Usuário:El Descamisado/Anarquismo Argentina

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Operários anarquistas reunidos em assembleia do sindicato dos carroceiros, em 1904. Na foto, exibem exemplares do periódico La Protesta, diário anarquista publicado em Buenos Aires.

Anarquismo na Argentina.

Primeiros anos (1876-1896)[editar | editar código-fonte]

Origens[editar | editar código-fonte]

Imigrantes europeus desembarcam na Argentina.

As origens do anarquismo na Argentina estão intimamente ligadas à imigração em massa ocorrida entre 1880 e 1914. Durante este período, cerca de 3.034.0000 de imigrantes chegaram ao país,[1] a maioria deles provenientes da Itália e da Espanha.[2] A maior parte destes imigrantes declaravam ser agricultores em seus países de origem,[3] e eram atraídos pelas políticas de incentivo à imigração do governo argentino e pela imagem de um país economicamente próspero, com promessas de salários mais altos e que oferecia possibilidades de ascensão social.[4] Entre os milhares de imigrantes que chegavam ao país, alguns deles possuíam alguma experiência prévia de militância política.[5] Os primeiros indícios de uma presença anarquista na Argentina datam de 1872, ano em que foi constituído um núcleo da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) em Buenos Aires,[6] formado por franceses refugiados da Comuna de Paris e com a participação de militantes italianos e espanhóis.[7] Os grupos que compunham o núcleo argentino da AIT se dividiam com base em suas diferenças linguísticas: havia uma seção francesa, uma italiana e outra espanhola; cada seção possuía o seu comitê central particular e as questões de interesse geral eram tratadas por um conselho federal, composto por seis membros (dois de cada seção).[6] Enquanto na seção francesa a influência marxista era predominante,[8] nas seções italiana e espanhola os anarquistas ganhavam um peso considerável, sobretudo após a chegada de internacionalistas espanhóis exilados após a Restauração Bourbônica em 1874.[9]

Os primeiros militantes que chegaram ao país encontraram certas dificuldades para desenvolver suas atividades, uma vez que o desenvolvimento das relações de produção capitalistas ainda era embrionário e a classe trabalhadora local ainda muito incipiente.[10] Em 1876, o núcleo argentino da AIT foi dissolvido.[11] No mesmo ano, surgiu em Buenos Aires o Centro de Propaganda Obrera. Considerada a primeira organização anarquista argentina, foi formada por militantes bakuninistas que faziam parte da AIT.[5] Em 1879, publicaram um folheto intitulado Una idea, que incluía as resoluções do congresso de 1872 da Internacional de St. Imier.[12] Ainda no mesmo ano, surgiu El Descamisado, o primeiro periódico anarquista da Argentina, mas que logo teve sua publicação interrompida.[9]

De 1880 em diante, o aumento da imigração e a modernização das relações de trabalho favoreceram a formação de uma classe operária urbana mais consistente. As ondas imigratórias também trouxeram para a Argentina militantes que já eram muito ativos no movimento anarquista europeu, como o italiano Ettore Mattei, o catalão Zacarías Rabassa e o belga Émile Piette.[13] Mattei, junto de outros anarquistas italianos, fundou em 1880 o Círculo Comunista Anárquico, um pequeno grupo de propaganda que contava com a presença de operários padeiros, ebanistas e gravadores. O Círculo realizava reuniões e conferências de propaganda e distribuía em Buenos Aires periódicos da imprensa anarquista europeia. Piette, que chegou ao país em 1885, fundou a Librería Internationale no bairro Barracas em Buenos Aires, que se tornou um centro de difusão de propaganda anarquista e ponto de encontro dos militantes libertários, particularmente daqueles de fala francesa.[12] A atividade destes grupos foi mais complementar do que competitiva.[14]

Presença de Malatesta e primeiras agitações grevistas[editar | editar código-fonte]

O militante italiano Errico Malatesta teve um papel fundamental na consolidação do anarquismo na Argentina.

