Plurinacionalismo

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Plurinacionalismo é definido como a coexistência de dois ou mais grupos nacionais isolados ou preservados em uma entidade política.[1]No plurinacionalismo, a ideia de nacionalidade é plural, isto é, há muitos nacionais na mesma comunidade ou grupo de pessoas. Derivado deste conceito, um Estado plurinacional é a existência de múltiplas comunidades políticas e assimetria constitucional. O uso da plurinacionalidade ajuda a evitar a divisão de sociedades em um Estado ou país.

Um Estado plurinacional é a organização política e jurídica de uma sociedade com várias nações unidas em somente um Estado com um governo representativo plurinacional, e estão sujeitas a uma única Constituição Política. O Estado plurinacional se forma através de uma descentralização política e administrativa, onde o sistema administrativo é culturalmente heterogêneo e permite a participação de todos os grupos e setores sociais. Entre os elementos de um estado plurinacional estão: ser plural, descentralizado e autônomo.

Contexto[editar | editar código-fonte]

Jurídico[editar | editar código-fonte]

O reconhecimento de um Estado plurinacional[2] implica uma reestruturação do poder no Estado. O poder, sob a lógica do Estado-nação, reside na nação hegemônica-dominante. Portanto, as estruturas estatais e de poder se constroem em torno da nação hegemônica. A partir de uma perspectiva plurinacional, o poder se reestrutura e esse se compartilha entre as distintas nações que habitam em um país. Assim, as nações têm direito a serem parte da estrutura estatal e obter representação nela. Um exemplo da reestruturação e compartilhamento de poder em um Estado plurinacional é a existência de congressos com cadeiras reservadas a povos originários; a existência de tribunais constitucionais e poderes judiciários plurinacionais (com juízes que representem às distintas nações e apliquem seu próprio direito, sob uma perspectiva de pluralismo jurídico). Inclusive, pode-se falar de um poder executivo plurinacional, onde certos postos de governo (ministros, secretários gerais, etc.) estejam reservados para funcionários das distintas nações que compõem um território.

Um Estado plurinacional tem como características jurídicas as seguintes:

  1. Reconhecimento jurídico das distintas nações que compõem um Estado e a outorga de direitos políticos. Em contraposição à ideia de Estado-nação, reconhece-se que são distintas as nações que compõem um país. Este reconhecimento deve vir acompanhado de direitos políticos das nacionalidades reconhecidas, tais como o direito à livre determinação e à territorialidade; que as instituições próprias de cada nação formem parte da estrutura geral do Estado; a propriedade intelectual coletiva dos seus saberes, ciências e conhecimentos, assim como a sua valorização, uso, promoção e desenvolvimento; a educação intracultural, intercultural e plurilíngue em todo o sistema educativo; o exercício dos seus sistemas políticos, jurídicos e econômicos em acordo com a sua cosmovisão; a gestão territorial indígena autônoma e a participação nos órgãos e instituições do Estado.
  2. Reconhecimento do pluralismo político. O Estado reconhece que as distintas formas de eleição que tem as distintas nações que compõem um território são válidas e lhes confere eficácia jurídica. Nesse ponto, concebe-se que o mecanismo através do qual as nações elegem suas autoridades políticas são democráticas em si mesmas. O modelo de eleição mediante o voto universal, dessa maneira, não se concebe como o único válido.
  3. Reconhecimento do pluralismo econômico. Nesse âmbito, se reconhece que, dentro de um país, com base na territorialidade de cada nação, podem e devem coexistir distintos modelos econômicos e de desenvolvimento. Assim, coexistem concepções de propriedade privada, com a propriedade coletiva ou a propriedade comunal, todas elas protegidas constitucionalmente. Dessa forma, os modelos econômicos comunitários são protegidos de acordo com as concepções econômicas de cada nação integrante do Estado.
  4. Reconhecimento do pluralismo jurídico. As Constituições reconhecem que são distintas as fontes do Direito, para além das concepções clássicas do direito romano-germânico. Portanto, o direito “oficial” do Estado coexiste com os demais sistemas jurídicos de outras nações. Por exemplo, um Código Penal ou Civil aprovado pelo Congresso coexiste ou não seria aplicável no âmbito territorial de outra nação que desenvolve seu próprio sistema jurídico consuetudinário. A pluralidade jurídica deve ser plena, sem uma tendência à predominância ou assimilação do direito “oficial”.
  5. Interculturalidade como princípio constitucional. As relações jurídicas, políticas, econômicas, sociais, educativas e sanitárias, entre outras, são embarcadas dentro do conceito de relações interculturais. As culturas das distintas nações que compõem um território se encontram em condição de igualdade, dado que não existe predominância de uma sobre a outra - a relação entre culturas transforma-se de vertical para horizontal. Os conhecimentos, tradições, manifestações, etc., de todas as nações se encontram em condição de igualdade, tendo em vista que o diálogo e o intercâmbio de conhecimento se dá no nível intercultural, do diálogo entre iguais.

