Identificação projetiva

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Identificação projetiva em psicologia, é considerada um mecanismo de defesa onde a pessoa que é alvo da projeção começa a se comportar, pensar e sentir de acordo com o aquilo que foi projetado nela.[1] Otermo foi introduzido por Melanie Klein para descrever o processo pelo qual, em uma relação íntima, como entre a mãe e o filho, casais, ou entre terapeuta e paciente, as partes do eu podem, em inconsciente fantasia ser pensadas como forçadas para a outra pessoa.[2][3]

Embora baseado no conceito de Freud de projeção,[4] a identificação projetiva representa um passo além. Nas palavras de Ronald Laing, "A pessoa não usa o Outro apenas como um gancho para pendurar projeções. O sujeito se esforça para encontrar no outro, ou induzir o outro a se tornar, a própria personificação da projeção".[5] Sentimentos que não podem ser acessados conscientemente são projetados em outra pessoa para evocar os pensamentos ou sentimentos projetados.[6]

Projective identification may be used as a type of defense, a means of communicating, a primitive form of relationship, or a route to psychological change;[7] used for ridding the self of unwanted parts or for controlling the other's body and mind.[8]

Dorpat (1994) descreve gaslighting como exemplo de identificação projetiva.[9][10]

Origem[editar | editar código-fonte]

O termo é usado pela primeira vez em uma nota de rodapé numa comunicação de 1946, apresentada à British Psychoanalytical Society (BPS) sob o título de "Notas sobre alguns mecanismos esquizoides", ela vinculou esse mecanismo ao sadismo infantil: a criança não quer simplesmente destruir a mãe, porém apossar-se dela. "Isso leva a uma forma de identificação que estabelece o protótipo de uma relação de objeto agressiva. Proponho para esses processos o nome de 'identificação projetiva'."[11]

O conceito de identificação projetiva surgiu a partir de tratamentos psicanalíticos que ela e alguns colegas estavam conduzindo com pacientes esquizoides e esquizofrênicos seriamente perturbados (Scott, 1946; Rosenfeld, 1950; Segal, 1950). Klein descreveu estados de imprecisão, falta de clareza, apatia e futilidade como resultado da separação da mente e de partes dela aniquiladas. Distinguiu a divisão do ego do modo como a repressão pode remover uma palavra ou memória da consciência, tipicamente nas parapraxias. Com frequência, ela observou que algo de que o paciente perdeu ainda é sentido pelo paciente, mas que era atribuído a algum objeto externo, talvez ao analista. Nesse sentido, um pedaço da identidade pessoal do sujeito era projetado em outra pessoa. Ela ligou essa aniquilação auto-dirigida de partes da mente ao instinto de morte, e a considerou como evidência clínica do instinto de morte, por exemplo, na experiência esquizoide comum de sentir que partes da mente estão faltando. A forma associada de projeção interfere muito especificamente no sentido do eu e da identidade.[12]

Experiência[editar | editar código-fonte]

Embora seja um conceito difícil para a mente consciente chegar a um acordo,[13] desde que sua natureza primitiva faz sua operação ou interpretação parecer mais mágica ou arte do que ciência, a identificação projetiva, no entanto, é uma ferramenta poderosa de comunicação interpessoal.[1][14]

O receptor da projeção pode sofrer uma perda tanto da identidade quanto do insight, pois eles são apanhados e manipulados pela fantasia da outra pessoa.[15] Um terapeuta, por exemplo, descreveu: "senti a extrusão progressiva de sua mãe interiorizada em mim, não como um construto teórico, mas na experiência real."[16]

A identificação projetiva difere da projeção simples na medida em que a identificação projetiva pode se tornar uma profecia autorrealizável, pela qual uma pessoa, acreditando em algo falso sobre outra, influencia ou coage aquela outra pessoa a realizar essa projeção precisa.[17] Em casos extremos, o receptor pode perder qualquer senso de seu eu real e se tornar reduzido ao portador passivo de projeções externas, como se possuído por eles.[18]

