Neurofenomenologia

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A neurofenomenologia refere-se a um programa de pesquisa científica destinado a abordar o difícil problema da consciência de maneira pragmática.[1] Combina-se a neurociência com a fenomenologia para estudar a experiência, a mente e a consciência com ênfase na condição corporificada da mente humana.[2] O campo está muito ligado a campos como neuropsicologia, neuroantropologia e neurociência comportamental e o estudo da fenomenologia na psicologia.

Visão geral[editar | editar código-fonte]

O rótulo foi cunhado por C. Laughlin, J. McManus e E. d'Aquili em 1990.[3] No entanto, o termo foi apropriado e recebeu uma compreensão distinta pelo neurocientista cognitivo Francisco Varela em meados da década de 1990,[4] cujo trabalho inspirou muitos filósofos e neurocientistas a continuar com essa nova direção de pesquisa.

A fenomenologia é um método filosófico de investigação da experiência cotidiana. O foco da fenomenologia está no exame de diferentes fenômenos (do grego, phainomenon, "aquilo que se mostra") como eles aparecem para a consciência, ou seja, em uma perspectiva de primeira pessoa. Assim, a fenomenologia é uma disciplina particularmente útil para compreender como é que as aparências se nos apresentam e como é que lhes atribuímos sentido.[5][6]

A neurociência é o estudo científico do cérebro e lida com os aspectos de terceira pessoa da consciência.[7] Alguns cientistas que estudam a consciência acreditam que a utilização exclusiva de métodos de primeira ou terceira pessoa não fornecerá respostas para as difíceis questões da consciência.[8]

Historicamente, Edmund Husserl é considerado o filósofo cujo trabalho fez da fenomenologia uma disciplina filosófica coerente com uma metodologia concreta no estudo da consciência, a saber, a epoché. Husserl, que foi um ex-aluno de Franz Brentano, pensou que no estudo da mente era extremamente importante reconhecer que a consciência é caracterizada pela intencionalidade, um conceito frequentemente explicado como "sobressalto"; consciência é sempre consciência de algo. Uma ênfase particular na fenomenologia da corporificação foi desenvolvida pelo filósofo Maurice Merleau-Ponty em meados do século XX.

Naturalmente, a fenomenologia e a neurociência encontram uma convergência de interesses comuns. No entanto, principalmente por divergências ontológicas entre a fenomenologia e a filosofia da mente, o diálogo entre essas duas disciplinas ainda é um assunto bastante controverso.[9] O próprio Husserl era muito crítico em relação a qualquer tentativa de naturalizar a filosofia, e sua fenomenologia foi fundada sobre uma crítica do empirismo: psicologismo e antropologismo como pontos de vista contraditórios na filosofia e na lógica.[10][11][12] A crítica influente dos pressupostos ontológicos da ciência cognitiva computacionalista e representacionalista, bem como da inteligência artificial, feita pelo filósofo Hubert Dreyfus marcou novos rumos para a integração das neurociências com uma ontologia corporificada. O trabalho de Dreyfus influenciou cientistas cognitivos e neurocientistas a estudar fenomenologia e ciência cognitiva corporificada e/ou enativismo. Um desses casos é o neurocientista Walter Jackson Freeman III, cuja análise neurodinâmica tem uma abordagem marcadamente merleau-pontyiana.[13]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Rudrauf, David; Lutz, Antoine; Cosmelli, Diego; Lachaux, Jean-Philippe; Le Van Quyen, Michel (2003). «From autopoiesis to neurophenomenology: Francisco Varela's exploration of the biophysics of being». Biological Research. 36 (1): 27–65. PMID 12795206. doi:10.4067/s0716-97602003000100005Acessível livremente 
  2. Gallagher, Shaun (2009). «Neurophenomenology». In: Bayne, T.; Cleeremans, A.; Wilken, P. The Oxford Companion to Consciousness. [S.l.: s.n.] pp. 470–472. ISBN 978-0-19-856951-0 
  3. Laughlin, Charles (1990). Brain, symbol & experience : toward a neurophenomenology of human consciousness. Boston, Mass: New Science Library. ISBN 978-0-87773-522-9. OCLC 20759009 
  4. Varela, F.J. (1 de abril de 1996). «Neurophenomenology: a methodological remedy for the hard problem». Journal of Consciousness Studies. 3 (4): 330–349 
  5. Stanford Encyclopedia of Philosophy: Phenomenology
  6. Gallagher, S. and Zahavi, D. 2008. The Phenomenological Mind. London: Routledge, Chapter 2.
  7. «Neuroscience». c.merriam-webster.com. Consultado em 21 de julho de 2021 
  8. Engel, Andreas K.; Friston, Karl J.; Kragic, Danica, eds. (2016). The Pragmatic Turn: Toward Action-Oriented Views in Cognitive Science. [S.l.]: MIT Press 
  9. Debate Between D. Chalmers and D. Dennett: The Fantasy of First-Person Science
  10. Internet Encyclopedia of Philosophy: Edmund Husserl
  11. Carel, Havi; Meachem, Darian, eds. (2013). Phenomenology and Naturalism: Examining the Relationship between Human Experience and Nature. [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 9781107699052 
  12. Evan Thompson (7 de outubro de 2014). «Phenomenology and Naturalism: Examining the Relationship between Human Experience and Nature». Notre Dame Philosophical Reviews (Review) 
  13. «Hubert Dreyfus 'Intelligence Without Representation: Merleau-Ponty's Critique of Mental Representation'». Consultado em 6 de novembro de 2008. Cópia arquivada em 1 de dezembro de 2008 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]