Estado Plurinacional e Estado Pluricultural[editar | editar código-fonte]

O Estado Plurinacional é diferente do Estado Pluricultural. O Estado Pluricultural é uma construção própria do constitucionalismo europeu, através do qual se buscou dar solução aos conflitos territoriais e culturais próprios das democracias posteriores à Segunda Guerra Mundial. Assim, o modelo de Estado Pluricultural se constrói sobre a ideia de Estado-nação: uma única Nação que compõe o Estado, mas com diferentes culturas. Sob esse conceito, as diversas culturas nacionais teriam que se assimilar à Nação. Dessa maneira, não se reconhece a existência de diferentes Nações, mas sim de diferentes coletividades que requerem direitos coletivos políticos próprios. O modelo de Estado Pluricultural tende para o assimilacionismo por parte da identidade nacional.

Exemplos de Estados Pluriculturais[editar | editar código-fonte]

  1. Confederação Peru-Boliviana (Se considera que a Confederação Peru-Boliviana como um antigo Estado plurinacional, já que ela respeitava a heterogeneidade identitária dos povos indígenas e sua organização, bem como reconhecia sua luta por defender seus modos de vida ancestrais. Isso contrastava com o “proyecto nacional-criollo” homogenizador que empreenderam partes das elites do Peru e da Bolívia[3]. Estas repúblicas indígenas, denominadas como “repúblicas de índios”, eram territórios que formavam parte da Confederação, mas que desfrutavam de uma grande autonomia, com respeito a sua identidade cultural, crenças religiosas, costumes e sua própria cosmovisão. Elas podiam estabelecer seus próprios tribunais, nomear seus próprios prefeitos dentro do seu território e arrecadar seus próprios impostos[4].)
  2. Canadá
  1. China
  2. Índia
  1. Nigéria
  • Europa
    1. Rússia (A Constituição da Federação Russa se refere tanto no seu preâmbulo como no seu artigo 3 a um “povo multinacional”, um termo análogo ao adotado tanto pela Bolívia como pelo Equador. Contudo, diferentemente dos Estados plurinacionais do Equador e da Bolívia, o Estado russo não reconhece direitos políticos coletivos a suas distintas etnias nacionais. Nesse caso, o que se encontra é o reconhecimento de uma multiplicidade de nações, mas não de um suposto Estado plurinacional, tendo em vista que carece do pluralismo político, econômico e jurídico, da territorialidade e da outorga de direitos coletivos a suas nações.)
    2. Espanha (A Espanha reconhece a presença de outras nacionalidades dentro da nação espanhola[5]. Ela se fundamenta, no entanto, no conceito do Estado-nação: apesar de reconhecer a existência de diversas nacionalidades dentro do seu território, não especifica quais são elas, nem as outorga direitos políticos coletivos. As comunidades autônomas que integram o Estado espanhol estão sujeitas jurídica, política e economicamente ao Estado central, com a ausência de pluralismo, interculturalidade e concessão de espaços políticos de poder às distintas nacionalidades no nível geral do Estado.
    3. Reino Unido (O Reino Unido é um Estado com múltiplas nações, contendo a Inglaterra, a Irlanda do Norte, a Escócia e o País de Gales. O Reino Unido possui uma significativa diversidade cultural, étnica, linguística, nacional e religiosa[6]. O país foi fundado sob o reconhecimento de suas diferentes Nações, inclusive com o compromisso constitucional de reconhecer essas diferenças no funcionamento do Estado[7]. Porém, isso não significou descentralização política, o governo reprimiu sistematicamente as iniciativas de nacionalismos paralelos à Nação, como o Irish Free State).
    4. Suíça (O caso da Confederação Suíça não se aplica ao conceito de plurinacionalidade, mas sim à pluriculturalidade, reconhecendo a diversidade linguística, cultural e social em seus territórios.)
    5. Bélgica (Na Bélgica, assim como na Suíça, não se reconhece a plurinacionalidade como tal, mas sim de comunidades dentro do próprio território belga (comunidade francesa, comunidade flamenga e comunidade de língua alemã), com a existência de quatro regiões linguísticas diferentes. Desse modo, o caso é de um Estado-nação pluricultural.)
  • Outros países
    1. Iugoslávia
    2. União Soviética