A esperança pode ser projetada por um cliente em seu terapeuta,[19][20] a agressão deixando a personalidade do projetor diminuída e reduzida,[21] alternativamente, o desejo, deixando o projetor se sentindo assexuado.[22] as partes boas/ideais da personalidade podem ser projetadas, levando à dependência do objeto de identificação;[23] igualmente os ciúmes ou inveja, talvez pelo terapeuta, no cliente.[24]

No narcisismo, projeções extremamente poderosas podem ocorrer e obliterar a distinção entre o eu e o outro.[25] Em personalidades menos perturbadas, a identificação projetiva não é apenas uma maneira de se livrar dos sentimentos, mas também de obter ajuda com eles.[26] Em uma pessoa emocionalmente equilibrada, a identificação projetiva pode atuar como uma ponte para empatia e compreensão intuitiva.[27]

Tipos[editar | editar código-fonte]

Vários tipos de identificação projetiva foram distinguidos ao longo dos anos:

  • Identificação projetiva aquisitiva[28] - onde alguém assume os atributos de outra pessoa. Diferentemente da identificação projetiva atributiva, onde alguém é induzido a se tornar a própria projeção.[29]
  • Contra-identificação projetiva - onde o terapeuta inconscientemente assume os sentimentos e o papel do paciente até o ponto em que ele age dentro da terapia dentro desse papel assumido que foi projetado nele, um passo além do terapeuta simplesmente recebendo as projeções do paciente sem agir sobre elas.[30]
  • Identificação projetiva dupla - um conceito introduzido por Joan Lachkar. Ocorre principalmente quando ambos os parceiros em um relacionamento se projetam simultaneamente. Ambos negam as projeções, ambos se identificam com essas projeções.[31]

Uma divisão também foi feita entre identificação projetiva normal e identificação projetiva patológica, onde o que é projetado é fragmentado em pedaços minúsculos antes que a projeção ocorra.[32]

Em psicoterapia[editar | editar código-fonte]

Assim como na transferência e contratransferência, a identificação projetiva pode ser uma chave em potencial para o entendimento terapêutico, especialmente quando o terapeuta é capaz de tolerar e conter os aspectos negativos indesejados do próprio paciente ao longo do tempo.[33]

A análise transacional enfatiza a necessidade de o adulto do terapeuta permanecer incontaminado, se a experiência da identificação projetiva do cliente tiver que ser compreendida de maneira útil.[34]

