Cômputo pascal

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O cômputo pascal ou também cômputo eclesiástico - em latim computus ou compotus - é uma variante do cômputo como cálculo em geral mas aplicado ao cálculo do tempo da data apropriada para celebrar o domingo de Páscoa em cada ano dentro do calendário eclesiástico[1]

Alexandre de Villa Dei (* ca. 1175 + ca. 1240) quando ensinou o cômputo na Universidade de Paris distinguia entre cômputo filosófico e cômputo vulgar ou eclesiástico[2].

Origens do cômputo pascal[editar | editar código-fonte]

O cômputo pascal ou cômputo eclesiástico foi desenvolvido pelos cristãos a partir do cálculo da festa da Páscoa da tradição judaica, a Pessach, e que Jesus Cristo e os seus apóstolos celebraram e recriaram de acordo com a Última Ceia e a vida, paixão, morte e ressurreição de Cristo como é narrada nos Evangelhos, nos Atos dos Apóstolos e outros documentos do Novo testamento.

A data da Páscoa judaica estava indicada no livro do Êxodo, 12:1-11[3] e em vários outros livros do Antigo Testamento.

A Última Ceia de Cristo foi celebrada de acordo com essas tradições[4].

Nas Cartas do Apóstolos não se encontra nenhuma data específica mas é provável que seguissem inicialmente as tradições judaicas, sem exigência do mesmo dia, e a pouco e pouco mudassem a data para o primeiro dia da semana para recordar o dia da ressurreição de Jesus[5].

Até ao século IV não parece ter havido uma data comum igual entre os cristãos, embora a preferência fosse para o domingo seguinte à data da páscoa judaica.

No primeiro Concílio de Niceia, no ano de 325, ficou estabelecido que a Páscoa deveria ser sempre celebrada no primeiro domingo que se segue à lua cheia pascal, que ocorre no dia do equinócio da primavera ou logo a seguir. O domingo corresponde ao dia do sol da tradição romana da semana dos dias dos astros ou dos dias dos deuses da astrologia romana, à época desse concílio. A data do equinócio da primavera passou a ser no dia 21 de Março como então ocorria. A lua cheia pascal corresponde à lua 14 do primeiro mês lunar que ocorre no dia do equinócio ou logo a seguir, mantendo a referência ao primeiro mês judaico da Páscoa, o mês de Nissan.

A utilidade do cômputo pascal[editar | editar código-fonte]

É necessário efetuar um cálculo por várias razões:

(a) por um lado a festa da Páscoa é uma festa móvel, isto é, não ocorre todos os anos numa data fixa do calendário juliano ou do calendário gregoriano, porque depende de vários ciclos de tempo com intervalos diferentes: a data anual do equinócio da primavera, a data da lua cheia pascal e da sequência dos domingos de cada ano;

(b) por outro lado, como a festa principal do domingo de Páscoa é antecedida de outras festas móveis - como a Quaresma -, precedida pelos domingos da Septuagésima, da Sexagésima, da Quinquagésima e da Quarta-feira de Cinzas, esta sempre associada à festa do Carnaval ou Entrudo no dia anterior, tornou-se habitual, desde o século IV anunciar antecipadamente as datas do domingo de Páscoa de um determinado ano juntamente com as outras festas móveis que o antecedem ou que lhe sucedem - os dias da Ladainhas ou Rogações,[6] Ascensão, Pentecostes e a quinta-feira do Corpus Christi.

Realizado o cálculo ou cômputo do domingo de Páscoa, por exemplo na sede do Bispado, a informação era enviada por carta para todas as igrejas, mosteiros e párocos, a tempo de se fazer o seu anúncio umas vezes durante a missa de Natal (25 de dezembro), outras vezes na festa da Epifania (6 de janeiro), com a indicação do número de semanas e de dias que ocorreriam em cada ano desde essa data até ao domingo da Septuagésima, ou mais comumente até à Quarta-feira de Cinzas.

