Ciência indígena

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A ciência indígena é a aplicação e interseção do conhecimento indígena e da ciência. Em ecologia, isso às vezes é chamado de conhecimento ecológico tradicional. A ciência indígena refere-se aos sistemas de conhecimento e práticas dos povos indígenas, que estão profundamente enraizados em suas tradições culturais e compreensão das relações de um território ou lugar das Nações Indígenas. A ciência indígena é holística, seguindo os mesmos métodos da ciência ocidental, incluindo (mas não limitado a): observação, previsão, interpretação, questionamento.[1] Apesar do conhecimento e experiência que a ciência indígena traz, muitas vezes foi desvalorizada pelo establishment científico ocidental.[2] No entanto, tem havido um crescente reconhecimento nas últimas décadas da importância de incorporar perspectivas indígenas e sistemas de conhecimento na prática científica dominante, particularmente em campos como ecologia e gestão ambiental.[3][4] O termo establishment é freqüentemente usado na Austrália para se referir aos principais partidos políticos e também aos poderes por trás desses partidos. No livro, Anti-political Establishment Parties: A Comparative Analysis de Amir Abedi (2004), Amir Abedi refere-se ao Partido Trabalhista e aos Partidos de Coalizão (o Partido Liberal e o Partido Nacional/País) como partidos do establishment.

Tradicional e científica[editar | editar código-fonte]

O conhecimento e as experiências indígenas têm sido tradicionalmente transmitidos oralmente de geração em geração. O conceito de ciência indígena promove a ideia de que cada cultura tem sua própria ciência e compreensão do mundo. Este ponto de vista tem sido empregado por cientistas e formuladores de políticas para adotar novos paradigmas para a interpretação e gestão humana dos processos naturais. Embora existam diferenças no uso e na estrutura entre a ciência indígena e o conhecimento científico, a ciência indígena tem uma base empírica e tem sido tradicionalmente usada para prever e compreender o mundo.

Cada vez mais[vago] os povos indígenas estão ingressando em cursos superiores mundo afora[onde?], no Brasil eram pouco mais de 7 mil alunos em 2010 e passaram de 72 mil alunos matriculados em Universidades em 2019 [5]. Além da presença de indígenas em cursos “tradicionais” como direito, medicina, engenharia, entre outros, cada vez mais[vago] têm surgido cursos superiores construídos levando em conta as diferenças interculturais e territoriais de cada etnia, fazendo com que cada um destes cursos seja distintos entre si. Estamos[quem?] falando sobre a Licenciatura Indígena, na qual já conta com mais de 20 cursos Brasil afora exclusivos para essas populações.[6]

Os cursos de Licenciatura Indígena buscam garantir o diálogo entre saberes indígenas e não indígenas a fim de valorizar os conhecimentos de cada povo, apresentando ferramentas para revitalização de línguas indígenas, formando em nível superior professores para lecionarem nos últimos anos do Ensino Fundamental e no Ensino médio nas escolas indígenas das aldeias em diversas áreas do conhecimento, entre elas: ciências da natureza, matemática, ciências sociais, humanidades, línguas, artes e literatura[7].

Esses cursos superiores surgem como resultado de um histórico de lutas e políticas públicas que datam desde antes da constituição federal de 1988, que garante aos povos indígenas o direito à cidadania plena e o reconhecimento de sua identidade diferenciada e sua manutenção. Temos diversas legislações sendo criadas com objetivo de reconhecer, validar e promover a educação indígena de acordo com suas particularidades, tanto na formação de alunos dos ensinos fundamental e médio, quanto para formação de professores em cursos superiores. Passando pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelo Plano Nacional de Educação (PNE). Como resultado de anos na implementação de políticas públicas diversas nessa área, em 2005 o Ministério da Educação (MEC), lança o Programa de apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas, fomentando instituições  de Educação Superior de todo país a proposta projetos de Cursos de Licenciaturas específicas para formação de professores indígenas e de Permanência de alunos indígenas[8].

