Capitulação em conclave

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Papa Inocêncio VI, o primeiro papa a concordar com uma capitulação, e o primeiro a ignorá-la

Uma capitulação em conclave é uma capitulação feita pelo Colégio dos Cardeais durante um conclave, que visa compelir as acções do Papa eleito nesse conclave. Geralmente, todos os cardeais juram mantê-la no caso de serem eleitos como papa, e a capitulação tem de estar definida e terminada antes do primeiro escrutínio (votação).[1] As capitulações eram parte integrante das estratégias do Colégio Cardinalício para limitar a primazia papal e "fazer a Igreja uma oligarquia e não uma monarquia."[2]

História[editar | editar código-fonte]

O Colégio dos Cardeais fez tentativas informais de influenciar as acções dos papas antes de redigir capitulações formais.[3] A primeira capitulação foi redigida no conclave de 1352, onde foi eleito o Papa Inocêncio VI,[4][5] e a maior parte dos conclaves nos 300 anos seguintes teria documentos similares.[6]

Em 1353, Inocêncio VI declarou a primeira capitulação inválida pela sua Constituição Apostólica, Sollicitudo, referindo uma Constituição do Papa Gregório X, Contingit,[5] proibindo os conclaves de lidar com questões que fosse além da eleição do Papa. Esta tendência iria continuar nas futuras capitulações, que foram geralmente ignoradas.[6] Por este motivo, o historiador papal Frederic Baumgartner chama às capitulações "um exercício de futilidade."[7] Outro historiador papal, Van Dyke, conclui que pela eleição do Papa Sisto IV (1471), "todos os Papas durante quarenta anos assinaram e rapidamente quebraram" a "Capitulação do Conclave."[8] Jugie considera o "recurso regular da capitulação" ser "sobretudo, uma admissão de fraqueza."[4]

Embora não seja a última capitulação, a do conclave de 1513 (no qual foi eleito o Papa Leão X) foi um ponto de viragem para a questão da supremacia papal e para as tentativas de controlar o conclave por tratados formais; nunca mais o Colégio tentou limitar a dimensão do Colégio dos Cardeais por capitulações; embora os cardeais de forma individual tenham continuado poderosos, o Colégio como um todo nunca voltou a ter o poder de "senado" da Igreja.[9]

Em 1676, o papa-eleito Inocêncio XI fez o Colégio jurar a capitulação redigida no conclave anterior antes de aceitar a sua eleição.[10]

A Constituição Universi Dominici Gregis do Papa João Paulo II (de 1996) baniu a prática defunta das capitulações em conclave bem como o veto papal, outra prática em conclave que já estava de facto eliminada.[11]

"Proíbo aos Cardeais, antes da eleição, entrarem em quaisquer cláusulas, comprometendo-se de comum acordo com um determinado curso de acção, deva um deles ser elevado ao Pontificado. Essas promessas também, seja sob que circunstância terem sido feitas, mesmo sob juramento, são declaradas nulas e sem efeito."[12]

Lista de capitulações em conclave[editar | editar código-fonte]