O intervalo das Festas móveis[editar | editar código-fonte]

O tempo religioso e litúrgico da Páscoa com as festas móveis dela dependentes inclui uma período móvel de celebrações e ritos que se estendem por muitas semanas ao longo de cerca de cinco meses: desde o domingo da Septuagésima, que se celebra 63 dias antes da Páscoa pois pode ocorrer a 18 de Janeiro e a festa do Corpus Christi, que se celebra 60 dias depois da Páscoa, pode chegar a ser celebrada a 24 de Junho.

Exemplos: 1. neste ano de 2023 a Páscoa ocorreu a 9 de abril, a Septuagésima a 5 de fevereiro e o Corpus Christi a 8 de junho.

2. no próximo ano de 2024, um ano bissexto, a Páscoa ocorrerá a 31 de março, a Septuagésima a 28 de janeiro e o Corpus Christi a 30 de maio.

Cada uma destas festas móveis da liturgia cristã tem um intervalo de 35 dias entre o primeiro e o último dia possível para a sua celebração.

Por exemplo, o domingo de Páscoa pode ocorrer entre o dia 22 de Março e o dia 25 de Abril, necessariamente sempre num domingo depois do equinócio da primavera e que não coincida com o dia da lua cheia pascal.

História do cômputo pascal[editar | editar código-fonte]

Neste sentido pode dizer-se que o cômputo eclesiástico se tornou na Idade Média uma ciência ou uma arte do tempo, definido pelos movimentos do Sol e da Lua e pelo ciclo da semana, pois ficou naturalmente associado ao calendário juliano, e depois ao calendário gregoriano.

O cômputo eclesiástico inclui vários conhecimentos prévios necessários, que se estabeleceram a partir do modelo de cômputo de Dionísio, o Exíguo e do trabalho de sistematização do venerável Beda[7].

O modelo de cômputo pascal do calendário grego usado no Patriarcado de Alexandria (Egipto) foi transposto para o calendário juliano pelo monge Dionísio o exíguo (475 + 544) que elaborou uma Tabela pascal para 95 anos - do ano 532 até 626 da Era de Cristo -, isto é cinco ciclos do ciclo lunar de 19 anos, completada com um conjunto de regras para a compreensão do seu modelo, ao mesmo tempo que substituiu os anos datados pela Era de Diocleciano pelos anos da Era de Cristo / Anno Domini.

No século VIII o monge Beda (* ca. 672 ou 673 + 735) organizou todos os conhecimentos à volta do cômputo pascal a partir do modelo de Dionísio, o Exíguo, e divulgou-os aos seus discípulos através de dois livros principais - o De temporibus em 703 e o De temporum ratione em 525 - que tiveram uma grande influência nos séculos seguintes, além da sua História eclesiástica do povo inglês[8].

Nos séculos seguintes o modelo de cômputo pascal de Dionísio, o Exíguo e Venerável Beda torna-se conhecido em todas as regiões da Europa, em vez do uso dos concorrentes preferiu-se o uso das letras dominicais, o modelo de Tábuas pascais foi simplificado para permitir o cálculo de qualquer ano futuro, e por volta do século X encontramos estes elementos presentes nos livros litúrgicos de mosteiros e igrejas.

Cômputo eclesiástico no mês de março de um calendário manuscrito do século XIII do Mosteiro de Alcobaça. Destaca-se a numeração romana dos 19 números áureos na coluna à esquerda, na coluna seguinte as letras dominicais, depois o modelo de datação romana com calendas / KL e Nonas e ainda outros elementos: embol' (embolismo), Epacta (epacta), lune pascal (Lua pascal).

O cômputo pascal ou eclesiástico é geralmente identificados pelos conceitos de:

- número áureo e o ciclo lunar de 19 anos,

- concorrente,

- letra dominical,

- ciclo solar,

- epacta,

- indicção,

- Chave do cômputo pascal,

- e ainda outros menos comuns como os regulares solares' e regulares lunares.

