Fantologia

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Hamlet, Príncipe da Dinamarca, Ato I, Cena IV de Henry Fuseli (1789)

Fantologia (uma aglutinação de fantasma e ontologia[nota 1])[1][2], rondologia,[3] espectrologia[4] ou assombrologia[5] é um conceito que se refere ao retorno ou persistência de elementos do passado, como na forma de um fantasma. É um neologismo introduzido pela primeira vez pelo filósofo francês Jacques Derrida em seu livro de 1993, Spectres de Marx [fr]. Desde então, tem sido invocado em campos como artes visuais, filosofia, música eletrônica, política, ficção e crítica literária.[6]

Derrida usou o termo para se referir à natureza atemporal do marxismo e sua tendência de "assombrar a sociedade ocidental desde o além-túmulo".[7] Descreve uma situação de disjunção temporal e ontológica em que a presença é substituída por uma não origem diferida.[6] O conceito é derivado de seu método desconstrutivo, em que qualquer tentativa de localizar a origem da identidade ou da história deve inevitavelmente tornar-se dependente de um conjunto sempre já existente de condições linguísticas.[8] Apesar de ser o foco central de Spectres de Marx, a palavra fantologia aparece apenas três vezes no livro, e há pouca consistência na forma como outros escritores definem o termo.[9]

Na década de 2000, o termo foi aplicado a músicos pelos teóricos Simon Reynolds e Mark Fisher, que, segundo se dizia, exploravam ideias relacionadas à disjunção temporal, retrofuturismo, memória cultural e persistência do passado.

Spectres de Marx[editar | editar código-fonte]

"Fantologia" se origina da discussão de Derrida sobre Karl Marx em Spectres de Marx, especificamente a proclamação de Marx de que "um fantasma está assombrando a Europa - o fantasma do comunismo" no Manifesto Comunista. Derrida invoca o Hamlet de Shakespeare, particularmente uma frase dita pelo personagem titular: "o tempo está fora do comum".[8] A palavra funciona como um quase homófono deliberado para "ontologia " no francês nativo de Derrida (cf. "Hantologie", [ɑ̃tɔlɔʒi] e "ontologie", [ɔ̃tɔlɔʒi]).[10]

O trabalho anterior de Derrida em desconstrução, em conceitos de trace e différance em particular, serve como base para sua formulação de Fantologia,[6] fundamentalmente afirmando que não há ponto temporal de origem pura, mas apenas um "presente sempre já ausente". [11] Seus escritos em Spectres são marcados por uma preocupação com a "morte" do comunismo após a queda da União Soviética em 1991, em particular depois que teóricos como Francis Fukuyama afirmaram que o capitalismo havia triunfado conclusivamente sobre outros sistemas político-econômicos e alcançado o "fim da história ".[8]

Apesar de ser o foco central de Spectres de Marx, a palavra Fantologia aparece apenas três vezes no livro.[9] Peter Buse e Andrew Scott, discutindo a noção de fantologia de Derrida, explicam:

Fantasmas vêm do passado e aparecem no presente. No entanto, não se pode dizer que o fantasma pertence ao passado.... Então, a pessoa "histórica" identificada com o fantasma pertence ao presente? Certamente não, já que a ideia de um retorno da morte fratura todas as concepções tradicionais de temporalidade. A temporalidade a que o fantasma está sujeito é, portanto, paradoxal, ao mesmo tempo que 'voltam' e fazem sua estreia reveladora [...] qualquer tentativa de isolar a origem da linguagem encontrará seu momento inaugural já dependente de um sistema de diferenças linguísticas que foram instalados antes do momento 'originário' (11).[8]

Outros usos[editar | editar código-fonte]

Devido à dificuldade em compreender o conceito, há pouca consistência em como outros escritores definem o termo.[9]

Nos anos 2000, o termo foi adotado pelos críticos em referência aos paradoxos encontrados na pós-modernidade, particularmente a reciclagem persistente da cultura contemporânea da estética retrô e a incapacidade de escapar das velhas formas sociais.[8] Escritores como Mark Fisher e Simon Reynolds usaram o termo para descrever uma estética musical preocupada com esta disjunção temporal e a nostalgia de "futuros perdidos".[7] Os chamados músicos "fantológicos" são descritos como exploradores de ideias relacionadas à disjunção temporal, retrofuturismo, memória cultural e a persistência do passado.[12][13][8]

Notas

  1. Original em francês: hantologie de hanter, "assombrar", e ontologie, "ontologia".

Referências

  1. Pinto, Moysés (2015). «A estranha instituição da literatura no multiverso dos espectros». Alea: Estudos Neolatinos: 114–126. ISSN 1517-106X. doi:10.1590/S1517-106X2015000100008. Consultado em 2 de agosto de 2021 
  2. Generoso, Lídia Maria de Abreu (29 de julho de 2020). «A História e o fantasma da desconstrução». UFPE. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica (1): 548–553. ISSN 2525-5649. doi:10.22264/clio.issn2525-5649.2020.38.1.21. Consultado em 2 de agosto de 2021 
  3. O grito populista: populismo e afeto no capitalismo tardio (PDF) (Tese de mestrado). PUC-Rio. 2017 
  4. Paz, Ravel Giordano (2017). «Pensar as demandas: implicações ético-estéticas da espectrologia de Jacques Derrida nas teorias da narrativa». UEMS. Anais da XV Abralic–Experiências literárias, textualidades contemporâneas: 2763-2774. Consultado em 2 de agosto de 2021 
  5. Caputo, John D.; Felix, José Carlos (2009). «Após Jacques Derrida vem o futuro / After Derrida Comes the Future». Revista de Letras (2): 173–179. ISSN 0101-3505. Consultado em 2 de agosto de 2021 
  6. a b c Gallix, Andrew (17 de junho de 2011). «Hauntology: A not-so-new critical manifestation». The Guardian 
  7. a b Albiez, Sean (2017). Bloomsbury Encyclopedia of Popular Music of the World, Volume 11. [S.l.]: Bloomsbury. pp. 347–349. ISBN 9781501326103. Consultado em 10 de janeiro de 2020 
  8. a b c d e f Fisher, Mark (2013). «The Metaphysics of Crackle: Afrofuturism and Hauntology». Dancecult (em inglês) 
  9. a b c Whyman, Tom (31 de julho de 2019). «The ghosts of our lives». New Statesman. Consultado em 15 de dezembro de 2019 
  10. «Half Lives». Consultado em 19 de agosto de 2013. Cópia arquivada em 7 de julho de 2007 
  11. The Languages of Criticism and The Sciences of Man: the Structuralist Controversy. Ed. by Richard Macsey and Eugenio Donato (Baltimore, 1970), p. 254
  12. Whiteley, Sheila; Rambarran, Shara (22 de janeiro de 2016). The Oxford Handbook of Music and Virtuality. [S.l.]: Oxford University Press 
  13. Stone Blue Editors (11 de setembro de 2015). William Basinski: Musician Snapshots. [S.l.]: SBE Media. pp. Chapter 3 

 

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]