Ano(s) do conclave Papa eleito Termos Notas
1352[6] Inocêncio VI Colégio de Cardeais limitado a 20; nenhum novo cardeal até apenas 16 restarem
Dois terços do Colégio são precisos para aprovar a criação, excomunhão, privação de sufrágio, ou redução da propriedade ou rendimento de cardeais, ou petição de subsídios a soberanos ou cleros nacionais
Colégio garantiu poder de veto às decisões e políticas papais
Todo o rendimento papal partilhado com o Colégio
Primeira capitulação papal[4]
Declarada inválida por Inocêncio VI em 1353
1431[3] Eugénio IV Metade do rendimento papal partilhado com o Colégio Cardinalício
Nenhuma questão maior seria decidida sem o consentimento do Colégio
Eugénio IV emitiu uma bula para colocar a capitulação em prática, mas mais tarde retirou-a
Tentou desfazer as reformas do Papa Martinho V, que tinha retirado ao Colégio o controlo dos rendimentos da Igreja[13]
1458[14] Pio II Rendimento dos cardeais mais pobres; e cruzada contra os turcos otomanos
1464[15][16] Paulo II Continuação da cruzada contra os turcos
Deixar Roma só com o consentimento da maioria dos cardeais; Itália com o consentimento de todos
Colégio dos Cardeais limitados a 24
Novo papa limitado a um cardeal-sobrinho
Criação de cardeais ou avanço de benefícios só com o consentimento do Colégio
Similar às de 1431 e 1454
A maior parte dos três dias de conclave foi gasto a redigir a capitulação[17]
Cardeal Trevisan não a subscreveu
Paulo II criou três cardeais-sobrinhos
1471[18] Sisto IV Continua a cruzada contra os turcos Menos limitações ao poder papal
Cardeal Basilios Bessarion saiu dos favores da eleição ao rejeitar a capitulação[19]
1484[20] Inocêncio VIII Os cardeais protegeram os governantes seculares de retaliações relacionadas com o conclave
Novo papa limitado a um cardeal-sobrinho
Colégio dos Cardeais limitados a 24
1492[21] Alexandre VI Limite à criação de novos cardeais Sem mais termos conhecidos
Agosto-Setembro de 1503[22] Pio III Estipêndio papal de 2400 ducados por ano para os cardeais com rendimento anual menor que 6,00 ducados
Conselho Geral em dois anos, e a cada cinco anos após isso[23]
Colégio Cardinalício não limitado a 24 membros
Outubro de 1503[24] Júlio II Nenhum Mais curto conclave de sempre
1513[25] Leão X Colégio dos Cardeais limitado a 24[26]
Continua a cruzada contra os turcos sem taxar os cardeais
Reforma da Cúria Romana
1523[7] Adriano VI Desconhecidos Chamado "exercício de futilidade como sempre" por Baumgartner[7]
1549-1550[27] Júlio III Similar ao de 1523 Ippolito II d'Este atrasou negociações de capitulação por três dias para tentar comprar tempo para que mais cardeais franceses chegassem ao conclave
Elaborado por seis cardeais eleitos pelo Colégio[28]
1559[29] Pio IV Papa proibido de ameaçar com guerra um príncipe católico (como o Papa Paulo IV tinha feito com Espanha)
Concílio de Latrão reveria
1585[30] Sisto V Continua a guerra de cruzada contra os turcos, faz a paz com os monarcas católicos, completa a construção da Basílica de São Pedro (que já levava sete décadas) Curta menção de privilégios ou sobre a dimensão do Colégio Cardinalício
Setembro de 1590[31] Urbano VII Nenhuma conhecida
1669-1670[10] Clemente X Reforma do clero, independência de poderes seculares, restauração do papel conselheiro dos cardeais
1676[10] Inocêncio XI Como o de 1670 Único por o papa-eleito ter feito os cardeais jurar a capitulação antes de aceitar o papado

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Baumgartner, Frederic J. 2003. Behind Locked Doors: A History of the Papal Elections. Palgrave Macmillan. ISBN 0312294638.
  • Levillain, Philippe, ed. 2002. The Papacy: An Encyclopedia. Routledge. ISBN 0415922283.
  • Pastor, Ludwig. 1908. The History of the Popes. K. Paul, Trench, Trübner & Co., Ltd.
  • Setton, Kenneth Meyer. 1984. The Papacy and the Levant, 1204-1571: The 13th & 14th Centuries. DIANE. ISBN 0871691140.
  • Van Dyke, Paul. 1897. The Age of the Renascence. The Christian Literature Co.
  • Walsh, Michael. 2003. The Conclave: A Sometimes Secret and Occasionally Bloody History of Papal Elections. Rowman & Littlefield. ISBN 158051135X.

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • Archivo Segreto Vaticano, Conclavi di vari Pontifici, da Pio II a Innocente X, fol. 132 ff. Textos de Capitulação dos 22 conclaves entre 1503 e 1644.

Notas e referências[editar | editar código-fonte]

  1. Baumgartner, 2003, p. xiii.
  2. Van Dyke, 1897, p. 172.
  3. a b Baumgartner, 2003, p. 68.
  4. a b c Jugie, Pierre. Levillain, ed. 2002. "Cardinal." pp. 241-242.
  5. a b "Episcopal and Pontifical Capitulations" na edição de 1913 da Enciclopédia Católica (em inglês). Em domínio público.
  6. a b c Baumgartner, 2003, pp. 52-54.
  7. a b c Baumgartner, 2003, p. 95.
  8. Van Dyke, 1897, p. 198.
  9. Baumgartner, 2003, p. 94.
  10. a b c Baumgartner, 2003, p. 162.
  11. Walsh, 2003, p. 163.
  12. Universi Dominici Gregis.
  13. Walsh, 2003, p. 107.
  14. Baumgartner, 2003, p. 73.
  15. Burkle-Young, Francis A. 1998. "The election of Pope Paul II (1464)."
  16. Baumgartner, 2003, p. 78-79.
  17. Walsh, 2003, p. 109.
  18. Burkle-Young, Francis A. 1998. "The election of Pope Sixtus IV (1471)."
  19. Baumgartner, 2003, p. 79.
  20. Baumgartner, 2003, p. 82.
  21. Burkle-Young, Francis A. 1998. "The election of Pope Alexander VI (1492)."
  22. Baumgartner, 2003, p. 89.
  23. Walsh, 2003, p. 111.
  24. Baumgartner, 2003, p. 90.
  25. Pastor, 1980, pp. 19-21.
  26. Baumgartner, 2003, p. 92.
  27. Baumgartner, 2003, p. 105.
  28. Setton, 1984, p. 509.
  29. Baumgartner, 2003, p. 117.
  30. Baumgartner, 2003, p. 129.
  31. Baumgartner, 2003, p. 133.