Os estudiosos e peritos no cômputo pascal ou eclesiástico eram conhecidos como computistas.

Nem todos os conceitos foram sempre utilizados e alguns acabaram por ser substituídos por outros.

O estudo do cômputo[editar | editar código-fonte]

Pela importância da celebração cristã da Páscoa, o estudo e aprendizagem do cálculo ou cômputo pascal tornou-se muito importante em particular nas sedes dos Patriarcados ou bispados em cidades de referência como Roma, Bizâncio/Constantinopla e Alexandria.

O estudo do cômputo era uma das matérias do ensino das disciplinas universitárias do quadrivium, associada à aritmética e à astronomia e designava o conjunto de operações e conceitos usados para fazer contas, calcular ou contar.

No âmbito dos estudos eclesiásticos, o cômputo eclesiástico reúne todo o sistema de cálculo usado para determinar o dia do domingo de Páscoa e de todas as festas móveis.

As mãos e os dedos da mãos foram igualmente muito usados ao longo da Idade Média para ajudar no cômputo da Páscoa, conhecido como cômputo manual ou ars manualis (Arte manual)[9]..

O cômputo eclesiástico também foi introduzido em vários relógios astronómicos como por exemplo no Relógio astronómico da Catedral de Estrasburgo[10].

Referências

  1. Ver Cálculo da Páscoa.
  2. Alexander de Villa Dei, Massa compoti: Robert Steele. «Opera hactenus inedita Rogeri Baconi... Massa compoti Alexandri de Villa Dei ...» (em latim). p. 268-283. Consultado em 19 de julho de 2023 .
  3. "O Senhor disse a Moisés e a Aarão na terra do Egipto: «Este mês será para vós o primeiro dos meses; ele será para vós o primeiro dos meses do ano... É a Páscoa em honra do Senhor»".
  4. Ver evangelhos de Marcos, 14:12-14 "No primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava a Páscoa, os discípulos perguntaram-lhe: «Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?»" e lugares paralelos no de Mateus 26:17 e de Lucas 22::7-8.
  5. Ver evangelhos de Marcos cap. 16:2, de João cap. 20:1 e de Lucas cap. 24:1. O primeiro dia da semana era o dia seguinte ao sábado judaico e mais tarde foi identificado como domingo, o dia do Senhor.
  6. Integradas no ciclo anual das quatro estações com os ritos da Têmporas.
  7. O texto da tábua pascal de Dionísio, o Exíguo pode ser consultado nos documentos Cyclus Decemnovennalis Dionysii ou Liber de Paschate indicados na bibliografia.
  8. Historia ecclesiastica gentis Anglorum, obra terminada por volta do ano 731, onde pela primeira vez introduziu a datação dos acontecimentos históricos por referência à Era de Cristo / Anno Domini de acordo com o cálculo de Dionísio, o Exíguo.
  9. Ars Manualis aparece como título de um capítulo de um manuscrito do século XV da antiga Biblioteca do Mosteiro de Alcobaça também dedicado ao cômputo pascal: «[Ordinário do Ofício Divino da Ordem de Cister] ; Ars Manualis» , fol 166 em diante.
  10. «Comput ecclésiastique de la Catédral de Strasburg (O cômputo eclesiástico na Catedral de Estrasburgo)» .

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Venerável Beda:
    • Faith Wallis, trad, intr, notas e comentários. Bede: The Reckoning of Time, Liverpool: Liverpool Univ. Pr., 1999/2004. ISBN 0-85323-693-3.
    • Faith Wallis . "“The Church, the World and the Time: Prolegomena to a History of the Medieval Computus” (A Igreja, o mundo e o tempo: prolegómenos para uma história do cômputo medieval)" . in Normes et pouvoirs à la fin du Moyen Âge, ed. Marie-Claude Desprez-Masson y Regis Veyardier, Montreal, 1989, p. 15-29.

Ver também[editar | editar código-fonte]

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