Cossacos escrevem carta ao Sultão turco (Repin)
Cossacos escrevem carta ao Sultão turco | |
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Autor | Ilia Repin |
Data | 1880–1891 |
Técnica | Pintura a óleo sobre tela |
Dimensões | 203 cm × 358 cm |
Localização | Museu Estatal Russo, S. Petersburgo |
Cossacos escrevem carta ao Sultão turco (em russo: Запорожцы пишут письмо турецкому султану, transl. Zaporojtsy pishut pismo turetskomu sultanu) é uma pintura a óleo sobre tela do pintor e escultor russo Ilia Repin (1844-1930). Sabe-se que a pintura foi iniciada em 1880 e concluída em 1891, pois Repin gravou os anos de trabalho ao longo do bordo inferior da tela.
O czar Alexandre III comprou a pintura por 35.000 rublos, na época a maior soma já paga por uma pintura russa. Desde então, a tela tem estado exposta no Museu Estatal Russo em S. Petersburgo.
Descrição
[editar | editar código-fonte]Cossacos escrevem carta ao Sultão turco retrata uma cena supostamente histórica, situada em 1676, baseada na lenda de os cossacos terem enviado uma resposta a um ultimato do Sultão do Império Otomano Maomé IV, o Caçador.
A resposta original a ter existido não sobreviveu; no entanto, na década de 1870, o etnógrafo amador Novitski, de Ekaterinoslav, encontrou uma cópia feita no século XVIII e deu-a ao historiador Dmytro Iavornitzky (1855-1940) que, por acaso, a leu a convidados seus, entre os quais estava o pintor Ilia Repin. Repin ficou curioso sobre a história e em 1880 começou o primeiro dos seus estudos sobre o tema.
A pintura mostra a alegria dos cossacos ouvindo e dizendo graçolas e asneiras provocadoras na sua resposta ao Sultão. Na época de Repin, os cossacos gozavam de grande simpatia popular e o próprio Repin também os admirava: "É verdade tudo o que Gogol escreveu sobre eles! É um povo maravilhoso! Ninguém no mundo tem tanta liberdade, igualdade e fraternidade."[1]
Ainda que mantendo e desenvolvendo a versão original, Repin elaborou em 1889 uma segunda versão, que ficou inacabada. Esta segunda versão de "Os Cossacos" foi oferecida em 1932 pela Galeria Tretyakov ao Museu Histórico de Carcóvia, a qual foi transferida em 1935, para o Museu de Arte da mesma cidade onde ainda se mantém.
Personagens e modelos usados
[editar | editar código-fonte]Para o desenho das personagens Repin usou como modelos pessoas contemporâneas, sendo algumas figura públicasː[2][3]
Personagem
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Моdelo |
Personagem
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Моdelo |
Para um dos personagens mais coloridos, Repin usou a imagem dum professor de desenho e artista, membro ativo da associação criativa "Mundo da Arte" de S. Petersburgo, o polaco Jan Ciągliński. | Para um dos personagens centrais da imagem, o ataman (comandante) Ivan Sirko, foi usado o General Mikhail Ivanovich Dragomirov. | ||
O homem bonito com características nobres e um sorriso inteligente foi descrito em S. Petersburgo como sendo Barbara I. Gildenbandt, sobrinha do compositor Mikhail Glinka. | O personagem tártaro foi inspirado num aluno tártaro. | ||
O soldado cossaco com uma atadura na cabeça por conta de um ferimento em batalha era o pintor da Academia de Arte ucraniano Nikolai D. Kuznetsov. A pintura simboliza a imagem de Ostap, o filho mais velho de Taras Bulba. | Para o homem gordo, retrato de Taras Bulba, o protótipo foi um professor do Conservatório de S. Petersburgo de origem polaca Alexander Tripe. Há também uma versão em que posou o jornalista Vladimir Giljarovsky para o personagem. | ||
O velho desdentado com um cachimbo torcido foi elaborado a partir de um viajante encontrado por acaso no cais Zaporizhzhya. | Espiando atrás de Taras Bulba, o cossaco alto e magro, era Fyodor Stravinsky actor principal do Teatro Mariinsky. | ||
