Geração rasca

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 Nota: Para álbum dos Black Company, veja Geração Rasca.

Geração rasca foi uma expressão usada pelo jornalista Vicente Jorge Silva em 1994, num editorial do jornal Público, aquando das manifestações estudantis contra a então Ministra da Educação Manuela Ferreira Leite do governo de Cavaco Silva.[1] Os estudantes protestavam contra as provas globais no Ensino Secundário e, mais tarde, contra as propinas universitárias. A expressão provocou muitas críticas e tornou-se mais tarde um símbolo de contestação e rivalização de valores entre gerações.[2]

Em 2011, a expressão foi ajustada como mote, desta vez para manifestações da geração seguinte, batizada Geração à rasca por ser alvo das políticas de austeridade implementadas pelo governo de Passos Coelho.[3]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Em 1989, o Governo de Portugal decretou que o acesso ao ensino superior se daria com uma Prova Geral de Acesso, um teste de cultura geral, que colheu pouco consenso na comunidade escolar. Estudantes do ensino secundário imediatamente contestaram a medida, e assinalaram o descontentamento com manifestações de rua, juntando-se a alunos do ensino superior que contestavam o aumento de propinas.[4] Foram os primeiros protestos que uniram os estudantes portugueses desde o movimento estudantil da década de 1960. Os protestos iriam marcar a primeira parte da década de 1990, culminando nos protestos contra a então Ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite em 1994.[4]

Cronologia de protestos[editar | editar código-fonte]

  • 29 de Novembro de 1991 "Bolsas sim, propinas não" - Diamantino Durão altera comparticipação do alunos nos custos do ensino superior, o que leva cerca de mil estudantes a protestar em Lisboa, reclamando um ensino "tendencialmente gratuito", conforme consta na Constituição portuguesa.[5]
  • 1992 "Não ao aumento das propinas" - Milhares de estudantes do ensino superior protestam em Lisboa em 26 de Fevereiro, concentram-se frente ao Ministério da Educação, e quando não recebidos por Diamantino Durão, param o trânsito no Rossio. A 13 de Março, Durão é demitido pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva.[5] É substituído por António Couto dos Santos. A 24 de Março, milhares de jovens de Portugal inteiro participam de manifestação em Lisboa protestando a política governamental, particularmente o aumento das propinas. A lei é promulgada em Julho. A 18 de Novembro, dez mil estudantes de todo o país manifestam-se em frente ao Parlamento Português contra as propinas. Passaram barreiras policiais, invadindo os jardins da Assembleia da República e partindo vidros, sem intervenção da polícia.[5]
  • 1993 - Protestos em Maio em frente ao Ministério da Educação resultam em confrontos com a polícia. Em Novembro, 1500 estudantes de Lisboa protestam a regulamentação da Lei das Propinas. O Corpo de Intervenção, composto por 50 elementos, detem alguns manifestantes e utiliza os bastões para dispersar os manifestantes. Mário Soares, então Presidente da República, insurge-se contra a violência policial utilizada. Ainda em Novembro, estudantes fazem greve às aulas. Em Dezembro, o ministro da Educação Couto dos Santos demite-se. É substituído por Manuela Ferreira Leite. A 7 de Dezembro, milhares de estudantes dos ensinos secundário e superior fazem novas manifestações, destroem e queimam bandeiras do Partido Social Democrata, e apupam Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite.[5]
  • 1994 - Protestos a 24 de Março, Dia do Estudante, juntam alunos do secundário e ensino superior, contra as provas globais e propinas, respectivamente.[6] A 3 de Maio, representações de associações de pais reunem-se com a Ministra Ferreira Leite, tentando anular a realização das provas globais, argumentando que uma prova mal realizada provocaria atrasos no ingresso na universidade e por seguinte a obtenção de um grau académico por parte dos alunos.[6] Em vésperas das manifestações convocadas para 5 de Maio, universitários manifestaram-se junto ao Ministério da Educação, construindo com blocos de cimento uma estrutura frágil que simbolizava as condições precárias das residências escolares universitárias. Isso levou a confrontos entra a polícias e esses jovens.[6]

Manifestações de 5 de maio de 1994 e editorial no jornal Público[editar | editar código-fonte]

A 5 de Maio de 1994, manifestações convocadas por associações de estudantes de ensino secundário contra as Provas Globais de Acesso ocorreram a nível nacional. Aos estudantes do secundário, juntaram-se alunos do ensino superior, contestando o pagamento de propinas, e o baixo valor do apoio da ação social escolar para os estudantes mais carenciados. Durante as marchas pelas ruas o trânsito foi cortado, e alguns estudantes baixaram as calças expondo rabos e órgãos genitais, sendo as imagens capturadas pelas câmaras fotográficas e de televisão dos repórteres a acompanhar as manifestações e publicadas nos jornais e transmitidas nos telejornais. Os estudantes empunhavam também cartazes, alguns com insultos dirigidos principalmente à Ministra da Educação. Vários jovens apelaram à calma durante a manifestação empunhando megafones, discordando do uso de calão e tentando impedir o confronto com a policia.

No dia seguinte, Vicente Jorge Silva escreve no Público um editorial intitulado "Estamos a assistir ao nascimento de uma geração rasca?" onde o colonista alude a comportamentos dos estudantes durante as manifestações como "expressões de má-criação, estupidez e alarvidade".[6] Jorge Silva acusa também os jovens de usarem os protestos como um pretexto e "[...] transformaram os seus cortejos num desfile de palavrões, cartazes e gestos obscenos, piadas de caserna ou trocadilhos no mais decrépito estilo das velhas 'repúblicas' coimbrãs"[7] O editor culpa também os jornais e especialmente as televisões por registar de "[...] forma frequentemente acrítica e benevolente [...] manifestações onde os sinais de festividade rasca eram já perfeitamente visíveis e intoleráveis".[7]

Referências

  1. Silva, José Miguel. «Geração À Rasca (outra vez)». Observador. Consultado em 21 de agosto de 2020 
  2. Nogueira, Alberto Pinto. «A Geração Rasca e os Velhos». PÚBLICO. Consultado em 21 de agosto de 2020 
  3. «BLITZ – Ainda os Deolinda: depois da "geração rasca", a "geração parva"?». Jornal blitz. Consultado em 18 de agosto de 2020 
  4. a b Notícias Magazine (1 de junho de 2017). «Onde é que estava durante as manifestações contra a PGA em 1992?». Notícias Magazine. Consultado em 26 de agosto de 2020 
  5. a b c d Wong, Por Bárbara. «Doze anos de protestos estudantis». PÚBLICO. Consultado em 26 de agosto de 2020 
  6. a b c d Machado Pais, José (2014). «De uma geração rasca a uma geração à rasca: jovens em contexto de crise». In: Carrano, P.; Fávero, O. Narrativas juvenis e espaços públicos: olhares de pesquisas em educação, mídia e ciências sociais. [S.l.]: Editora da UFF. pp. 71–95 
  7. a b Silva, Vicente Jorge. «Geração rasca?». PÚBLICO. Consultado em 23 de setembro de 2020