concepção artística do periscópio de um comandante de submarino, de um navio mercante em camuflagem disruptiva (esquerda) e o mesmo navio não camuflado (direita), Encyclopædia Britannica, 1922. As marcas conspícuas dificultam estimar o rumo do navio.

Wilkinson defendia "massas de cores fortemente contrastadas" para confundir o inimigo sobre o rumo de um navio.[11] Assim, enquanto o deslumbramento, em algumas condições de iluminação ou a curta distância, pode realmente aumentar a visibilidade de um navio,[14] os padrões conspícuos obscureceriam os contornos do casco do navio (embora, reconhecidamente, não a superestrutura[15]), disfarçando o rumo correto do navio e dificultando que fosse alvejado.[16]

O conceito foi enfim encampado pelo Almirantado britânico, que já havia rejeitado a abordagem proposta por Kerr. Embora ela fosse marcadamente mais científica, ela foi descartada em favor de uma abordagem reconhecidamente não científica, mas promovida por Wilkinson, que era socialmente mais bem-conectado.[17] As explicações de Kerr sobre os princípios eram claras, lógicas e baseadas em anos de estudo, enquanto as de Wilkinson eram simples e inspiradoras, baseadas na percepção de um artista.[14] A decisão provavelmente ocorreu porque o Almirantado se sentia à vontade com Wilkinson, em nítido contraste com o relacionamento estranho com o teimoso e pedante Kerr.[18]

Wilkinson alegou não ter conhecimento das teorias zoológicas da camuflagem de Kerr e Thayer, admitindo apenas ter ouvido falar da "velha idéia de invisibilidade" da época romana.[14][d]

Possíveis mecanismos

Perturbando o uso do telêmetro

Em 1973, o curador do museu naval Robert F. Sumrall[20] (seguindo Kerr[21]) sugeriu um mecanismo pelo qual a camuflagem deslumbrante poderia incutir o tipo de confusão que Wilkinson pretendia. Os telêmetros de coincidência usados para artilharia naval tinham um mecanismo óptico, operado por um ser humano para calcular o alcance. O operador ajusta o mecanismo até as duas meias-imagens do alvo alinhadas em uma imagem completa. Segundo Sumrall, a camuflagem disruptiva tornaria isso difícil, pois os padrões em ambas imagens pareciam anormais, mesmo quando as duas metades estivessem alinhadas.[22]

Disfarçando direção e velocidade

RMS Olympic , navio-irmão do RMS Titanic, em camuflagem deslumbrante enquanto estava em serviço durante a Primeira Guerra Mundial (setembro de 1915).

O historiador Sam Willis argumentou que, como Wilkinson sabia que era impossível tornar um navio invisível com tinta, o "extremo oposto"[23] seria a resposta, usando formas conspícuas e contrastes violentos de cor para confundir os comandantes de submarinos inimigos. Willis apontou, usando esquema disruptivo do HMT Olympic como exemplo, que diferentes mecanismos poderiam estar em ação. Os padrões contraditórios nos funis do navio poderiam implicar que o navio estivesse em um rumo diferente (como Wilkinson previra[24]). A curva no casco abaixo do funil dianteiro pode parecer uma onda falsa, criando uma impressão enganosa da velocidade do navio. Os padrões listrados na proa e na popa podiam criar confusão sobre qual extremidade do navio era qual.

De fato, o deslumbramento nesses termos é sugerido pelo testemunho de um capitão de U-Boat:[24]

Não foi até que ele estava a meia milha que eu pude perceber que era um navio [não vários] movendo-se em um curso em ângulo reto, cruzando de estibordo. As listras pintadas escuras em sua traseira fizeram sua popa parecer sua proa, e um amplo corte de tinta verde no meio do navio parecia um pedaço de água. O tempo estava claro e a visibilidade era boa; essa foi a melhor camuflagem que eu já vi.

Perturbando o cálculo de movimento

HMS Argus exibindo uma camada de camuflagem deslumbrante (1918).

Em 2011 Nicholas E. Scott-Samuel e colegas apresentaram evidências, usando padrões móveis em um computador, de que a percepção humana da velocidade é distorcida por padrões disruptivos. No entanto, as velocidades necessárias para disfarçar o movimento são muito maiores do que as disponíveis para os navios da Primeira Guerra Mundial. No experimento, os alvos correspondiam a um veículo Land Rover pintado com padrão disruptivo, a uma distância de setenta metros, viajando a noventa quilômetros por hora. Se um alvo nessa velocidade causaria uma confusão de 7%, uma granada lançada por foguete que percorre essa distância em meio segundo atingiria seu alvo com um desvio de noventa centímetros. Isso pode ser o suficiente para salvar vidas no veículo e possivelmente fazer com que o míssil se perca completamente.[25]

Notas

  1. Segundo Wilkinson "O objetivo principal desse esquema não era tanto fazer o inimigo errar o tiro quando estava na posição de tiro, mas enganá-lo, quando o navio era avistado pela primeira vez, sobre a posição correta para atacar. A camuflagem deslumbrante era um método que consistia em dividir em massas de cores fortemente contrastadas todas as formas comuns de um navio, consequentemente tornando difícil para um submarino decidir o curso exato do navio a ser atacado". Por exemplo, um submarino inimigo poderia se posicionar mal, deixando-se a longa distância ou fora de alcance. Wilkinson escreveu ainda que o deslumbramento foi projetado "não para reduzir a visibilidade, mas como uma maneira de quebrar sua forma e, assim, confundir seus atacantes quanto ao curso em que estava viajando".[1]
  2. Por exemplo, Dazzle-ships in Drydock at Liverpool, 1919.
  3. Kerr pensou isso porque os mastros fornecem linhas verticais, ideais para o alinhamento.
  4. Publius Flavius Vegetius Renatus registrou que, durante as Guerras Gálicas, Júlio César mandou pintar seus navios de reconhecimento de azul veneziano (verde azulado, da mesma cor do mar), uma camuflagem de navio precoce. .[19]

Referências

  1. Wilkinson, Norman (1969). A Brush with Life. [S.l.]: Seeley Service. p. 79 
  2. Campbell-Johnson, Rachel (2007). «Camouflage at IWM». The Times. Consultado em 20 de março de 2020. Cópia arquivada em 3 de abril de 2019 
  3. Marter, Joan M. (2011). The Grove Encyclopedia of American Art. 1. [S.l.]: Oxford University Press. p. 401. OCLC 838043104 
  4. Black, Jonathan (2014). «A few broad stripes: Perception, Deception, and the 'Dazzle Ship' phenomenon of the First World War."». In: Saunders, Nicholas J.; Cornish, Paul. Contested Objects: Material Memories of the Great War. [S.l.]: Routledge. pp. 190–202 
  5. Newbolt, Henry John (1919). Submarine and Anti-Submarine. Nova Iorque: Longmans, Green and Co. p. 46. OCLC 608689746 
  6. Deer, Patrick (2009). Culture in Camouflage: War, Empire, and Modern British Literature. Oxford: Oxford University Press. p. 46. OCLC 940499206 
  7. «The Dazzling Zoologist: John Graham Kerr and the Early Development of Ship Camouflage» (PDF). The Northern Mariner. XIX: 171–192 
  8. a b c d Forbes, 2009. pp. 87–89
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Bibliografia

Ligações externas