Com cabelo à seminarista e bigode que não teve tempo para crescer, é o artista Porfírio D. Martynovich. Curiosamente, Repin usou a imagem dele já falecido, a partir de um máscara de gesso. | A imagem do cossaco com uma cabeça careca e nuca expressiva era o chefe de segurança George P. Alekseev. Inicialmente, este indignou-se com Repin e rejeitou a oferta para posar para ele numa atitude tão feia. Para ajudar o artista, Dmytro Yavornytsky convidou Alekseev a ver sua coleção de moedas e, enquanto Alekseev observava a coleção, o artista estava sentado atrás dele a fazer o esboço. Vendo-se na imagem, George Petrovich ficou muito aborrecido com os dois. | ||
Para o cossaco com gorro escuro posou o colecionador e filantropo Vasily Tarnowski, Jr.. Em 1880, Repin passou na propriedade dele em Tarnow e fez um esboço do dono da propriedade. | Para o cossaco seminu posou um professor de escola pública, Konstantin D. Belonovsky. De acordo com outra versão foi o dramaturgo e artista de teatro Mark Kropyvnytsky. O cossaco estava seminu porque, num jogo sério, os cossacos tiram as camisas, para não esconder as cartas no peito e nas mangas. | ||
A imagem descreve um motorista cossaco Basil Tarnow Nikishka. O artista, tendo ficado fascinado pela sua expressão com um só olho, bêbado e rindo, teve tempo de fazer um esboço dele quando atravessou o rio Dnieper por ferry. | A imagem do cossaco que escrevia foi inspirada no académico e amigo de Repin, Dmytro Yavornytsky. Para fazer sorrir Yavornytsky, que tinha um semblante sombrio, Repin teve de mostrar-lhe uma revista de caricaturas. |
Esquissos e trabalhos preparatórios
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Esquisso a carvão (1878), Galeria Tretyakov
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Esquisso a carvão (1878), Galeria Tretyakov
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Esquisso a carvão (1878), Galeria Tretyakov
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Esquisso a carvão (1878), Coleção privada
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Coronel zaporójio (1880). 56 × 31 см. , I. Repin, Museu de Arte, Sumy
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Zaporójio (1884). Óleo. 49 × 41,5 cm. Museu de Belas Artes, Nizhny Tagil, Rússia.
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Ataman (Comandante) Іvan Сіrко (1889). Óleo. 68,5 × 82 см. Coleção privada.
Fundamento histórico
[editar | editar código-fonte]Os Cossacos zaporójios (do ucraniano: za porohamy, significando além dos rápidos), que habitavam as terras do baixo rio Dnieper na Ucrânia, tinham vencido em batalha o exército do Império Otomano. Não obstante, o sultão Maomé IV exigiu que os Cossacos se submetessem ao Império Turco. Os Cossacos, liderados por Ivan Sirko, teriam respondido de modo invulgar, numa carta repleta de insultos e obscenidades.
Sultão Maomé IV aos Cossacos zaporójios:Eu o Sultão; filho de Maomé; irmão do sol e da lua; neto e vice-rei de Deus; Senhor dos reinos da Macedónia, Babilónia, Jerusalém, Alto e Baixo Egito; Imperador dos imperadores; Soberano dos soberanos; Cavaleiro extraordinário, não derrotado; Guardião fiel do túmulo de Jesus Cristo; Administrador escolhido pelo próprio Deus; Esperança e conforto dos muçulmanos; Cofundador e grande defensor dos cristãos - Eu vos ordeno, Cossacos zaporójios, a submeterem-se a mim voluntariamente e sem qualquer resistência, e a desistir de me incomodar com os vossos ataques,
O Sultão turco Maomé IV
A resposta dos cossacos veio como uma torrente de rimas invectivas e vulgares:
Cossacos zaporójios ao Sultão turco!
