Quilombo do Carucango

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Quilombo do Carucango foi um dos maiores[carece de fontes?] quilombos do Estado do Rio de Janeiro. O nome do quilombo se refere ao fundador e líder, Carucango (Moçambique, século XVIIIConceição de Macabu ou Macaé, 01 de abril de 1831[1])

Origem e Grafia do nome Carucango[editar | editar código-fonte]

O mais antigo registro literário a citar Carucango, livro do 1º Barão de Araruama, de 1819, usa a grafia “Caerokango”, para definir o local de nascimento do Rio Macabu[2]. Já na obra de Antão de Vasconcellos, a mais importante e completa sobre Carucango e seu quilombo, Evocações-Crimes Célebres em Macahé, a grafia utilizada é Carukango[3].

O IBGE, na sua Carta Aerofotogramétrica de 1967, nomeia o Rio Carucango, um dos afluentes do Rio Macabu, como Rio Carocango[4].

Já o escritor e historiador João Oscar, em seu romance sobre Carucango, o nome utilizado é Curunkango[5].

Os escravos que chegavam nas Américas vindos da África, eram batizados com nomes típicos das regiões de batismo e sobrenome de seu local de origem no continente africano[6]. Carucango, chegando ao porto de Macaé, Estado do Rio de Janeiro, foi batizado e recebeu o nome de Antônio, sobrenome Moçambique – Antônio Moçambique[7].

Fontes Históricas, Literárias e outras Referências[editar | editar código-fonte]

A primeira e principal fonte sobre o Quilombo do Carucango é o livro Evocações – Crimes Célebres em Macahé, escrito por Antão de Vasconcellos, neto do coronel Antônio Antão de Vasconcellos, chefe militar da Capitania do Espírito Santo e líder das tropas que destruíram o quilombo. O livro, que trata de vários eventos criminais de Macaé, dá especial atenção à história do quilombo, descrevendo em detalhes o perfil de Carucango, sua revolta, fuga, organização do quilombo e destruição do mesmo, bem como, o linchamento de Carucango[8].

Outras referências importantes, mas que só vieram à tona entre 2002 e 2012, são fontes primárias, documentos produzidos durante os eventos do quilombo. Trata-se de um óbito de escravos que combateram no “quilombo ao pé do Rio Macabu[9], onde o vigário que registrou o óbito, faz um detalhado relato, confirmando quase todos os eventos do livro Evocações – Crimes Célebres em Macahé.

Além do registro de óbitos, outras fontes primárias sobre Carucango foram encontradas em 2012, tratando-se de Autos de Devassa[7], onde ataques e roubos a fazendas, seguidos de assassinatos, são investigados pelo delegado local. Os eventos dos autos de devassa e o óbito descrito pelo vigário, além de confirmarem vários eventos do livro de Antão de Vasconcellos, se referem a Carucango pelo seu nome de batismo: Antônio Moçambique.

No interior do município de Conceição de Macabu, na divisa com Macaé, existe uma localidade chamada de Carucango[10], onde nasce um rio chamado de Carucango[11] e há uma cachoeira chamada também de Carucango[12]. Nos Registros Paroquiais de Terras da Freguesia de Nossa senhora da Conceição de Macabu (1854-1865)[13], há várias referências a propriedades rurais situadas em áreas de um antigo quilombo, exatamente, na região conhecida por Carucango, banhada pelo rio de mesmo nome.

Uma ponta de lança, encontrada na região do Carucango, de aproximadamente 60 cm, feita em bronze e ferro, sem soldas e com idade estimada em 150-200 anos, foi descrita pela Dra, Lisi Salum da USP como sendo de “inspiração ou origem basongue[14], mesma origem da palavra Curacango.

O Escravo Carucango[editar | editar código-fonte]

No início do século XIX chegou ao porto de Macaé um escravo moçambicano, conhecido como Carucango. O escravo ficara conhecido no tumbeiro como líder espiritual ou nos dizeres da época: feiticeiro[15].

Curacango foi vendido ao fazendeiro Antônio Gomes Pinto, cuja família era muito numerosa e poderosa na região. As suas fazendas ficavam na Freguesia de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita, atualmente parte do município de Macaé.