Os problemas de relacionamento têm sido ligados à forma como pode haver uma divisão do trabalho emocional em um casal, por meio da identificação projetiva, com um parceiro carregando aspectos projetados do outro para ambos.[35] Assim, um parceiro pode levar toda a agressão ou toda a competência no relacionamento, o outro toda a vulnerabilidade.[36] Jungianos descrever a dinâmica resultante como caracterizando um chamado "casal ferido" - identificação projetiva assegurando que cada um carrega as partes mais ideais ou mais primitivas de suas contrapartes.[37] Inicialmente, os dois parceiros podem ter sido escolhidos para essa disposição de carregar partes do eu de cada um; mas os conflitos/divisão internos projetados então são replicados na própria parceria, a resistência consciente a tal identificação projetiva[38] pode produzir por um lado culpa por se recusar a exercer a projeção,[5] e do outro a raiva devido a contrariedade da projeção.[39]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Glen O. Gabbard (1 de dezembro de 2015). Psiquiatria Psicodinâmica na Prática Clínica - 5ed. [S.l.]: Artmed Editora. p. 43. ISBN 978-85-8271-280-1 
  2. Patrick Casement (1990). Further Learning from the Patient: The Analytic Space and Process. [S.l.]: Routledge. p. 177. ISBN 978-0-415-05426-3  (em inglês)
  3. Vera Lucia Lamanno Calil (1987). Terapia Familiar e de casal. [S.l.]: Grupo Editorial Summus. p. 83. ISBN 978-85-323-0288-5 
  4. Projective identification (em inglês)
  5. a b R. D. Laing, Self and Others (Penguin 1969) p. 111 (em inglês)
  6. Michael Jacobs, Psychodynamic Counselling in Action (London 2006), p. 109 (em inglês)
  7. Quoted in Jan Grant and Jim Crawley, Transference and Projection(Buckingham 2002), p. 31 (em inglês)
  8. Patrick Casement, On Learning from the Patient (1985) p. 100n (em inglês)
  9. Dorpat, Theo. L. (1994). «On the double whammy and gaslighting». Psychoanalysis & Psychotherapy. 11 (1): 91–96. INIST:4017777. (pede subscrição (ajuda))  (em inglês)
  10. Theodore L. Dorpat (28 de outubro de 1996). Gaslighthing, the Double Whammy, Interrogation and Other Methods of Covert Control in Psychotherapy and Analysis. [S.l.]: Jason Aronson, Incorporated. p. 33. ISBN 978-1-4616-2860-6  (em inglês)
  11. Elisabeth Roudinesco; Michel Plon (1998). Dicionário de psicanálise. [S.l.]: Jorge Zahar. p. 366. ISBN 978-85-7110-444-0 
  12. "Projective Identification", International Dictionary of Psychoanalysis. Encyclopedia.com. 4 de maio de 2019 (em inglês)
  13. Priscilla Roth, 'Projective Identification', in S. Budd/R.Rusbridger eds., Introducing Psychoanalysis (2005) p. 200 (em inglês)
  14. Patrick Casement, Further Learning from the Patient (London 1990) p. 8 (em inglês)
  15. R. D. Laing, Self and Others (Penguin 1969) p. 37 (em inglês)
  16. David Cooper, The Death of the Family (Penguin 1974) p. 113–4 (em inglês)
  17. Polly Young-Eisendrath/Terence Dawson, The Cambridge Companion to Jung (Cambridge 1977) p. 227 (em inglês)
  18. T. Pitt-Aikens/A. T. Ellis, Loss of the Good Authority (Londres 1989) p. 120 and p. 133 (em inglês)
  19. Patrick Casement, Further Learning from the Patient (London 1990) p. 121-2 (em inglês)
  20. Michael Parsons, The Dove that Returns, the Dove that Vanishes (2000) p. 166 (em inglês)
  21. R. Appignanesi ed., Introducing Melanie Klein (2006) p. 127 (em inglês)
  22. Patrick Casement, Further Learning from the Patient (London 1990) p. 69–73 (em inglês)
  23. Rosalind Minsky, Psychoanalysis and Gender (1998) p. 86-7 (em inglês)
  24. Neville Symington, Narcissism: A New Theory (1993) p. 11–2 (em inglês)
  25. Hanna Segal, Klein (1979) p. 116–9 (em inglês)
  26. Patrick Casement, Further Learning from the Patient (London 1990) p. 98–9 (em inglês)
  27. Robert D. Hinshelwood, "Projective Identification" (em inglês)
  28. James S. Grotstein (1 de janeiro de 2009). Um Facho de Intensa Escuridão: O Legado de Wilfred Bion à psicanálise. [S.l.]: Bookman. p. 180. ISBN 978-85-363-2409-8 
  29. John Rowan and Michael Jacobs, The Therapist's Use of Self (Buckingham 2002) p. 42 (em inglês)
  30. Grinberg L (1962) On a specific aspect of countertransference due to the patient's projective identification (In Classics of Psychoanalytical Technique) (em inglês)
  31. The Narcissistic/Borderline Couple: A Psychoanalytic Perspective on Marital Treatment (1st ed.). New York: Brunner/Mazel, 1992. ISBN 0-87630-634-2 (em inglês)
  32. Hanna Segal,Introduction to the work of Melanie Klein (London 1964), p. 42-3 (em inglês)
  33. Harold Stewart, Psychic Experience and Problems of Technique (London 1992), p. 134 (em inglês)
  34. Petruska Clarkson, On Psychotherapy (London 1993), p. 180 and p. 184 (em inglês)
  35. Adam Phillips, On Flirtation (London 1994), p. 5 (em inglês)
  36. R. Skynner/J. Cleese, Families and how to survive them (1993) p. 47–54 (em inglês)
  37. Polly Young-Eisendrath and Terence Dawson eds., The Cambridge Companion to Jung (Cambridge 1997) p. 237 (em inglês)
  38. Polly Young-Eisendrath and Terence Dawson eds., The Cambridge Companion to Jung (Cambridge 1997) p. 227 (em inglês)
  39. Neville Symington, Narcissism: A New Theory (Londres 1993) p. 101 (em inglês)

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]