Além da presença de indígenas no ensino superior, seja em cursos “tradicionais” e/ou em cursos interculturais, temos dentro do movimento de aproximação da produção científica  da academia com os conhecimentos tradicionais. Parte desse movimento é refletida com a titulação de Doutor honoris causa a notórias lideranças indígenas como o Xamã indígena do povo yanomami Davi Kopenawa[9] e Ailton Krenak[10] da etnia Krenak.

Em ecologia[editar | editar código-fonte]

A Ciência Indígena é frequentemente usada pelo termo "conhecimento ecológico tradicional". No entanto, a ciência indígena refere-se a um pensamento multicontextual.[11] Apesar de se referir a um termo dado por cientistas ocidentais para explicar mais sobre ecologia é uma boa representação de uma categoria de ciência indígena.[12]

O estudo da Ecologia enfoca as relações e padrões entre os organismos em seu ambiente,[13] que é um aspecto fundamental da Ciência Indígena. O objeto da ecologia é um bom ponto inicial para ver os diferentes caminhos de ligação entre a ciência indígena e a ciência ocidental. No entanto, como esse conhecimento é baseado no local, é importante entender que os vários saberes podem variar dependendo das perguntas e respostas necessárias.[14] Muitas vezes é visto na ciência ocidental, a combinação de duas ciências para criar um novo sujeito com uma nova forma de compreensão. Por exemplo, a etnobiologia combina a biologia com a ecologia, permitindo que os etnobotânicos utilizem métodos de conhecimento indígena e botânica para fins de identificação e classificação de espécies.[15] O uso da ecologia também pode ser um ótimo começo ao tentar entender a perspectiva do pensamento holístico, pensando em impactos, como como o declínio da população de peixes afeta a natureza, a cadeia alimentar e os ecossistemas costeiros.[16]

A ciência indígena ajudou a enfrentar os desafios ecológicos tais quais a restauração do salmão, gerenciamento de aves marinhas, surtos de hantavírus, e combate a incêndios florestais.

Ciências baseadas no lugar[editar | editar código-fonte]

A ciência indígena, ao contrário da ciência ocidental, difere em perspectiva porque a ciência indígena é subjetiva e não reducionista e objetiva como é a ciência ocidental.[17] O que isso significa é que a compreensão de ciência de uma pessoa é holisticamente baseada em seu território, práticas culturais e experiências/ensinamentos ao longo da vida.[18]

Essa compreensão nos cenários contemporâneos tem levado à colaboração entre comunidades indígenas e cientistas em projetos, "indigenizando" o método científico. Isso permite que os projetos liderados por indígenas e o trabalho comunitário respeitem e legitimem seus conhecimentos e entendimentos.[19]

Estudos de climatologia fizeram uso do conhecimento tradicional (Qaujimajatuqangit) entre os Inuit ao estudar mudanças de longo prazo no gelo marinho.[20][21]

Assim como na ecologia, o conhecimento indígena tem sido usado em áreas biológicas, incluindo comportamento animal, evolução, fisiologia, histórias de vida, morfologia, conservação da vida selvagem, saúde da vida selvagem e taxonomia.[22]

Tecnologias indígenas[editar | editar código-fonte]

A definição de tecnologia é "a aplicação do conhecimento científico para fins práticos, especialmente na indústria". Isso implicaria que, quando uma tecnologia indígena foi desenvolvida, a ciência ou conhecimento dela veio primeiro. Existem muitos exemplos de tecnologias indígenas que foram desenvolvidas para uso específico com base em sua localização e cultura, como: jardins de mariscos, açudes de peixes, árvores culturalmente modificadas (CMTs), teares, têxteis, joias etc.[23] Também é importante notar que essas tecnologias não eram tão simples quanto fornecer experiências turísticas, mas abrangem uma ampla variedade de assuntos, como: agricultura e maricultura, pesca, manejo florestal e exploração de recursos, técnicas de manejo atmosférico e terrestre.[23]