O escravo continuou a ser um "negro boçal": não aprendeu português e não abandonou suas crenças e costumes africanos. Resistiu ao trabalho com sabotagens e negligências, e estabeleceu liderança espiritual sobre os outros escravos da fazenda. Foi submetido várias vezes ao açoitamento no tronco.

Formação do Quilombo[editar | editar código-fonte]

Certa noite, os escravos arrombaram as portas das senzala e evadiram-se. Os escravos velhos, que não aceitaram fugir, foram degolados para que não delatassem os planos dos demais[15]. Os rebeldes assaltaram o armazém da fazenda, apoderando-se de ferramentas, facões, alimentos e cordas. O feitor e os patrões perseguiram os fugitivos com tiros, mas a fuga foi bem sucedida.

Os escravos seguiam para o cume das montanhas da Serra do Deitado[10], região habitada na época somente por índios e fugitivos, que hoje faz parte dos municípios de Macaé e Conceição de Macabu. Lá, perto da nascente do rio Deitado, afluente do Rio São Pedro, encontraram um platô grande onde construíram um abrigo coletivo, que ocultava a entrada de uma caverna. Ao redor, passaram a cultivar plantações diversas: milho, cana, feijão, mandioca, inhame, favas, maxixe. A alimentação era complementada pela caça e coleta de frutas, palmito e raízes da região.

Nos meses seguintes, ocorreram várias fugas nas fazendas da região. Os confrontos entre proprietários e fugitivos tornaram-se cada vez mais intensos, havendo mortes de pessoas brancas como a de um irmão de Francisco Pinto e seus familiares.

Os quilombolas realizavam roubos nas fazendas mais próximas para obter sementes, alimentos, ferramentas e armas. Nas incursões, as escravas eram levadas para o quilombo á força ou por livre vontade. Em um ataque frustrado à fazenda de seu antigo dono, Curacango foi reconhecido como líder dos quilombolas, mas conseguiu escapar mesmo depois de ferido à bala.

A partir daí, foram feitas petições às autoridades locais pedindo-se para destruir o quilombo que ameaçava a paz social. Então foi pedido auxílio ao coronel Antônio Coelho Antão de Vasconcellos, chefe do Distrito Militar da Capitania do Espírito Santo, que naquela época se estendia até Campos dos Goitacazes[3].

Destruição do Quilombo e Morte de Curacango[editar | editar código-fonte]

As milícias do Espírito Santo juntaram-se com as da vila de Macaé, além de voluntários de toda a região, em especial da família Pinto. Apesar de ser uma força militar bem superior em armamento e organização, as milícias desconheciam o terreno e foram sucessivamente repelidas em confrontos que ocorreram no alto de montanhas e dentro das florestas virgens.

O coronel Antão Vasconsellos, experiente militar que havia chegado ao Brasil com Dom João VI, percebeu que teria de mudar de tática, abandonando os ataques em massa e tentando surpreender o inimigo.

Um novo plano foi iniciado após a captura de um quilombola que, sob tortura, confessou a exata localização do quilombo. Todas as trilhas foram bloqueadas, as milícias fizeram sucessivos ataques com uso constante de armas de fogo, até que finalmente, atingiram o platô onde se localizava o quilombo. No alto, o cenário impressionou a todos: diversas plantações cobriam a terra tendo ao centro uma enorme casa de pau-a-pique com telhado de palha[8]. Cerca de duas centenas de quilombolas, seminus, de todos os sexos e idades estavam armados de foices, alfanjes, lanças e umas poucas armas de fogo, prontos para defender sua liberdade.

A narração dos fatos seguintes encontra-se no “Livro de Registro de Óbitos da Freguesia de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita 1808-1847” escrito pelo Vigário João Bernardo da Costa Resende, conforme levantamento da Secretaria de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico - SEMAPH - de Macaé. Segundo este documento, o “quilombo do pé do rio Macabu” foi atacado no dia 1º de Abril de 1831, uma Sexta-feira Santa. O capitão do quilombo (Curacango) negociou a rendição dizendo que se entregaria caso se prometesse que ele e a sua gente não seriam mortos, caso contrário ele iria morrer defendendo os seus. O comandante deu a sua palavra e todos se entregarem. Entretanto, o soldado José Nunes do Barreto deu um tiro no capitão do quilombo, e quando este tombou de joelhos, um outro soldado lhe atirou por trás. Então foram degolados todos os guerreiros que haviam se entregado[1].