A chegada do militante italiano Errico Malatesta na Argentina em 1885 teve um impacto decisivo no desenvolvimento do anarquismo local e contribuiu em grande medida para fortalecer e ampliar a influência libertária no nascente movimento operário argentino.[15] Malatesta chegou ao país junto de outros companheiros anarquistas que fugiam de uma ordem de prisão emitida em Florença.[16] Ele já tinha conhecimento da existência do Círculo Comunista Anárquico, que mantinha contatos com a imprensa anarquista italiana.[17] No ano de sua chegada, Malatesta fundou o Círculo de Estudios Sociales e, em agosto, passou a editar o periódico La Questione Sociale, com artigos extensos e de caráter fundamentalmente teórico.[18] Através do Círculo e de seu periódico, Malatesta atuava sobretudo no meio imigrante italiano, propagando o ideal anarquista e expondo a necessidade de organizar os trabalhadores em sociedades de resistência.[19]

Após a publicação de quatorze números, La Questione Sociale deixou de aparecer em 1886 por uma decisão do Círculo de Estudios Sociales, que passou a priorizar a edição e publicação de opúsculos dedicados a divulgar "o programa comunista anárquico em toda sua extensão e sob todos os pontos de vista". [18] Para substituir La Questione Sociale, Ettore Mattei passou a publicar a partir de julho de 1887 o periódico semanal Il Socialista. O semanário era vendido na livraria de Émile Piette e trazia textos de figuras importantes do movimento libertário europeu, como Carlo Cafiero, Francesco Saverio Merlino e Piotr Kropotkin.[14]

Em agosto de 1887, com o apoio de Mattei, um grupo de padeiros anarquistas — entre eles Francesco Momo, Rafael Torrents e Marino Garbaccio — fundou a Sociedad Cosmopolita de Resistencia y Colocación de Obreros Panaderos. Mattei foi eleito secretário gerente do recém-formado sindicato e Malatesta foi convidado para escrever os estatutos da entidade. Os estatutos redigidos por Malatesta destacavam o papel do sindicato enquanto um órgão de resistência e solidariedade de classe, preconizando uma organização de tipo federalista e instituindo que o sindicato não deveria se intrometer em questões políticas e religiosas.[20][21] Esses estatutos serviram de modelo para outros sindicatos impulsionados por militantes anarquistas, como foi o caso das sociedades de resistência dos carpinteiros, mecânicos e sapateiros.[22]

O sindicato dos padeiros organizou a sua primeira greve já em janeiro de 1888, exigindo pagamento semanal e um aumento salarial de 30%, além de um quilo de pão e 60 centavos por dia para a alimentação.[23] Após dez dias de paralisação, a greve foi vitoriosa e estimulou uma onda grevista que se estendeu até o ano seguinte. Em 1888, além dos padeiros, os empregados domésticos — cozinheiros e garçons —, ferroviários e metalúrgicos paralisaram o trabalho.[24] Em geral, as greves foram motivadas pela depreciação dos salários e em sua maioria terminaram vitoriosas.[25] A greve dos ferroviários foi a que ganhou maior magnitude, contando com a adesão dos trabalhadores metalúrgicos e se espalhando para o interior da província de Buenos Aires, onde foram registradas agitações em Junín e Campana.[26] Malatesta teve um papel ativo nas greves de 1888, advogando a colaboração com os socialistas e estimulando a união entre os militantes do anarquismo, em um esforço para ampliar e consolidar o nascente movimento operário. Ele argumentava que na Argentina a correlação de forças era favorável aos trabalhadores naquele momento, o que possibilitava o êxito dos movimentos grevistas. Segundo Malatesta, as greves deveriam habituar os trabalhadores à luta e fortalecer sua consciência revolucionária.[27]

Logo o empresariado reagiu às agitações grevistas. No dia 19 de novembro de 1888, o Conselho Administrativo da União Industrial Argentina (UIA) criou uma comissão para estudar as greves, suas causas e os meios cabíveis para preveni-las.[28] Em nova reunião, celebrada no dia 23, os empresários firmaram um manifesto considerando as greves contraproducentes e prejudiciais para a indústria nacional. Também decidiram comparecer a um encontro promovido pelos trabalhadores onde seriam discutidas questões relativas às greves. O encontro ocorreu no dia 25 no salão do clube Vorwärts, reunindo as principais lideranças anarquistas e socialistas e alguns representantes do empresariado. Aberta a reunião, presidida por Mattei, Malatesta tomou a palavra, discursando sobre a situação da classe trabalhadora na Europa e na América. O anarquista catalão Zacarías Rabassa fez uma fala abordando o mesmo tema. Em seguida, Eduardo Lluch, sócio da UIA, subiu à tribuna e fez um discurso criticando as ideias de Malatesta e sugerindo a criação de uma comissão composta por patrões e operários para analisar as greves, suas causas e consequências.[29] A ideia de Lluch foi mal recebida pelos presentes e combatida por Rabassa, que a classificou como uma "emboscada".[30] Por fim, os operários reunidos no encontro aprovaram um manifesto que considerava as greves como "um produto da ordem social capitalista" e da "lastimável situação atual da classe trabalhadora". O manifesto também classificava a greve como "um direito natural" dos trabalhadores para a defesa de seus interesses e refutava as afirmações da "imprensa capitalista" de que as greves seriam "obra artificial" de agitadores socialistas.[31]