Exemplos de Estados Plurinacionais Contemporâneos[editar | editar código-fonte]

Equador

O Equador se declara como um Estado Plurinacional com base na sua Constituição de 2008. Em seu 6º artigo, ela afirma que a nacionalidade equatoriana é o vínculo jurídico das pessoas com o Estado, sem haver prejuízo no seu pertencimento a nacionalidades específicas que coexistem no país. Neste sentido, no artigo 257, se garante a possibilidade de conformação de circunscrições territoriais indígenas e Afro-equatorianas capazes de exercer as competências do governo territorial autônomo correspondente, sendo regidas de acordo com os direitos coletivos estabelecidos no país. A Constituição equatoriana também reconhece direitos territoriais e políticos, afirmando, em seu artigo 60, a legitimidade de comunas que tenham propriedade coletiva da terra, dado que esta é uma forma ancestral de organização territorial.

Bolívia

No preâmbulo da Constituição boliviana, estão citadas as diversas nações e povos indígenas que conformam o Estado com diversidade cultural. Assim, se confirma a composição plural que constitui de forma conjunta o povo boliviano. Além disso, há diferentes direitos coletivos reconhecidos às diversas nações bolivianas, como a livre determinação e territorialidade, a gestão territorial autônoma e o uso exclusivo dos recursos naturais renováveis presentes no seu território.

https://es.wikipedia.org/wiki/Estado_plurinacional#/media/Archivo:Pueblos_originarios_de_Bolivia.png.
Grupos étnicos da Bolívia [8]

Diferenças de Estado Plurinacional e Estado Pluricultural[editar | editar código-fonte]

Estado plurinacional Estado pluricultural
Povos indígenas e/ou originários Comunidades
Nações Minorias
Pessoa Jurídica de Direito Público Pessoa Jurídica de Direito Privado
Território Terra/direito de propriedade
Direitos territoriais Propriedade comunal
Interculturalidade Hegemonia cultural

Tentativas de criação de Estados Plurinacionais[editar | editar código-fonte]

Chile[editar | editar código-fonte]

No Chile, o plurinacionalismo constitucional é um tópico de debate[9]. O Plurinacionalismo não foi um conceito apresentado nas reformas constitucionais propostas pelo segundo governo de Michelle Bachelet (2014-2018), mas as reformas incluíam o reconhecimento dos povos indígenas do Chile. A Proposta de Constituição Política da República do Chile de 2022 definia o Chile como “plurinacional”, mas essa proposta foi rejeitada por 61,89% dos votos em setembro de 2022. Segundo alguns analistas, justamente porque os povos indígenas compreendem apenas 12% da população chilena, foi o motivo que foi recusada a plurinacionalidade. A criação de uma “região plurinacional” no sul do Chile foi proposta por alguns acadêmicos e ativistas como a solução para o Conflito Mapuche[9]. O plurinacionalismo foi criticado por José Rodríguez Elizondo, diplomata chileno, por ser usado para avançar as reivindicações bolivianas contra o Chile por acesso soberano ao Oceano Pacífico[10]

https://es.wikipedia.org/wiki/Estado_plurinacional#/media/Archivo:Pueblos_indigenas_de_Chile.svg.
Representação usada no sistema educativo chileno sobre a distribuição dos principais povos indígenas do Chile[11].

