Tabaxir

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O tabaxir forma-se dentro dos entrenós de certas canas de bambu.

O tabaxir[1] ou taquer[2] trata-se da substância cristalina, translúcida e esbranquiçada, de travo adocicado, que se obtém das cavidades dos entrenós de certas variedades de bambu[3], como a Bambusa arudinacea[4][5].

Etimologia[editar | editar código-fonte]

O termo «tabaxir» entrou no português pelo árabe, tabachir[5], que por seu turno terá vindo para essa língua por via do persa, tabāshīr[1], que significa «leite, sumo ou ressumação de cana».[6][7]

Sendo que, em última análise, o termo persa advém do étimo sanscrito tavak-ksira (ou tvak-ksira, que significa «sumo vegetal»).[8]

Variedades[editar | editar código-fonte]

Há duas variedades de tabaxir, a clara, que apresenta uma coloração esbranquiçada ou amarelada, e a azul, que exibe uma tonalidade azul-pálida.[9]

História[editar | editar código-fonte]

O tabaxir foi descoberto na Índia clássica, tendo sido exportado para o Antigo Egipto e para a China.[8]

China[editar | editar código-fonte]

A primeira abonação na literatura chinesa conhecida, a respeito deste produto e com alusão à sua proveniência indiana, encontra-se na Materia Medica publicada no período K'ai-pao (968-976 a.C).[8][10] No início, os chineses importaram este produto da Índia, sendo que terão descoberto algumas das suas propriedades medicinais graças a contactos mantidos com os mercadores indianos.[8][11] Nesta toada, cumpre notar que uma das designações clássicas que deram ao tabaxir foi Tien-tu hwan ( que significa «amarelo da Índia»).[8]

Mais tarde, os chineses passaram a extrair esta substância dos bambus existentes no seu território.[8] Pelo que juntavam ao tabaxir mais ingredientes, por molde a deixá-lo mais ao gosto do seu paladar, como sendo a farinha de osso, a fécula extraída do rizoma de uma variedade regional de inhame, a Pachyrhizus angulatus[12], entre outros.[8]

Na obra clássica Pen ts'ao yen, tratado de medicina herbalista, publicado no séc. XII[13], discorre-se a respeito desta substância, referindo-se que se tratava de um produto natural derivado do bambu, da cor do loesse.[8] Ulteriormente, o nome desta substância mudou na China, passando a designar-se 竹黃 Zhú huáng (o que significa «amarelo-bambu») ou 竹油脂 Zhú yóu (que significa «sebo de bambu»).[8] Os chineses clássicos, esguardavam o tabaxir como um derivado do bambu, ao arrepio da concepção indiana clássica, que o entendia como uma espécie de pérolas vegetais. [7]

Roma[editar | editar código-fonte]

Claude Saumaise, autor francês do séc. XVII[14], terá sido o primeiro autor a defender a tese, aceite apenas por alguns historiadores da era moderna, de que o « σάκχαρον » ou «sacharon» mencionado por autores clássicos, como Plínio, o Velho e Dioscórides, não se trataria do açúcar, na nossa concepção moderna, mas do tabaxir.[9]

Arábia[editar | editar código-fonte]

Abū Dolaf[15], escritor e poeta árabe, que terá vivido na corte Samânida de Naṣr b. Aḥmad[16] em Bucara, em 940 a.C.[15], foi o mais antigo autor árabe a fazer menção desta substância, nos seus relatos a respeito das viagens que fizera pela Ásia Central.[7]

Este autor reputava a origem do tabaxir à região de Mandura Patan, no Noroeste da India[15]. Mais tarde, no séc. XIII, de acordo com Abulfeda, a principal zona de produção do tabaxir passou a situar-se na região de Tana, na ilha indiana de Salsete, a vinte milhas de Bombaim.[7]

Para estes dois autores árabes, o tabaxir provinha de certas variedades de juncos, que, quando secos, tinham boas propriedades combustíveis, sendo que só se podia obter a substância depois de queimados.[7][15]

Contudo, esta posição não era unânime no mundo islâmico, já no séc. XII, autores como ibne Albaitar tinham tentado rebater essa ideia, afirmando, por seu turno, que o tabaxir advinha da cana-de-açúcar indiana, podendo provir de qualquer zona costeira da Índia e não havendo qualquer necessidade de as queimar, porquanto o líquido ressumava naturalmente de dentro das cavidades dos entrenós da cana.[7]

O tabaxir foi uma substância muito valorizada pela medicina árabe clássica, orçando elevados preços, tendo chegado inclusive a valer o seu peso em prata.[7]

Itália[editar | editar código-fonte]

O missionário italiano do séc. XIV, Odorico da Pordenone[17], chegou a aludir ao tabaxir, sendo certo que lhe fez atribuições apócrifas, confundindo-o por vezes com o bezoar.[18] No relato das suas viagens pelo Oriente, menciona que lhe haviam contado que, nas florestas do Bornéu, as canas de bambu segregavam cristais que, se usados pelos homens como amuletos, lhes davam imunidade às armas de ferro, pelo que todos os guerreiros dessas terras se ataviavam com eles.[18]

