Criptocatolicismo

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

O criptocatolicismo é a prática da fé católica e seus costumes em segredo, geralmente para evitar perseguições religiosas.[1]

História[editar | editar código-fonte]

Vários momentos e lugares da mundo tiveram a presença de criptocatólicos

Japão[editar | editar código-fonte]

O catolicismo foi levado ao Japão durante seu período feudal, por São Francisco Xavier. Viu-se, originalmente, o catolicismo como uma ameaça ao poder do xogum. Décadas depois, em 1643, o catolicismo foi banido, as igrejas destruídas e muitos católicos foram torturados e obrigados a se converterem ao Budismo. O banimento apenas foi retirado em 1858.

Durante esse período, muitos católicos mantiveram suas práticas religiosas de maneira clandestina, o que originou o termo Kakure Kirishitan ou, em português, cristãos escondidos.[2][3] Houve inúmeros mártires católicos nesta época, como os 26 mártires do Japão, católicos crucificados na cidade de Nagasaki em 1597. Foram beatificados em 1627 e canonizados em 1862.[4][5]

Alemanha Nazista[editar | editar código-fonte]

O anticatolicismo alemão advém de muito tempo antes ao nazismo. O kulturkampf , por exemplo, fez com que houvesse um embate entre as autoridades alemãs pós-unificação e a Igreja Católica. Havia também um resquício do sentimento anti-polonês no anticatolicismo alemão, uma vez que a Polônia era na época um país onde a esmagadora maioria é católica, como permanece até hoje.[6][7]

Execução pública de clérigos polacos e cidadãos na Praça do Mercado Velho de Bydgoszcz, 9 de setembro de 1939. A Igreja Católica Polaca sofreu uma perseguição brutal sob a ocupação nazista

Durante a Alemanha Nazista, o Partido do Centro, de orientação católica, opôs-se pesadamente ao nazismo. As autoridades nazistas não admitiam autoridade paralela a deles, como a da Igreja Católica, o que fez com que subordinassem a Igreja ao Estado, em 20 de Julho de 1933.[8][9]

De um total de 2720 clérigos enviados ao campo de Dachau, a grande maioria, por volta de 2579 (ou 94,88%) eram católicos – cerca de quase 400 padres alemães. Os colégios católicos na Alemanha foram eliminados em 1939.[10][11][12]

Embora alguns membros do clero tenham apoiado o regime nazista, a maioria esmagadora dos clérigos católicos se opunha, assim como o próprio papa da época, Pio XII, e o Vaticano. O Papa manteve relações com a resistência alemã e tinha uma imensa rede de espionagem que visava adquirir informações cruciais para ajudar os Aliados, além de ter protegido alguns judeus dentro do território do Vaticano e ajudado alguns a fugirem da Europa. Há um mito de que o Pio XII teria cooperado com o nazismo, mas é apenas um hoax histórico.[13][14][15][16][17] Um mês após a Alemanha atacar a Polônia, iniciando a Segunda guerra mundial, Pacelli, o Papa Pio XII, lançou a encíclica Summi Pontificatus. Foi a primeira encíclica do pontífice, onde ele condena ideologias de racismo, a superioridade cultural e o estado totalitário. A Alemanha considerou seu escrito como um ataque ao nazismo. Todo este cenário fez com que, na tentativa de escapar da perseguição católica, muitos fiéis ocultassem sua crença na Igreja Católica, sendo mantendo os cultos de forma clandestina ou evitando praticá-los.[17][18][19]

União Soviética[editar | editar código-fonte]

Ícone dos Romanov

A política marxista-leninista soviética defendia consistentemente o controle, supressão e a eliminação de crenças religiosas, e encorajou ativamente o ateísmo durante a existência da União Soviética.[20][21] Muitas comunidades cristãs na esfera de influência soviética durante a Guerra Fria tiveram que se esconder nas chamadas Igrejas Catacumbas. Após a dissolução do Pacto de Varsóvia e o fim da era soviética na década de 1990, alguns desses grupos voltaram às igrejas oficiais acima do solo. O número total de cristãos vítimas de políticas atéias do estado soviético foi estimado na faixa entre 12-20 milhões, a grande maioria destes católicos ortodoxos russos.[22][23][24][21] A família imperial russa, assassinada em 17 de julho de 1918 pelos bolcheviques, foi canonizada em 1991 como neomártir pela Igreja Ortodoxa Russa no Exterior.[25][26][27]

República Popular da China[editar | editar código-fonte]

