Ophiocordyceps unilateralis

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Formigas mortas infectadas com Ophiocordyceps unilateralis
Formigas mortas infectadas com Ophiocordyceps unilateralis
Classificação científica
Reino: Fungi
Filo: Ascomycota
Classe: Sordariomycetes
Ordem: Hypocreales
Família: Ophiocordycipitaceae
Gênero: Ophiocordyceps
Espécie: O. unilateralis
Nome binomial
Ophiocordyceps unilateralis
(Tul.) Petch (1931)

O Ophiocordyceps unilateralis pertence ao gênero Ophiocordyceps, um gênero de fungos entomoparasitas, ou seja, que parasitam insetos. Este gênero contém mais de 150 espécies descritas[1] e representa o táxon mais diverso, morfologicamente e ecologicamente da família Ophiocordycipitaceae[2], que por sua vez, pertence à ordem Hypocreales, classe Sordariomycetes, filo Ascomycota e reino Fungi, respectivamente.

Distribuição[editar | editar código-fonte]

O O. unilateralis ocorre predominantemente em regiões de florestas tropicais, assim como seus hospedeiros, já tendo sido relatado em regiões remanescentes de Mata Atlântica em Minas Gerais, na Zona da Mata[3]. Apesar de muitos trabalhos publicados focados em O. unilateralis infectando formigas em habitats tropicais tragam o consenso de que a ocorrência dessa interação é pouco provável em florestas temperadas[4], outros trabalhos mais recentes relatam a ocorrência de grandes populações de formigas do gênero Camponotus parasitadas pelo fungo O. unilateralis nessa região, demonstrando, portanto, sua ampla distribuição geográfica nas Américas[5].

Morfologia[editar | editar código-fonte]

Esquema da morfologia de uma "formiga zumbi" infectada por O. unilateralis

Os esporos do O. unilateralis são excepcionalmente grandes tendo de 100–200 µm de comprimento[6]. O estroma do fungo se apresenta na cor marrom escura e preta e sempre emerge da região cervical, dorsalmente na formiga. Os ascomas periteciais (região fértil) são globosos com cerca de 1 mm de comprimento e a porção estéril de sustentação apresenta de 1 a 16 mm de comprimento[7].

Ciclo de vida[editar | editar código-fonte]

O fungo inicialmente se propaga pelo corpo da formiga do gênero Camponotus e a manipula através da contaminação do seu SNC por metabólitos provenientes do microrganismo[3], dessa forma a formiga deixa seu ninho e morre mordendo folhas de arbustos ou de plantas herbáceas, no caso do O. unilateralis.

Diferentes espécies do gênero Ophiocordyceps, infectam diferentes espécies de formigas e levam a diferentes síndromes comportamentais, levando a morte desses insetos em diferentes locais que favoreçam o crescimento do microrganismo em questão, seja em galhos, gravetos ou até mesmo enterradas em musgos, como ocorre com a espécie O. kniphofioides[8][4].

Após a morte da formiga, ocorre o desenvolvimento do corpo de frutificação no animal, com a finalidade de dispersão dos esporos do fungo. Após 4 dias, surgem os primeiros sinais do estroma, sendo que após aproximadamente 20 dias ocorre o amadurecimento sexual do corpo de frutificação do microrganismo, levando cerca de 4 semanas para que os parasitas maduros sofram superparasitismo por outros fungos[4]. Através da dispersão de esporos ocorre a infecção de novas formigas, geralmente a formiga operária morre perto do ninho e infecta seus irmãos, tratando-se de uma transmissão intracolônia.

A infecção horizontal, ou seja, de um indivíduo infectado de uma colônia que leva à infecção de outra colônia, é rara, isso porque os esporos sexuais desse fungo são excepcionalmente grandes (100–200 µm de comprimento), sendo sua dispersão pelo ar pouco provável, somado ao fato de que são raras as operárias que morrem muito distantes dos seus ninhos[4].

Sobre o hospedeiro[editar | editar código-fonte]

Para completar todas as fases do seu ciclo de vida, o fungo O. unilateralis depende da infecção e manipulação de uma formiga, que na maioria dos casos investigados são do gênero Camponotus.[9]

O gênero Camponotus inclui as formigas comumente conhecidas como “formigas carpinteiras”, esse nome refere-se à sua habilidade de cavar e esculpir a madeira para a formação de suas colônias. É o maior gênero de formigas, em número de espécies, abrigando cerca de 200 espécies, contando apenas as que ocorrem na Região Neotropical. A hiperdiversidade e o polimorfismo presente nesse gênero, geram dificuldades aos pesquisadores para realizar a identificação taxonômica.[9]

