Finanças verdes

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Finanças verdes ou finanças sustentáveis são um conjunto de regulações financeiras, padrões, normas e produtos os quais atendem a um objetivo ambiental, e em particular à facilitação da transição energética. Com tal, permite-se que o sistema financeiro se conecte à economia e à sua população pelo financiamento de agentes enquanto mantém o objetivo. Esse conceito de longo prazo foi promovido com sua adoção no Acordo de Paris, que estimula que as partes devem criar "fluxos financeiros consistentes com um caminho visando baixa emissão de gases do efeito estufa e um desenvolvimento climático-resiliente".[1]

Em 2015, as Nações Unidas adotaram a Agenda 2030 para guiar a transição rumo a uma economia sustentável e inclusiva. Esse compromisso envolve 193 Estados-membros e comporta 17 objetivos e 169 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável os quais destinam ao combate dos desafios globais em curso, incluindo a proteção do planeta. O mercado financeiro verde se tornou pedra fundamental para a realização de tais objetivos.[2]

Instrumentos[editar | editar código-fonte]

Títulos verdes[editar | editar código-fonte]

Títulos verdes são empréstimos emitidos no mercado por uma organização pública ou privada para financiar atividades ecologicamente amistosas. Atingiram valor de 170 bilhões de dólares em 2018 e de mais de 500 bilhões de dólares em 2022. De acordo com a Climate Bonds Initiative, o valor deverá ultrapassar os 5 trilhões de dólares anuais em 2025.[3][4]

O Acordo de Paris destacou o desejo por padronizar a relatoria de práticas relativas aos títulos verdes, a fim de se evitar lavagem de dinheiro.

Do ponto de vista legal, títulos verdes não são realmente distintos de títulos tradicionais. As garantias feitas aos investidores não são sempre inclusas no contrato, e nem sempre de forma vinculativa. Tomadores de títulos verdes usualmente seguem padrões e princípios definidos por organizações geridas pela iniciativa privada tais como a Associação Internacional de Mercados de Capitais (ICMA, em inglês)[5] ou a representação para a Climate Bond Initiative.[3] À data deste artigo, não há regulações as quais requeiram de credores especificações de suas intenções "verdes" por escrito, muito embora a União Europeia esteja atualmente desenvolvendo padrões e regulação para títulos verdes os quais irão forçar tomadores a investir em atividades alinhadas com a Taxonomia da UE para atividades sustentáveis.[6] Num mesmo sentido, está em trâmite no Parlamento Europeu proposta a qual poderá incumbir obrigações a credores os quais emitam títulos desse tipo.[7] Espera-se que tais padrões se tornem padrões voluntários, operando em paralelo a outros padrões voluntários, com acadêmicos e praticantes (profissionais) instigando a atenção de formuladores políticos quanto aos perigos da imposição de um padrão mandatório.[8][9]

Taxonomia das atividades sustentáveis[editar | editar código-fonte]

Devido à transição energética ser um amplo conceito e a sustentabilidade ou o "verde" poderem ser aplicados a muitos projetos (energia renovável, eficiência energética, gestão de resíduos, transporte público, reflorestamentos etc), muitas taxonomias vêm sendo estabelecidas para validar e certificar investimentos "verdes" (os quais tenham pouco ou nenhum impacto no meio ambiente).

Em 2018, a Comissão Europeia criou um grupo de trabalho composto por técnicos especialistas de mercado financeiro a fim de definir a classificação de atividades econômicas (uma "taxonomia"), de modo a haver uma robusta metodologia a qual defina se uma atividade ou companhia é sustentável ou não. O objetivo da taxonomia é prevenir a lavagem de dinheiro e ajudar investidores a exercer escolhas "mais verdes".[10] Os investimentos são julgados a partir de seis objetivos: mitigação das mudanças climáticas, adaptação às alterações climáticas, economia circular, poluição, efeitos sobre a água e biodiversidade.[11]