Árvores culturalmente modificadas são quando os recursos de uma árvore são usados de uma forma que não mata a própria árvore
Ilustração de represa de peixes, projetada para guiar o salmão no recinto a ser selecionado a dedo como forma de gerenciar a população de salmões para garantir corridas saudáveis no ano seguinte

Disputas de saberes[editar | editar código-fonte]

O caso da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, localizada em Altamira (PA), é emblemático para exemplificar as disputas entre os sabres tradicionais indígenas sobre a gestão da água e os argumentos da ciência ocidental e do discurso exploratório. O argumento tradicional sobre os malefícios da construção da usina, com a seca que a barragem provocaria, foi rebatido sob os argumentos de que a barragem apenas alaga uma parte do território. O conhecimento indígena inclui uma compreensão detalhada dos ciclos naturais das águas, como cheias e vazantes dos rios. As comunidades puderam destacar como a construção da barragem alteraria esses ciclos, afetando não apenas a pesca, mas também o uso da água para outros fins, como a agricultura. Além do impacto direto na região alagada e o deslocamento de populações tradicionais de seu território de origem, a construção da barragem secou trechos importantes do rio, o que ocasionou perdas na fauna e flora do local. O debate sobre esse tipo de energia ser limpa em comparação à usinas nucleares ou termoelétricas prevaleceu, e após cerca de 40 anos, a usina de Belo Monte foi inaugurada. Os saberes tradicionais que apontavam para os impactos ambientais dessa construção se mostraram reais pouco tempo depois, porém, com pouco espaço para uma ação efetiva em poder reverter o caso.