Dentre as formigas carpinteiras, preferencialmente a Colobopsis leonardi, é a mais descrita como sendo parasitada por esse fungo.[9]

Comportamento e morfologia[editar | editar código-fonte]

Durante a interação do fungo O. unilateralis com a formiga hospedeira, Camponotus leonardi, é muito conservado o tropismo de seus ninhos de dossel para vegetações mais altas do sub-bosque. Em geral, o comportamento que antecede a morte é a fixação através do aparato bucal na nervura principal da folha, localizada na face abaxial de folhas de muda, localizadas, em média, entre 3 e 25 cm acima do solo. Também é bem descrito na literatura o potencial de epizootia do O. unilateralis, ou seja, sua grande disseminação e acometimento de indivíduos da mesma comunidade. Sendo assim, considerando que o encerramento do ciclo do fungo está associado ao tropismo de seus hospedeiros para regiões onde seu crescimento é ótimo, é comum encontrar nessas regiões manchas de mortalidade, chamadas de “cemitérios”.[6]

O. kniphofioides parasitando uma formiga

As alterações comportamentais dentro do hospedeiro pela relação de parasitismo cria indivíduos considerados “zumbis” visto que causam o abandono completo de suas funções dentro da colônia, entendida dentro da área dos insetos sociais como aptidão inclusiva, para a migração para os cemitérios. Sendo assim, há a abdicação involuntária de qualquer ganho de aptidão inclusiva, e ainda, redução da aptidão dos demais membros da comunidade de forma geral, já que na maioria dos casos, o local de morte coincide com as áreas de forrageamento da própria colônia, expondo-a aos esporos do O. unilateralis maduro e ao início de novos ciclos de parasitismo.[10]

As formigas parasitadas possuem forrageamento solitário e irregular, descrito na literatura como um “passeio bêbado”, sob mudas e plantas de baixo porte no sub-bosque, apresentam convulsões e espasmos irregularmente espaçados como comportamento sintomático da interação, o que ocasiona frequentemente a queda do substrato em que se localiza.[10]

O encerramento da vida das “formigas zumbis” ocorre no momento da mordida, comportamento muito conservado dentro da interação e bastante específico em todas as condições e contextos ambientais em que acontece. O evento da mordida marca a morte das formigas e inicia a fase de desenvolvimento do O. unilateralis, análises histológicas demonstraram um processo de "enraizamento" dos corpos das hifas entre as fibras musculares, circulando o cérebro e glândula pós-faríngea, bem como, no atrofiamento e estiramento do músculo das mandíbulas durante o processo da mordida final. Os mecanismos que elucidam os mecanismos da morte e fixação no substrato preferencial são pouco compreendidos, no entanto, tudo indica que estão associados à indução de uma carência energética nos sarcômeros da musculatura da mandíbula através da redução significativa de mitocôndrias e retículo sarcoplasmático. Posto isso, há um comprometimento do trabalho associado ao fluxo de íons e descontração dos músculos mandibulares, induzindo o aspecto de mandíbula travada.[10]

As formigas dão a “mordida final” na nervura da face abaxial das folhas por volta do meio-dia, indicando que a luz solar direta ou indireta, bem como a umidade e temperatura típicas desse momento podem ser gatilhos para seu desencadeamento. Elas morrem cerca de 6 horas depois, e o crescimento completo do fungo ocorre de 2 a 3 dias post mortem, quando hifas emergem das membranas intersegmentares e levam à formação do pedúnculo na parte posterior da cabeça da formiga.[10]

Altura em que os hospedeiros são encontrados[editar | editar código-fonte]

Estudos demonstram que existe uma altura ideal para que a formiga suba em uma árvore e se fixe em uma folha ou em seu tronco. Essa altura apresenta os fatores microclimáticos de luz, temperatura e umidade que otimizam e garantem ao fungo completar o seu ciclo de vida.[11]

Assim, a altura em que formigas são encontradas mortas, têm o potencial de ser um indicativo das características ecológicas necessárias para o desenvolvimento e esporulação do fungo. As pesquisas também apontam a importância de compreendermos que os efeitos da umidade no desenvolvimento do fungo devem levar em conta as características do hospedeiro, no caso as formigas, a sua morfologia.[11]

Mecanismos de defesa[editar | editar código-fonte]

Com o intuito de se defender dos parasitas, as formigas possuem alguns dos chamados "mecanismos de defesa".