A agitação operária continuou em 1889. Reivindicações salariais movimentaram o porto de Buenos Aires em janeiro e agosto.[32] A greve de agosto mobilizou empregados nas obras do porto, marinheiros, trabalhadores responsáveis pela carga e descarga dos barcos e barraqueiros da região portuária. A agitação tomou conta do porto e causou grande comoção no bairro operário de La Boca, terminando com uma vitória para os trabalhadores.[33] Outro movimento de vulto foi produzido pelos trabalhadores ferroviários em fins de setembro, mobilizando maquinistas, foguistas, trabalhadores das oficinas e peões de carga. O conflito acabou se estendendo até a cidade de Rosário, onde os maquinistas e foguistas organizados na La Fraternidad entraram em greve reclamando a liberdade de um companheiro preso, em uma paralisação que gerou sérios transtornos no serviço ferroviário do país.[34] Os anarquistas, porém, estiveram ausentes desses movimentos.[35] A partir de 1889, os militantes contrários à organização passaram a ter maior preponderância nas fileiras do movimento libertário argentino.[36]

Predomínio dos antiorganizadores[editar | editar código-fonte]

Malatesta deixou a Argentina em setembro de 1889, deixando os anarquistas partidários da organização sem um de seus quadros mais importantes. Sua partida também coincidiu com um refluxo do movimento operário causado pela retração da atividade econômica do país, atingido por uma séria crise econômico-financeira a partir de 1890. Esse contexto foi favorável para o desenvolvimento da tendência individualista ou antiorganizadora no interior anarquismo local.[37] Essa tendência esteve fortemente vinculada à atividade de um grupo de militantes espanhóis — entre os quais José e Manuel Reguera, Victoriano San José, Indalecio Cuadrado e Rafael Roca — que chegaram ao país nos últimos anos da década de 1880, trazendo consigo as polêmicas travadas entre coletivistas e comunistas que dividiam o movimento anarquista espanhol. O grupo adotou para si o nome de "Los Desheredados", mesma denominação utilizada pelos anarquistas comunistas que romperam com a Federación de Trabajadores de la Región Española no Congresso de Sevilha em 1882.[38]

As discussões que dividiam os coletivistas e comunistas envolviam questões mais abstratas, como a distribuição dos frutos do trabalho na sociedade futura, mas também questões práticas e concretas, como quais meios e métodos de ação deveriam ser adotados pelos anarquistas e qual deveria ser a postura a ser tomada em relação aos sindicatos.[39][40] Para os comunistas antiorganizadores, o coletivismo seria incompatível com a anarquia, uma vez que o coletivismo, "ou seja, a cada um o produto integral de seu trabalho, incentiva o privilégio e com ele as discórdias, as especulações, o crime e todos os males que afligem humanidade", e que para "subsistir o privilégio" e as "suas fatais consequências", seria necessária a existência de uma "autoridade que o sustente". O comunismo, com sua máxima "de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades", faria "cair por terra todo princípio de autoridade" estabelecendo "a liberdade e a igualdade". Desse modo, entendiam que a defesa da organização era incompatível com o ideal anarquista, uma vez que qualquer tipo de organização estaria fundada em um princípio político autoritário.[41] Críticos da ação sindical, negavam o valor e a eficácia das sociedades de resistência e das greves na luta por melhores condições para a classe trabalhadora. Para os antiorganizadores, os anarquistas deveriam atuar em grupos de afinidade para fazer propaganda oral e escrita onde quer que fosse possível.[42] Outra característica dos grupos antiorganizadores era a defesa da violência revolucionária e da propaganda pelo ato.[43] Apesar da retórica violenta — que rendeu aos antiorganizadores constantes perseguições por parte das autoridades —, suas atividades se limitaram à difusão de propaganda anarquista através de folhetos, opúsculos e periódicos, além da realização de conferências e reuniões de controvérsia com os socialistas.[37][44][45]

Edição de El Perseguido de 1 de maio de 1891, celebrando os mártires de Chicago.