As igrejas domésticas chinesas são igrejas consideradas clandestinas pelo governo chinês, pois obedecem à autoridade do Papa, não ao Estado chinês. Tentam diminuir a influência cristã na sociedade, o que faz com que os fiéis tenham de aceitar o controle do governo sobre sua fé ou manterem-se na ilegalidade. A maioria opta pela segunda opção.[28][29][30][31]

Império Otomano[editar | editar código-fonte]

O termo Laraman em albanês refere-se aos criptocristãos que aderiram oficialmente ao Islã, mas continuaram a praticar o cristianismo dentro de casa durante a era otomana, cuja maioria era composta de católicos ortodoxos. Foi derivado do adjetivo albanês i larmë, que significa "variegado, heterogêneo, duas faces; uma referência aos Laramans seguindo tanto o cristianismo ( em segredo) e Islã (nominalmente). O fenômeno foi generalizado de meados até o final da era otomana, ocorrendo entre os albaneses do norte e do sul.[32][33][34][35]

Criptocatólicos conhecidos e prováveis[editar | editar código-fonte]

Pela própria definição do termo é difícil dizer com certeza absoluta quais figuras históricas importantes e atuais são criptocatólicas, mas há algumas evidências.

William Shakespeare[editar | editar código-fonte]

Muito discutiu-se sobre a religiosidade de Shakespeare. Segundo dizem algumas fontes, o dramaturgo inglês era criptocatólico. Há dificuldade em precisar informações sobre a vida pessoal de Shalespeare, porque há poucas coisas escritas dele sobre si próprio. O que há são relatos de terceiros.[36][37][38]

Boris Johnson[editar | editar código-fonte]

Boris Johnson, atual primeiro-ministro do Reino Unido, foi batizando na Igreja Católica, por ter nascido em uma família que seguia esta fé. Converteu-se posteriormente ao anglicanismo, religião predominante na Inglaterra. No entanto, em 2020, batizou seu filho, Wilfred Johnson, na Igreja Católica, o que fez com que muitos pensem que ele tenha voltado ao catolicismo e que não divulgue isto por estar em um país de maioria anglicana e que, por lei, por muito tempo, católicos não podiam assumir o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido.[39][40][41][42]

Jaime II da Inglaterra[editar | editar código-fonte]

O rei Jaime II foi criptocatólico por alguns anos, temendo que divulgar sua conversão do anglicanismo ao catolicismo fosse prejudicar sua soberania sobre a Inglaterra. O tempo que Jaime passou na França o expôs às crenças e cerimônias do catolicismo; ele e sua esposa Ana ficaram atraídos por essa fé.[43] Ele tomou a eucaristia na Igreja Católica em 1668 ou 1669, apesar da conversão ter sido mantida em segredo e ele continuou a comparecer a serviços anglicanos até 1676. Jaime mesmo assim continuou a se associar principalmente com anglicanos, incluindo João Churchill e Jorge Legge, além de protestantes franceses como Luís de Duras, 2.º Conde de Feversham.[44] O crescente temor de uma influência católica na corte inglesa levou o parlamento da Inglaterra a apresentar um novo Ato de Prova em 1673. Sob esse ato, todos os oficiais militares e civis precisavam prestar juramento em que eram obrigados a repudiar a doutrina da transubstanciação e denunciar certas práticas da Igreja Católica como sendo supersticiosas e idolátricas, além de receber a eucaristia sob os auspícios da Igreja Anglicana.[45] Jaime se recusou a realizar as duas ações, preferindo renunciar ao posto de Lorde Grande Almirante. Sua conversão ao catolicismo assim se tornou pública.[46]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Perseguição aos cristãos