Essa taxonomia entrou em vigor em julho de 2020.[10] É vista como uma das iniciativas mais precisas e sofisticadas de seu tipo; tem potencial de inspirar outros países a desenvolverem suas próprias taxonomias ou poderá se tornar um "padrão-ouro mundial". À época, tinha-se a expectativa de complicações relativas a lacunas de dados, as quais poderiam postergar a efetividade da política. Fontes especializadas do mercado financeiro e do monitoramento de políticas econômicas sustentáveis afirmam ter havido certa dificuldade para a relatoria de taxonomia verde por parte das companhias.[12][13]

As classificações do gás natural e da energia nuclear são controversas.[14] A Comissão Europeia consultou seu Centro Comum de Investigação a fim de aferir a sustentabilidade da energia nuclear. Houve uma consulta de três meses, feita por dois grupos de especialistas antes da decisão final da Comissão, a qual foi aprovar tanto o gás natural quanto a energia nuclear como fontes sustentáveis, embora não livre de críticas e mecanismos de controle.[11][15] O gás natural é visto por muitos países como uma ponte entre o carvão e a energia renovável. Tais países argumentam que o gás natural é sustentável sob uma série de condições.[16] Contudo, vários membros do grupo de especialistas que aconselharam a Comissão Europeia advertiram em prol de um passo atrás. Foi visualizado por esse grupo que a inclusão do gás seria uma contradição à ciência climática, ao passo em que se considera que as emissões de metano do gás natural formam um significante gás estufa.[14][17]

O Reino Unido está trabalhando em sua própria taxonomia.[18][19]

Divulgação obrigatória e voluntária[editar | editar código-fonte]

Em 2015, o Conselho de Estabilidade Financeira iniciou uma Força-Tarefa para Divulgação Financeira relativa ao Clima a qual é liderada por Michael Bloomberg. As recomendações da força-tarefa objetivam encorajar companhias a obter melhor esclarecimento a respeito dos riscos relacionados ao clima em seus negócios, bem como uma governança interna que habilite à gestão de tais riscos. No Reino Unido, o Governador do Banco da Inglaterra, Mark Carney, esteve apoiando ativamente as recomendações da FTDFC, bem como conclamou em múltiplas ocasiões para a implementação de obrigações a companhias do setor financeiro de modo a serem transparentes e levarem em conta riscos financeiros em suas gestões, especialmente por meio de testes de estresse climático.

Na França, a Lei de Transição Energética de 2015 obriga investidores institucionais a serem transparentes quanto à integração dos Critérios Ambientais, Sociais e de Governança em suas estratégias de investimento.[20]

Não obstante, pesquisas empíricas têm mostrado o efeito limitado de políticas de divulgação quando voluntárias.[21][22]

A Comissão Europeia está atualmente desenvolvendo novas regras as quais irão obrigar várias companhias a divulgar dados relacionados ao meio ambiente.[23]

Fator de suporte ao verde no capital regulatório[editar | editar código-fonte]

A fim de encorajar bancos a impulsionarem os empréstimos verdes, bancos comerciais[24] têm proposto a introdução do "Fator de suporte ao verde" no capital regulatório bancário. Essa proposta está sendo considerada pela Comissão Europeia e pela Autoridade Bancária Europeia.[25] Por outro lado, essa abordagem é geralmente posta em oposição pelos bancos centrais[26] e por organizações sem fins lucrativos, os quais propõem a adoção de maiores requisitos de capital para recursos vinculados a combustíveis fósseis ("Fator de penalização marrom").[27]

Empréstimos e hipotecas verdes[editar | editar código-fonte]

É esperado que, ainda em 2022, a Comissão Europeia e a Autoridade Bancária Europeia formulem propostas sobre a "definição e possíveis ferramentas de apoio para empréstimos de varejo verdes e hipotecas verdes".[28]