Portugal[editar | editar código-fonte]

O botânico português Garcia da Orta, na sua obra «Colóquio dos Simples e Drogas da Índia»[6], em 1563, discorreu a respeito do tabaxir.[7]

Também fez menção às mesmas canas inflamáveis, que os sobreditos autores árabes, mas não defendia que o tabaxir se obtivesse da combustão das mesmas.[7] [19]Em vez disso, mencionou que o tabaxir é obtido dos entrenós das canas, que geram muita humidade[19], a qual adquire um aspecto de amido, quando coalhada.[20]

Na sua obra, Garcia da Orta descreve ainda como, na região de Goa, os carpinteiros indianos, que trabalhavam estas canas, se serviam deste líquido espesso ou da fécula dele coalhada, aos quais davam o nome de Sáccar Mambu ( que significava «açúcar de cana»)[21][22], para fazer aplicações na zona lombar e renal, para aliviar dores.[20] [18]Também as usando em compressas, apostas à testa, para aliviar dores de cabeça.[20] Informava ainda que os sábios indianos recomendavam o seu uso consumo para combater febres e disenteria.[20][18]

Alemanha[editar | editar código-fonte]

Johan Albrecht de Mandelslo, aventureiro alemão do séc. XVII, nos relatos das suas viagens pelo Oriente dá a seguinte conta do tabaxir[18][23]:

«É certo que na costa do Malabar, na costa do Coromandel, em Bisnagar e nas cercanias de Malaca, há uma variedade de cana, com o nome de mambu (bambu), que produz uma droga, a que chamam sacar mabu, o que quer dizer "açúcar dos mambus". Os árabes, os persas e os mouros chamam-lhe tabaxir, por referência a esta substância, quando está na forma de um licor branco cristalizado. As canas de mambu que podem ser tão grandes como salgueiros, têm ramos que vão a direito e folhas mais compridas do que as da oliveira. Dividem-se em nós, onde se forma a tal matéria esbranquiçada, como amido, muito prezada pelos persas e pelos árabes, que a compram pelo seu peso em prata e dela se servem no âmbito da física, para tratar de febres.»

Propriedades[editar | editar código-fonte]

Reputam-se uma série de propriedades medicinais ao tabaxir, que é tido como um antipirético, antiespasmódico, antiparalítico, restaurativo[24][25] e até mesmo afrodisíaco.[26]