Anticatolicismo

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. «Criptocatólico». Michaelis On-Line. Consultado em 5 de maio de 2021 
  2. «Foreign Correspondent - 07/08/2007: Japan - Hidden Christians». web.archive.org. 4 de março de 2016. Consultado em 5 de maio de 2021 
  3. «Untitled Document». web.archive.org. 16 de julho de 2012. Consultado em 5 de maio de 2021 
  4. FREDERIC, LOUIS; HWANG, ALVARO DAVID. Japao, O - Dicionario E Civilizacao. [S.l.]: GLOBO 
  5. «Cristianismo no Japão». Cultura Japonesa. Consultado em 5 de maio de 2021 
  6. Redação. «O catolicismo está morrendo na Europa?». Consultado em 5 de maio de 2021 
  7. Fromkin, David (2005). Ultimo Verão Europeu, O. [S.l.]: Objetiva 
  8. «Theodore S. Hamerow. <italic>On the Road to the Wolf's Lair: German Resistance to Hitler</italic>. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press. 1997. Pp. x, 442. $29.95». The American Historical Review. Outubro de 1998. ISSN 1937-5239. doi:10.1086/ahr/103.4.1271. Consultado em 5 de maio de 2021 
  9. Huener, Jonathan; Fischel, Jack R. (fevereiro de 2001). «Historical Dictionary of the Holocaust». German Studies Review (1). 218 páginas. ISSN 0149-7952. doi:10.2307/1433205. Consultado em 5 de maio de 2021 
  10. Bayley, C. C.; Bullock, Alan (1954). «Hitler: A Study in Tyranny». International Journal (2). 161 páginas. ISSN 0020-7020. doi:10.2307/40198002. Consultado em 5 de maio de 2021 
  11. Freeman, Stacey; Phayer, Michael (outubro de 1992). «Protestant and Catholic Women in Nazi Germany». German Studies Review (3). 635 páginas. ISSN 0149-7952. doi:10.2307/1430417. Consultado em 5 de maio de 2021 
  12. «The Rise and Fall of the Third Reich: A History of Nazi Germany. By <italic>William L. Shirer</italic>. (New York: Simon and Schuster, 1960. Pp. xii, 1245. $10.00.)». The American Historical Review. Outubro de 1962. ISSN 1937-5239. doi:10.1086/ahr/68.1.126. Consultado em 5 de maio de 2021 
  13. Weinberg, Gerhard L.; Toland, John (dezembro de 1977). «Adolf Hitler». The American Historical Review (5). 1280 páginas. ISSN 0002-8762. doi:10.2307/1856450. Consultado em 5 de maio de 2021 
  14. Cairns, John C.; Shirer, William L. (1961). «The Rise and Fall of the Third Reich». International Journal (2). 188 páginas. ISSN 0020-7020. doi:10.2307/40198487. Consultado em 5 de maio de 2021 
  15. «Review Notices : Hitler. By Joachim C. Fest. London : Weidenfeld and Nicolson. 1974. xiii + 844 pp. £5.25». Journal of European Studies (4): 405–406. Dezembro de 1974. ISSN 0047-2441. doi:10.1177/004724417400400425. Consultado em 5 de maio de 2021 
  16. White, J. R. (junho de 1995). «An Honourable Defeat: A History of German Resistance to Hitler, 1933–1945». History: Reviews of New Books (4): 177–177. ISSN 0361-2759. doi:10.1080/03612759.1995.9946246. Consultado em 5 de maio de 2021 
  17. a b Riebling, Mark; Szlak, Carlos (2018). O Papa Contra Hilter: A GUERRA SECRETA DA IGREJA CONTRA O NAZISMO. [S.l.]: Leya Casa Da Palavra 
  18. «Encyclical of H. H. Pope Pius XII (Summi Pontificatus) and Vom Wesen Und Werken Der Auslands-Kirchen». International Affairs. 1 de novembro de 1939. ISSN 1468-2346. doi:10.1093/ia/18.6.809a. Consultado em 5 de maio de 2021 
  19. Mayeur, Jean-Marie; Passelecq, Georges; Suchecky, Bernard (outubro de 1996). «L'Encyclique cachee de Pie XI». Vingtième Siècle. Revue d'histoire (52). 148 páginas. ISSN 0294-1759. doi:10.2307/3771175. Consultado em 5 de maio de 2021 
  20. Simon, Gerhard (11 de abril de 2019). «De-Stalinization». Routledge: 228–264. ISBN 978-0-429-04416-8. Consultado em 5 de maio de 2021 
  21. a b Pospielovsky, Dimitry V. (1987). «The Philosophical Foundations of Soviet Atheism». London: Palgrave Macmillan UK: 6–26. ISBN 978-0-333-43440-6. Consultado em 5 de maio de 2021 
  22. Nelson, James M. (2009). Psychology, religion, and spirituality. New York: Springer. OCLC 318545290 