  • Pode ser feita uma limpeza ou remoção de indivíduos parasitados do ninho, a fim de controlar a propagação dos parasitas, a chamada imunidade social.
  • Também há o mecanismo conhecido como "grooming"[12], que é quando os indivíduos, a fim de proteger suas colônias, colaboram na retirada de esporos de fungos e de parasitas do corpo de um dos integrantes desse grupo. Como exemplo, podemos citar as formigas do gênero Lasius, que lambem umas as outras como tática para a extração fúngica[13].
  • Ademais, há o desenvolvimento de um mecanismo nomeado de castração. Nele, iremos observar a ocorrência do parasitismo nos próprios fungos que parasitam as formigas (superparasitismo), transformando-as, mais tarde, em "zumbis". Esses parasitas também pertencem ao Reino Fungi, e tem como uma de suas funções a inibição da síntese de esporos do fungo hospedeiro, influenciando posteriormente na reprodução e continuidade do ciclo de vida dos Ophiocordyceps, assim como na dispersão e origem de novos indivíduos da espécie parasita responsável pelo fenômeno descrito previamente, as "formigas-zumbi", se tornando, então, um colaborador em um dos métodos de defesa desenvolvidos pela comunidade social das formigas hospedeiras dos O. unilateralis[13].

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. SUNG, G.; HYWEL-JONES, N. L.; SUNG, J-M.; LUANGSA-ARD, J.J; SHRESTHA, B.; SPATAFORA, J.W. 2007. Phylogenetic classification of Cordyceps and the clavicipitaceous fungi. Studies in mycology, 57: 5-59
  2. FREIRE, Fernando Mafalda. Taxonomia e distribuição de Ophiocordyceps dipterigena (Ophiocordycipitaceae, Hypocreales). 2015. 128 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Biologia de Fungos Algas e Plantas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.
  3. a b EVANS, Harry C; ELLIOT, Simon L ; HUGHES, David P. Ophiocordyceps unilateralis: A keystone species for unraveling ecosystem functioning and biodiversity of fungi in tropical forests? Communicative & integrative biology, v. 4, n. 5, p. 598–602, 2011. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3204140>.
  4. a b c d EVANS, H. C. Entomogenous fungi in tropical forest ecosystems: an appraisal. Ecological Entomology, v. 7, n. 1, p. 47–60, 1982. Disponível em: <https://doi.org/10.1111/j.1365-2311.1982.tb00643.x>.
  5. DE BEKKER, Charissa; QUEVILLON, Lauren E; SMITH, Philip B; et al. Species-specific ant brain manipulation by a specialized fungal parasite. BMC Evolutionary Biology, v. 14, n. 1, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1186/s12862-014-0166-3>.
  6. a b ANDERSEN, Sandra B.; FERRARI, Matthew; EVANS, Harry C.; et al. Disease Dynamics in a Specialized Parasite of Ant Societies. PLoS ONE, v. 7, n. 5, p. 1-8, 2012. Disponível em: <https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0036352>.
  7. DE ANDRADE, Carlos Fernando S.; Epizootia natural causada por Cordyceps unilateralis (Hypocreales, Euascomycetes) em adultos de Camponotus sp. (Hymenoptera, Formicidae) na região de Manaus, Amazonas, Brasil . Acta Amazonica, v. 10, n. 3, p. 671–677, 1980. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1809-43921980103671>.
  8. NETO, Cardoso; ARAGÃO, José;. O efeito da umidade e de fatores edáficos na dinâmica de infecção e na manipulação comportamental de formigas infectadas por fungos entomopatogênicos em uma floresta de terra firme da Amazônia Central. Ufam.edu.br, 2016. Disponível em: <https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/5453>.
  9. a b c BUENO, Odair Correa; Campos, Ana Eugênia; Morini Maria Santina. Formigas em ambientes urbanos no Brasil. Edição 1. Bauru, SP: Canal 6, 2017.
  10. a b c d HUGHES, David P; ANDERSEN, Sandra B; HYWEL-JONES, Nigel L; et al. Behavioral mechanisms and morphological symptoms of zombie ants dying from fungal infection. BMC Ecology, v. 11, n. 1, p. 13, 2011. Disponível em: <https://bmcecol.biomedcentral.com/articles/10.1186/1472-6785-11-13>.
  11. a b ANDRIOLLI; SARTI, Fernando. Zumbis buscam a luz? Camponotus atriceps infectadas por Ophiocordyceps camponoti-atricipis morrem em locais mais iluminados na Amazônia Central Brasileira. Inpa.gov.br, 2017. Disponível em: <https://repositorio.inpa.gov.br/handle/1/12031>.
  12. FERREIRA, Luiz Fernando. O fenômeno parasitismo. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 7, n. 4, p. 261–277, 1973. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0037-86821973000400006>.
  13. a b Fungos que transformam formigas em “zumbis” estão sob ataque de outro fungo. VEJA, 2016. Disponível em: >https://veja.abril.com.br/ciencia/fungos-que-transformam-formigas-em-zumbis-estao-sob-ataque-de-outro-fungo<.