A indústria vem proposto a estabilização de um rótulo de representação para hipotecas verdes,[29] enquanto associações de consumidores[30] e ONGs têm proposto que bancos centrais poderiam apoiar a emissão de empréstimos verdes (em particular, empréstimos relacionados à renovação doméstica) pela introdução de menores taxas de juros para o refinanciamento de operações como o programa TLTRO da ECB.[31]

Política monetária verde[editar | editar código-fonte]

Em 2018, sob a liderança de Mark Carney, Frank Elderson, e do Governador do Banque de France Villeroy de Galhau, oito bancos centrais criaram a Network for Greening the Financial System (NGFS), uma rede de bancos centrais e supervisores financeiros os quais visam explorar o papel potencial dos bancos centrais em prol do acompanhamento da transição energética. Essa rede tem aproximadamente 80 membros e uma dúzia de observadores, incluindo o FMI e o Banco Central Europeu.

Muitas opções de políticas para o esverdeamento dos instrumentos de política monetária têm sido exploradas pela NGFS:[32]

  • Refinanciamento verde das operações: bancos centrais podem adotar condições verdes para que bancos refinanciem a si próprios a partir dos bancos centrais, por exemplo pela garantia de menores taxa de juros caso os bancos protocolem um certo volume de projetos verdes.
  • Estruturas colaterais verdes: bancos centrais podem restringir as regras de elegibilidade colateral pela exclusão de recursos poluentes, ou exigindo que bancos mobilizem uma pool de recursos
  • Facilitação quantitativa verde: bancos centrais poderiam restringir compras de recursos a títulos verdes.

Em julho de 2021, sob a liderança de Christine Lagarde e após a pressão de ONGs, o Banco Central Europeu anunciou um roadmap detalhado para a incorporação das mudanças climáticas na sua estrutura política.[33] O plano de ação inclui medidas para integrar métricas dos riscos relacionados ao clima no framework colateral do BCE e um programa de compra de títulos corporativos. Christine Lagarde disse ter sido também favorável ao desenvolvimento de "facilitações para títulos verdes"[34] tais como o Banco do Japão[35] e o Banco Popular da China.