  23. Taylor, David (2009). 21 signs of his coming : major biblical prophecies being fulfilled in our generation. Pasadena: Taylor Publishing Group. OCLC 815650553 
  24. Valdivia, Pablo (30 de junho de 2016). «Historia editorial de la traducción al inglés de Muertes de Perro en el archivo de la Fundación Francisco Ayala». Revista de literatura (155): 139–160. ISSN 1988-4192. doi:10.3989/revliteratura.2016.01.007. Consultado em 5 de maio de 2021 
  25. Poltoratzky, Nikolai P.; Alexandrov, Victor; Sutcliffe, William; Massie, Robert K. (abril de 1968). «The End of the Romanovs». Russian Review (2). 246 páginas. ISSN 0036-0341. doi:10.2307/127037. Consultado em 5 de maio de 2021 
  26. John Wiley & Sons, Inc, ed. (4 de dezembro de 2000). Kirk‐Othmer Encyclopedia of Chemical Technology. [S.l.]: Wiley 
  27. «Appendix A. Excerpts from the Chronograph of the Marriages of Tsar Ivan Vasil'evich». Cornell University Press. 15 de junho de 2012: 247–249. ISBN 978-1-5017-5665-8. Consultado em 5 de maio de 2021 
  28. «www.portasabertas.org.br/noticias/2013». Portas Abertas. Consultado em 5 de maio de 2021 
  29. «Igreja Católica chinesa consagra primeiros bispos após acordo com Vaticano». G1. Consultado em 5 de maio de 2021 
  30. «Igreja Católica chinesa consagra bispos pela 1ª vez após acordo histórico». Exame. 28 de agosto de 2019. Consultado em 5 de maio de 2021 
  31. «Sobre a Igreja Católica na China - Vatican News». www.vaticannews.va. 4 de fevereiro de 2019. Consultado em 5 de maio de 2021 
  32. Duijzings, Ger; Novaković, Rastko (2016). «Lebensraum | living space». Engaged Urbanism. doi:10.5040/9781350986251.ch-020. Consultado em 5 de maio de 2021 
  33. Owens, Anna Belle (dezembro de 1972). «Bryophytes and Lichens of the Chesapeake Bay». Chesapeake Science: S85. ISSN 0009-3262. doi:10.2307/1350649. Consultado em 5 de maio de 2021 
  34. «West Valley Demonstration Project Annual Site Environmental Report Calendard Year 2005». 21 de setembro de 2006. Consultado em 5 de maio de 2021 
  35. Skendi, Stavro (31 de dezembro de 1967). «The Albanian National Awakening». doi:10.1515/9781400847761. Consultado em 5 de maio de 2021 
  36. «William Shakespeare era criptocatólico e viveu em Itália». www.dn.pt. Consultado em 5 de maio de 2021 
  37. Shakespeare, Marlowe, Jonson : new directions in biography. Takashi Kozuka, J. R. Mulryne. Aldershot, Hants, England: Ashgate. 2006. OCLC 614527319 
  38. «William Shakespeare era criptocatólico y estuvo en secreto en Roma». abc (em espanhol). 22 de dezembro de 2009. Consultado em 5 de maio de 2021 
  39. cruxnow.com https://cruxnow.com/church-in-uk-and-ireland/2020/09/british-prime-ministers-infant-son-baptized-catholic/. Consultado em 5 de maio de 2021  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  40. «September 1859». Akademie Verlag. 31 de dezembro de 2020: 3–26. ISBN 978-3-05-007801-4. Consultado em 5 de maio de 2021 
  41. Purnell, B. A. (14 de abril de 2011). «A Complicated Start». Science (6027): 284–284. ISSN 0036-8075. doi:10.1126/science.332.6027.284-c. Consultado em 5 de maio de 2021 
  42. «Swinley, Maj.-Gen. George, (24 April 1842–26 July 1924), late Royal Bengal Artillery». Oxford University Press. Who Was Who. 1 de dezembro de 2007. Consultado em 5 de maio de 2021 
  43. «Book Shelf». Development (1): 144–145. Março de 2000. ISSN 1011-6370. doi:10.1057/palgrave.development.1110134. Consultado em 5 de maio de 2021 
  44. Callow, Pauline M (2000). European Environmental Law Review (1): 8–9. ISSN 0966-1646. doi:10.1023/a:1009229816222 
  45. KENYON, NICHOLAS (maio de 1986). «EDITORIAL». Early Music (2): 162–163. ISSN 1741-7260. doi:10.1093/earlyj/14.2.162. Consultado em 5 de maio de 2021 
  46. «Registering for Congress». AORN Journal (1): 69–69. Janeiro de 2000. ISSN 0001-2092. doi:10.1016/s0001-2092(06)62161-3. Consultado em 5 de maio de 2021