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Keating, Michael (18 de julho de 2020). «Plurinational democracy in a post-sovereign order». Northern Ireland Legal Quarterly (4): 351–365. ISSN 2514-4936. doi:10.53386/nilq.v53i4.704. Consultado em 4 de setembro de 2023 
  2. «Estado plurinacional». Wikipedia, la enciclopedia libre (em espanhol). 22 de agosto de 2023. Consultado em 5 de setembro de 2023 
  3. Del Pino, Juan (1955). Las sublevaciones indigenas de Huanta. [S.l.: s.n.] 
  4. ALTUVE-FEBRES LORES, Fernán (1996). Los Reinos del Perú (Apuntes sobre la monarquía peruana). Lima: Dupla Editores 
  5. Carreras, Francesc (2005). «Nación y nacionalidad en la Constitución Española: Posibles consecuencias jurídicas derivadas de la utilización de ambos términos» 
  6. Anderson, Paul (2022). «Plurinationalism, Devolution and Intergovernmental Relations in the United Kingdom». Cham: Springer International Publishing: 91–112. ISBN 978-3-030-88784-1. Consultado em 6 de setembro de 2023 
  7. Tierney, Stephen (7 de março de 2019). «After the Scottish Independence Referendum». Oxford University Press: 275–291. Consultado em 6 de setembro de 2023 
  8. «Estado plurinacional». Wikipedia, la enciclopedia libre (em espanhol). 22 de agosto de 2023. Consultado em 8 de setembro de 2023 
  9. a b Marimán, J.; Valenzuela, E.; Cortés, F. (2015). «El nuevo ciclo de movilización mapuche en Chile: la emergencia de la CAM y el proyecto autonomista para una región plurinacional». Araucaria (34): 279–301. ISSN 1575-6823. doi:10.12795/araucaria.2015.i34.13. Consultado em 6 de setembro de 2023 
  10. Bastías, Carolina; Hayden, Consuelo (30 de junho de 2011). «De Charaña a la Haya: Chile, entre la aspiración marítima de Bolivia y la demanda marítima de Perú, por : José Rodríguez Elizondo, Santiago : Ediciones La Tercera, 2009». Estudios Internacionales (163). ISSN 0719-3769. doi:10.5354/0719-3769.2009.13766. Consultado em 6 de setembro de 2023 
  11. «Estado plurinacional». Wikipedia, la enciclopedia libre (em espanhol). 22 de agosto de 2023. Consultado em 6 de setembro de 2023 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Bober, Sergiusz. Sovereignty and multiculturalism/plurinationalism in the Indian and Nigerian federal systems of government. Horyzonty Polityki, v. 7, n. 18, p. 125-144, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17399/HP.2016.071807. Acesso em: 5 de set. 2023.

Jedlicka, Bethany. Plurinationalism as sovereignty: Challenges of Indigenous recognition in Bolivia . ANU Undergraduate Research Journal, [S. l.], v. 10, n. 1, p. 118–125, 2020. Disponível em: https://studentjournals.anu.edu.au/index.php/aurj/article/view/397. Acesso em: 5 de set. 2023.

Merino, Roger. Reimagining the Nation-State: Indigenous Peoples and the Making of Plurinationalism in Latin America. Leiden Journal of International Law, v. 31, n. 4, p. 773-792, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1017/S0922156518000389. Acesso em: 5 de set. 2023.

Oksanen, Aslak-Antti. The Rise of Indigenous (Pluri-)Nationalism: The Case of the Sámi People. Sociology, v. 54, n. 6, p. 1141–1158, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0038038520943105. Acesso em: 5 de set. 2023.

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