Ó sultão, diabo turco e amigo e parente condenado do diabo, secretário do próprio Lúcifer. Que diabo de cavaleiro és tu, que não consegues matar um ouriço com o teu traseiro nu? O diabo caga e o teu exército come. Não irás, filho da puta, submeter filhos de cristãos; que não temos medo do teu exército, na terra e no mar te vamos combater. Foda-se sua mãe.
Ralé babilónico, mula macedónia, cervejeiro de Jerusalém, cabra-puta de Alexandria, pastor de porcos do Alto e Baixo Egito, porco da Arménia, ladrão podoliano, gigolô da Tartária, carrasco de Kamianets e parvo de todo o mundo e submundo, um idiota diante de Deus, neto da Serpente, e o torcicolo em nosso pau. Focinho de porco, rabo de égua, rafeiro de matadouro, testa não batizada, lixa a tua própria mãeǃ
Assim, os Cossacos declaram a ti ralé. Não vais sequer guardar porcos para os cristãos. Agora vamos concluir, por que não sabemos a data e não temos um calendário; a lua está no céu, o ano é o do Senhor, o dia é o mesmo aqui como é aí; e por isso beija o nosso cuǃ
- O Ataman (Comandante) Ivan Sirko, com toda a Hoste Zaporójia.
Na cultura popular
[editar | editar código-fonte]- O poeta francês Guillaume Apollinaire escreveu uma versão em verso da carta (Réponse des Cosaques Zaporogues au Sultan de Constantinople), fazendo parte do seu poema La Chanson du mal-aimé (A Canção do mal-amado), no livro colectânea de poemas Alcoóis (1913).[4]
- O crítico de arte Clement Greenberg considerou a pintura de Repin como um mau exemplo de "kitsch" no seu ensaio Avant-Garde and Kitsch (1939).[6]
- A escrita da Carta está representada no filme Taras Bulba (2009) produzido na Rússia e dirigido por Vladimir Bortko.[7]
- O trailer da expansão dos "Cossacos" do jogo eletrônico Europa Universalis IV (2015) inclui uma versão alterada da resposta dos Cossacos zaporójios.
Em selos postais
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Pintura Cossacos em selo da URSS, ano de 1944
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Pintura Cossacos em selo da URSS, ano de 1969
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selo da Ucrânia de 2014
Reproduções
[editar | editar código-fonte]Existem várias cópias de grandes dimensões desta pintura de Repin, entre elas a famosa reprodução de Paul Porfirov, que foi estudante de Repin, que está actualmente no Museu de Arte de Cincinnati.
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Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Dmytro I. Yavornytsky (1895) History of the Zaporogian Cossacks, Vol. 2, pp. 517–518. St. Petersburg.
- Myron B. Kuropas (1961), The Saga of Ukraine: An Outline History. MUN Enterprises
- Saenko V. (2004) "Carta ao Sultão turco" e a Lenda, // Novos documentos sobre a era dos cossaco na Ucrânia. - Vol.13. - K. - P. 418-420. (em ucraniano)
Referências
- ↑ Citado por Andrew Gregorovich, The Cossack Letter "The Most Defiant Letter!", na página InfoUkes, [1]
- ↑ História da pintura "Os cossacos a escrever uma carta ao Sultão turco", em Korrespondent.net, em russo e ucraniano [2]
- ↑ Os cossacos escrevem uma carta ao Sultão em bubelo.in.ua, em russo [3]
- ↑ Entrada sobre o poema La Chanson du mal-aimé na Wikipedia em francês, [4]
- ↑ Entrada sobre a oratória La Chanson du mal-aimé na Wikipedia em inglês [5]
- ↑ Greenberg, Clement (1939), Avant-Garde and Kitsch, Partisan Review, reproduzido na net em página sobre Clement Greenberg desenvolvida por Terry Fenton. [6]
- ↑ IMDB, [7]
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- A Carta dos Cossacos, em Infoukes.com, em ucraniano, [8]
- Victor A. Friedman, The Zaporozhian Letter to the Turkish Sultan: Historical Commentary and Linguistic Analysis, Slavica Hierosolymitana, Magnes Press, 1978, vol 2, pag 25-38 [9]. Uma análise detalhada da Carta e as suas várias versões.
- História da Pintura (em russo) [10]