Referências

  1. a b Infopédia. «tabaxir | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». Infopédia - Porto Editora. Consultado em 15 de abril de 2022 
  2. «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de taquer». aulete.com.br. Consultado em 15 de abril de 2022 
  3. Orta, García da (2014). Coloquios dos simples e drogas da India. Lisboa: Editorial MAXTOR. p. 307. 443 páginas. ISBN 8490014515  «Nota 1 O espódio vegetal ou tabaxir, que faz assumpto d'este Coloquio, é uma conhecida concreção siliciosa, depositada nas cavidades dos entrenós dos bambus Bambusa arundinacea e, segundo dizem, de outras espécies do mesmo género. Não é, no emtanto, uma substancia muito vulgar, pois, como já Orta advertia, se não encontrava em todas as plantas, e só excepcionalmente em algumas, desenvolvidas em condições especiaes de vegetação»
  4. «Bambusa arundinacea». hort.purdue.edu. Consultado em 15 de abril de 2022 
  5. a b «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de tabaxir». aulete.com.br. Consultado em 15 de abril de 2022 
  6. a b Orta, García da (2014). Coloquios dos simples e drogas da India. Lisboa: Editorial MAXTOR. p. Lisboa. ISBN 8490014515 
  7. a b c d e f g h i Laufer, Berthold (1919). Sino-Iranica: Chinese Contributions to the History of Civilization in Ancient Iran, with Special Reference to the History of Cultivated Plants and Products (em inglês). Harvard, USA: Field Museum of Natural History. p. 351. 446 páginas. ISBN 0608021083. doi:10.20676/00000248 
  8. a b c d e f g h i Laufer, Berthold (1919). Sino-Iranica: Chinese Contributions to the History of Civilization in Ancient Iran, with Special Reference to the History of Cultivated Plants and Products (em inglês). Harvard, USA: Field Museum of Natural History. p. 350. 446 páginas. ISBN 0608021083. doi:10.20676/00000248 
  9. a b Watt, Sir George (1889). A Dictionary of the Economic Products of India (em inglês). Oxford: Periodical Experts. pp. 384–385. ISBN 9781145544048 
  10. Stuart, G. A. (George Arthur) (2013). Chinese Materia Medica... (em inglês). Saskatoon, Canadá: HardPress. p. 64. 572 páginas. ISBN 1314905783 
  11. Laufer, Berthold (1919). Sino-Iranica: Chinese Contributions to the History of Civilization in Ancient Iran, with Special Reference to the History of Cultivated Plants and Products (em inglês). Harvard, USA: Field Museum of Natural History. p. 351. 446 páginas. ISBN 0608021083. doi:10.20676/00000248  «The knowledge of this product and the product itself first reached the Chinese from India, and naturally induced them to search for it in their own bamboos.»
  12. «Short-Podded Yam-Bean. (Pachyrhizus angulatus, Rich.)». Bulletin of Miscellaneous Information (Royal Botanic Gardens, Kew) (29): 121–121. 1889. ISSN 0366-4457. doi:10.2307/4113226. Consultado em 15 de abril de 2022 
  13. Hou, Joseph P. (1 de janeiro de 1977). «The Development of Chinese Herbal Medicine and the Pen-ts'ao». The American Journal of Chinese Medicine (02): 117–122. ISSN 0192-415X. doi:10.1142/S0147291777000192. Consultado em 15 de abril de 2022 
  14. «Claudius Salmasius | French scholar | Britannica». www.britannica.com (em inglês). Consultado em 15 de abril de 2022 
  15. a b c d Ferrand, Gabriel (1913). Relations de voyages et textes géographiques arabes, persans et turks relatifs à l'Extreme-Orient du 8e au 18e siècles; traduits, revus et annotés. Paris: E. Leroux. p. 89. OCLC 669772001 
  16. Bosworth, C. E. (24 de abril de 2012). «Naṣr b. Aḥmad b. Ismāʿīl». Brill. Encyclopaedia of Islam, Second Edition (em inglês). Consultado em 15 de abril de 2022 
  17. Infopédia. «Odorico da Pordenone - Infopédia». Infopédia - Porto Editora. Consultado em 15 de abril de 2022 
  18. a b c d e Laufer, Berthold (1919). Sino-Iranica: Chinese Contributions to the History of Civilization in Ancient Iran, with Special Reference to the History of Cultivated Plants and Products (em inglês). Harvard, USA: Field Museum of Natural History. p. 352. 446 páginas. ISBN 0608021083. doi:10.20676/00000248 
  19. a b Orta, García da (2014). Coloquios dos simples e drogas da India. Lisboa: Editorial MAXTOR. p. 304. ISBN 8490014515  «8...) que porque punham foguo ás canas, ficava daquella cor; mas depois soube a verdade, porque ás vezes não poem foguo no mato das canas e muytas dellas o [tabaxir] dam, que nunqua viram foguo; por onde parecer ser a verdade ser da muyta humidade que corre a elle: e asi me foy dito a mim por Indios da terra.»
  20. a b c d Clemens, Markham (1914). «Review of Colloquies on the Simples and Drugs of India». Journal of the Royal Asiatic Society of Great Britain and Ireland: 409–411. ISSN 0035-869X. Consultado em 15 de abril de 2022 
  21. Orta, García da (2014). Coloquios dos simples e drogas da India. Lisboa: Editorial MAXTOR. p. 304. ISBN 8490014515  «como ja vos dixe, lhe chamam os Indios saccar mambu»
  22. Chongtham, Nirmala; Bisht, Madho Singh (2020). Bamboo Shoot: Superfood for Nutrition, Health and Medicine (em inglês). [S.l.]: CRC Press. 270 páginas. ISBN 0367467410 
  23. Olearius, Adam; Davies, John; Dring, Thomas; Starkey, John; Mandelslo, Johann Albrecht von (1662). The voyages & travels of the ambassadors sent by Frederick Duke of Holstein, to the Great Duke of Muscovy, and the King of Persia, begun in the year M. DC. XXXIII. and finish'd in M. DC. XXXIX.: containing a compleat history of Muscovy, Tartary, Persia, and other adjacent countries, with several publick transactions reaching neer the present times : in VII books : whereto are added the Travels of John Albert de Mandelslo, (a gentleman belonging to the embassy) from Persia, into the East-Indies. Containing a particular description of Indosthan, the Mogul's Empire, the Oriental Ilands [sic], Japan, China, &c. and the revolutions which happened in those countries, within these few years. In III. books : the whole work illustrated with divers accurate mapps, and figures (em English). London: Printed for Thomas Dring, and John Starkey, and are to be sold at their shops, at the George in Fleet-Street, neer Clifford's-Inn, and at the Mitre, between the Middle-Temple-gate and Temple-Barr. OCLC 2129317 
  24. Watt, George; Edgar Thurston (1885). A dictionary of the economic products of India. [S.l.]: Department of Revenue and Agriculture, Government of India, 1885. ... the σάκχαρον of the Greeks was tabasjeer 'beyond all controversy' ... The Sanscrit name for tabascher is tvakkschira, bark milk ... called Bansolochan (or tabashir) is supposed to be efficacious in paralytic complications, flatulency, and poisoning cases ... a stimulant and aphrodisiac ... a febrifuge ... 
  25. Watt, sir George (1885). A dictionary of the economic products of India (em inglês). Oxford, UK: Oxford University. p. 84-86. ISBN 9781145544048. OCLC 6353794 
  26. Duke, James A. «Bambusa arundinacea». hort.purdue.edu. Consultado em 15 de abril de 2022