Referências

  1. «Paris Agreement» (PDF). United Nations Framework Convention on Climate Change. 2015 
  2. «Overview of sustainable finance». European Commission 
  3. a b «Climate Bonds Initiative». Climate Bonds Initiative (em inglês). Consultado em 17 de outubro de 2021 
  4. «Emissões de títulos verdes devem dobrar de valor ainda este ano». Valor Econômico. Consultado em 3 de novembro de 2022 
  5. «Green Bond Principles». www.icmagroup.org. Consultado em 22 de maio de 2020 
  6. «Commission puts forward new strategy to make the EU's financial system more sustainable and proposes new European Green Bond Standard». European Commission (em inglês). 6 de julho de 2021. Consultado em 17 de outubro de 2021 
  7. «European Green Bond Standard: new measures to reduce green washing | News | European Parliament». www.europarl.europa.eu (em inglês). 17 de maio de 2022. Consultado em 3 de novembro de 2022 
  8. Karim Henide (22 de dezembro de 2021). «Green lemons: overcoming adverse selection in the green bond market». Transnational Corporations (em inglês). 28 (3): 35–63. doi:10.18356/2076099x-28-3-2 
  9. Henide, Karim (17 de janeiro de 2022). «The European Central Bank's vision for green bond standards forgoes inclusivity». LSE Business Review. Consultado em 22 de janeiro de 2022 
  10. a b Sholem, Michael (10 de março de 2021). «ESMA Proposes Rules for Taxonomy-Alignment of Non-Financial Undertakings and Asset Managers». The National Law Review (em inglês). Consultado em 5 de abril de 2021 
  11. a b «EU taxonomy for sustainable activities». European Commission (em inglês). Consultado em 5 de abril de 2021 
  12. Meager, Elizabeth (10 de junho de 2022). «Why EU taxonomy reporting is so hard to do». Capital Monitor (em inglês). Consultado em 4 de novembro de 2022 
  13. «Corporates struggle with green taxonomy reports». IFLR (em inglês). 25 de agosto de 2022. Consultado em 4 de novembro de 2022 
  14. a b Sánchez Nicolás, Elena (2 de abril de 2021). «Experts threaten to quit over new EU 'green finance' rules». EUobserver (em inglês). Consultado em 5 de abril de 2021 
  15. «UE aprova energia nuclear e gás como fontes sustentáveis – DW – 02/02/2022». dw.com. Consultado em 4 de novembro de 2022 
  16. Morgan, Sam (29 de março de 2021). «View from Brussels: Nuclear power set for EU boost». eandt.theiet.org (em inglês). Consultado em 5 de abril de 2021 
  17. Hall, Siobhan (25 de março de 2021). «Draft EU taxonomy sparks discord over gas, nuclear future». Montel news. Consultado em 5 de abril de 2021 
  18. «Chancellor sets out ambition for future of UK financial services». GOV.UK (em inglês). Consultado em 20 de maio de 2021 
  19. «What can we expect from the UK Green Taxonomy?». Stewarts (em inglês). Consultado em 4 de novembro de 2022 
  20. 2016-04-22T15:13:00+01:00. «French Energy Transition Law: Global investor briefing on Article 173». PRI (em inglês). Consultado em 17 de outubro de 2021 
  21. Bingler, Julia Anna and Kraus, Mathias and Leippold, Markus, Cheap Talk and Cherry-Picking: What ClimateBert has to say on Corporate Climate Risk Disclosures (March 2, 2021).
  22. Mésonnier Jean-Stéphane, Nguyen Benoît « Showing off cleaner hands: mandatory climate-related disclosure by financial institutions and the financing of fossil energy  », Banque de France, January 2021
  23. «Corporate sustainability reporting | European Commission». Ec.europa.eu. Consultado em 18 de maio de 2022 
  24. «Supporting Factor». European Banking Federation (em inglês). 22 de janeiro de 2014. Consultado em 16 de outubro de 2021 
  25. «Keynote speech of Vice-President Valdis Dombrovskis on challenges and impacts of implementing Basel III». European Commission - European Commission (em inglês). Consultado em 16 de outubro de 2021 
  26. «A Green Supporting Factor — The Right Policy?, SUERF Policy Notes .:. SUERF - The European Money and Finance Forum». SUERF.ORG. Consultado em 16 de outubro de 2021 
  27. «Report – Breaking the climate-finance doom loop | Finance Watch» (em inglês). 7 de junho de 2020. Consultado em 16 de outubro de 2021 
  28. «Communication From The Commission To The European Parliament, The Council, The European Economic And Social Committee And The Committee Of The Regions Empty: Strategy for Financing the Transition to a Sustainable Economy». Strasbourg: European Commission. 6 de julho de 2021. COM(2021) 390 final 
  29. «EEM Label». www.energy-efficient-mortgage-label.org. Consultado em 17 de outubro de 2021 
  30. «Affordable green loans: getting consumers on board of the green transition». www.beuc.eu. Consultado em 17 de outubro de 2021 
  31. Batsaikhan, Uuriintuya; Jourdan, Stanislas (24 de fevereiro de 2021). «NEW REPORT: How can the European Central Bank unleash building renovations across Europe». Positive Money Europe (em inglês). Consultado em 17 de outubro de 2021 
  32. «Adapting central bank operations to a hotter world: Reviewing some options». Banque de France (em inglês). 24 de março de 2021. Consultado em 1 de junho de 2022 
  33. Bank, European Central (8 de julho de 2021). «ECB presents action plan to include climate change considerations in its monetary policy strategy» (em inglês) 
  34. Randow, Jana (1 de junho de 2022). «Lagarde Has Open Mind on ECB Lending as a Climate-Crisis Tool». www.bloomberg.com. Consultado em 1 de junho de 2022 
  35. «Bank of Japan to launch climate lending facility». Green Central Banking (em inglês). 21 de junho de 2021. Consultado em 1 de junho de 2022