Referências

  1. Henri, Dominique A.; Provencher, Jennifer F.; Bowles, Ella; Taylor, Jessica J.; Steel, Jade; Chelick, Carmen; Popp, Jesse N.; Cooke, Steven J.; Rytwinski, Trina (abril de 2021). «Weaving Indigenous knowledge systems and Western sciences in terrestrial research, monitoring and management in Canada: A protocol for a systematic map». Ecological Solutions and Evidence (em inglês). 2 (2). ISSN 2688-8319. doi:10.1002/2688-8319.12057. Consultado em 17 de abril de 2023. Cópia arquivada em 17 de abril de 2023 
  2. Kimmerer, Robin Wall (2013). Braiding sweetgrass 1st ed. Minneapolis, Minnesota: [s.n.] ISBN 978-1-57131-335-5. OCLC 829743464. Consultado em 17 de abril de 2023. Cópia arquivada em 17 de abril de 2023 
  3. Battiste, Marie (2005). Hsieh, Jolan, ed. «Indigenous Knowledge: Foundations for First Nations». International Journal of Indigenous Education Scholarship. 1. Consultado em 17 de abril de 2023. Cópia arquivada em 15 de abril de 2023 
  4. Berkes, Fikret (29 de março de 2012). Sacred Ecology (em inglês) 1st ed. [S.l.]: Routledge. ISBN 978-1-136-34173-1. doi:10.4324/9780203123843. Consultado em 17 de abril de 2023. Cópia arquivada em 17 de abril de 2023 
  5. «Saber indígena pode enriquecer ciência e espaço universitário». Jornal da USP. 16 de agosto de 2022. Consultado em 7 de fevereiro de 2024 
  6. «licenciatura indígena - Ministério da Educação». portal.mec.gov.br. Consultado em 7 de fevereiro de 2024 
  7. «Apresentação | Licenciatura Intercultural Indígena». indigena.ufes.br. Consultado em 7 de fevereiro de 2024 
  8. «LICENCIATURA INDÍGENA». Gestrado. Consultado em 7 de fevereiro de 2024 
  9. «Líder indígena recebe título de Doutor Honoris Causa da Unifesp». Agência Brasil. 15 de março de 2023. Consultado em 7 de fevereiro de 2024 
  10. «Ailton Krenak é o primeiro indígena a receber Doutor Honoris Causa pela UnB». Brasil de Fato. 13 de maio de 2022. Consultado em 7 de fevereiro de 2024 
  11. Diana, Diaz, Sandra Demissew, Sebsebe Carabias, Julia Joly, Carlos Lonsdale, Mark Ash, Neville Larigauderie, Anne Adhikari, Jay Ram Arico, Salvatore Baldi, Andras Bartuska, Ann Baste, Ivar Andreas Bilgin, Adem Brondizio, Eduardo Chan, Kai M. A. Figueroa, Viviana Elsa Duraiappah, Anantha Fischer, Markus Hill, Rosemary Koetz, Thomas Leadley, Paul Lyver, Philip Mace, Georgina M. Martin-Lopez, Berta Okumura, Michiko Pacheco, Diego Pascual, Unai Perez, Edgar Selvin Reyers, Belinda Roth, Eva Saito, Osamu Scholes, Robert John Sharma, Nalini Tallis, Heather Thaman, Randolph Watson, Robert Yahara, Tetsukazu Hamid, Zakri Abdul Akosim, Callistus Al-Hafedh, Yousef Allahverdiyev, Rashad Amankwah, Edward Asah, Stanley T. Asfaw, Zemede Bartus, Gabor Brooks, L. Anathea Caillaux, Jorge Dalle, Gemedo Darnaedi, Dedy Driver, Amanda Erpul, Gunay Escobar-Eyzaguirre, Pablo Failler, Pierre Fouda, Ali Moustafa Mokhtar Fu, Bojie Gundimeda, Haripriya Hashimoto, Shizuka Homer, Floyd Lavorel, Sandra Lichtenstein, Gabriela Mala, William Armand Mandivenyi, Wadzanayi Matczak, Piotr Mbizvo, Carmel Mehrdadi, Mehrasa Metzger, Jean Paul Mikissa, Jean Bruno Moller, Henrik Mooney, Harold A. Mumby, Peter Nagendra, Harini Nesshover, Carsten Oteng-Yeboah, Alfred Apau Pataki, Gyoergy Roue, Marie Rubis, Jennifer Schultz, Maria Smith, Peggy Sumaila, Rashid Takeuchi, Kazuhiko Thomas, Spencer Verma, Madhu Yeo-Chang, Youn Zlatanova (2015). The IPBES Conceptual Framework - connecting nature and people. [S.l.]: Stockholms universitet, Stockholm Resilience Centre. OCLC 1234230658. Consultado em 17 de abril de 2023. Cópia arquivada em 17 de abril de 2023 
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  13. Odum, Eugene (1971). Fundamentals of Ecology Vol. 3 ed. [S.l.]: Saunders Philadelphia 
  14. Alexander, Steven M.; Provencher, Jennifer F.; Henri, Dominique A.; Nanayakkara, Lushani; Taylor, Jessica J.; Berberi, Albana; Lloren, Jed Immanuel; Johnson, Jay T.; Ballard, Myrle (julho de 2021). «Bridging Indigenous and Western sciences in freshwater research, monitoring, and management in Canada». Ecological Solutions and Evidence (em inglês). 2 (3). ISSN 2688-8319. doi:10.1002/2688-8319.12085. Consultado em 17 de abril de 2023. Cópia arquivada em 17 de abril de 2023 
  15. Johnson, Jay T.; Howitt, Richard; Cajete, Gregory; Berkes, Fikret; Louis, Renee Pualani; Kliskey, Andrew (1 de janeiro de 2016). «Weaving Indigenous and sustainability sciences to diversify our methods». Sustainability Science (em inglês). 11 (1): 1–11. ISSN 1862-4057. doi:10.1007/s11625-015-0349-x. Consultado em 17 de abril de 2023. Cópia arquivada em 17 de abril de 2023 
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