O principal periódico dos individualistas foi El Perseguido, editado entre 1890 e 1896 pelo grupo Los Desheredados.[37][46] Outras publicações da mesma tendência, de duração efêmera, foram La Miseria, editado pelos antiorganizadores italianos em 1890; Demoliamo e La Riscossa, publicados em Rosario no ano de 1893; La Liberté, editado pelo anarquista francês Pierre Quiroule entre 1893 e 1984; El Revolucionario, publicado pelos grupos anarquistas de Barracas em 1895; e Le Cyclone, editado entre 1895 e 1896.[47][48]

Da conquista da hegemonia no movimento operário à cisão da FORA (1897-1915)[editar | editar código-fonte]

Governo radical, impacto da Revolução Russa e o "triênio vermelho" (1916-1921)[editar | editar código-fonte]

Anos 1920[editar | editar código-fonte]

A "Década Infame"[editar | editar código-fonte]

Sob o peronismo[editar | editar código-fonte]

Anos 1960 e 1970[editar | editar código-fonte]

Da redemocratização aos dias de hoje[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Oved 1978, p. 32.
  2. Oved 1978, p. 33.
  3. Poy 2014, p. 3.
  4. Oved 1978, pp. 35-36.
  5. a b Zaragoza 1996, p. 74.
  6. a b Oved 1978, p. 21.
  7. Colombo 2004, p. 78.
  8. Zaragoza 1996, p. 71.
  9. a b Oved 1978, p. 22.
  10. Poy 2014, p. 315.
  11. Zaragoza 1996, p. 73.
  12. a b Poy 2014, p. 234.
  13. Zaragoza 1996, p. 80.
  14. a b Poy 2014, p. 237.
  15. Poy 2014, p. 235.
  16. Oved 1978, p. 38.
  17. Zaragoza 1996, p. 89.
  18. a b Poy 2014, p. 236.
  19. Zaragoza 1996, p. 91.
  20. Oved 1978, p. 40.
  21. Zaragoza 1996, pp. 96-97.
  22. Zaragoza 1996, p. 98.
  23. Poy 2014, p. 53.
  24. Colombo 2004, p. 80.
  25. Zaragoza 1996, pp. 98-99.
  26. Poy 2014, pp. 56-59.
  27. Zaragoza 1996, p. 104.
  28. Poy 2014, pp. 59-60.
  29. Poy 2014, pp. 60-61.
  30. Poy 2014, p. 62.
  31. Poy 2014, p. 63.
  32. Poy 2014, p. 65-66.
  33. Poy 2014, pp. 67-68.
  34. Poy 2014, p. 71.
  35. Zaragoza 1996, p. 119.
  36. Zaragoza 1996, p. 115.
  37. a b c Poy 2014, p. 239.
  38. Poy 2014, pp. 240-241.
  39. Oved 1978, p. 49.
  40. Poy 2014, p. 229.
  41. Poy 2014, pp. 243-244.
  42. Oved 1978, p. 51.
  43. Oved 1978, pp. 56-57.
  44. Zaragoza 1996, p. 117.
  45. Oved 1978, p. 43.
  46. Oved 1978, pp. 44-45.
  47. Zaragoza 1996, p. 142.
  48. Poy 2014, pp. 239-240.

Notas

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Ainda não tenho acesso[editar | editar código-fonte]

  • Etchenique, Jorge (2011). Pampa Libre. Anarquistas en la pampa argentina. Santa Rosa: Voces  (2ª edição)
  • López, Antonio (198x). La FORA en el movimiento obrero. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina  (talvez mais útil para o artigo da FORA)
  • Perdía, Roberto; Silva, Horacio (2017). Trieno en rojo y negro. La Semana Trágica, las huelgas de la Patagonia, la lucha de los trabajadores de La Forestal y los anarquistas. Buenos Aires: Editorial Planeta 

Bibliografia secundária[editar | editar código-fonte]

  • Barret, Daniel (2011). Los sediciosos despertares de la anarquía. Buenos Aires: Libros de Anarres. ISBN 978-987-1523-12-2  (para o anarquismo mais recente, caso não haja refs melhores)
  • Beired, José Luis Bendicho (1984). Movimento operário argentino: das origens ao peronismo (1890-1946). São Paulo: Brasiliense  (ref genérica, mas pode ser útil)
  • Coggiola, Osvaldo; Bilsky, Edgardo (1999). História do Movimento Operário Argentino. São Paulo: Xamã. ISBN 85-85833-52-1  (ref genérica, porém útil, mais chance de ser utilizada do que a anterior)
  • Damier, Vadim (2009). Anarcho-syndicalism in the 20th Centurty. Edmonton: Black Cat Press. ISBN 978-0-9737827-6-9  (expõe algumas posições da FORA, pode ser útil)

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Artigos complementares (a serem criados e/ou desenvolvidos)[editar | editar código-fonte]

Militantes[editar | editar código-fonte]

Organizações[editar | editar código-fonte]

Periódicos[editar | editar código-fonte]

Eventos[editar | editar código-fonte]