Encerrados os combates, as milícias atearam fogo às casas e plantações, e atiraram os corpos dos mortos e feridos nos penhascos e na caverna sob a casa principal.

Para que seu exemplo não fosse esquecido, o corpo de Curacango foi retalhado, seus membros e tronco exibido nas fazendas e na Freguesia de Nossa Senhora das Neves. A cabeça, espetada numa lança, foi colocada na estrada de maior movimento da região, a do Farumbongo, onde permaneceu até decompor-se por completo.

Curacango é homenageado em Conceição de Macabu com nome de localidade[10], rio e serra e, em Macaé com nome de rua.

Versões Lendárias[editar | editar código-fonte]

A versão dos eventos baseada em relatos orais conta uma estória diversa. Segundo esta, as milícias já estavam vencendo os quilombolas quando Curacango surgiu do interior da construção principal vestindo um manto religioso e trazendo no peito um enorme crucifixo de ouro. Ao avistá-lo, os milicianos paralisaram os combates, pois parecia que havia a rendição incondicional dos rebeldes quilombolas. Curacango então se aproximou dos milicianos com os braços erguidos para o alto e, repentinamente, sacou uma pistola de dois canos que guardava sob as vestes, e disparou à queima roupa, matando instantaneamente o jovem Antonio, filho único de Francisco Pinto, seu antigo dono.

A seguir, Curacango foi despido, surrado e espancado até á morte pelas tropas. O restante dos quilombolas foi massacrado em combate ou cometeu suicídio atirando-se dos penhascos. Umas poucas mulheres foram poupadas e levadas de volta a seus donos. Segundo elas, Curacango não permitia nascimentos no quilombo: os recém-nascidos eram mortos, para que no futuro não servissem aos senhores brancos como escravos[10].

Quilombo do Curacango: Controvérsias e Licenças Poéticas[editar | editar código-fonte]

Personagem importante da História do Norte Fluminense, especialmente em Conceição de Macabu e Macaé, Curacango teve sua trajetória romanceada por alguns escritores, compositores, autores de Teatro e Cinema.

O romantismo em torno de Curacango foi cercado de várias licenças poéticas, que muitas vezes são confundidas com a verdade. É o caso da origem de Curacango, descrita por João Oscar em seu romance Curunkango Rei, como sendo natural da tribo Beachuana, que na época dos eventos históricos, estava situada ao Sul de Moçambique e Norte da África do Sul, contradizendo os fatos históricos que dão como origem de Curacango a região Norte de Moçambique, Congo ou Lago Malawi, onde habitavam e habitam os songues.

Outra licença poética criada no mesmo livro é a relação entre Curacango e José do Patrocínio, como se o primeiro fosse avô do segundo.

A localização exata do quilombo é outro tema que gera controvérsias. Embora nunca tenha sido localizado, ou apontado de fato por ninguém, é comum que surjam suspeitas. Uma delas é a Serra da Cachica[16] em Conceição de Macabu. Localizada nas margens do Rio Curacango[17] na região chamada de Amorosa[18], muito próxima a região chamada de Curacango, a serra abriga um extenso platô, com bastante água, hoje, quase todo coberto por florestas.

Além da Serra da Cachica, outro local que possivelmente teria abrigado o quilombo seria a Serra do São Tomé[18], na localidade dos Piabas[19], também em Conceição de Macabu, só que nas divisas com Macaé.

A dúvida que paira entre um e outro local é a mesma: segundo o livro Evocações – Crimes Célebres de Macaé, além da serra, do platô, o quilombo tinha em seu centro uma casa que se conectava com furnas ou grutas, onde se abrigava mais de duzentos quilombolas[20]. Se o livro estiver correto, o que ainda não foi encontrado, nem na Serra da Cachica, nem na Serra do São Tomé – ambas muito grandes – são as grutas.

Referências

  1. a b Livro 01- B - Registro de Óbitos de Dois Escravos que Lutaram no Quilombo ao Pé do Rio Macabu, do Registro de Óbitos da Paróquia de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita (1809 a 1847) de óbitos dos anos de 1809 a 1847.pág. 109 v e 110.
  2. SILVA, José Carneiro da. Memória sobre a abertura de um canal para facilitar a comunicação entre a cidade de Campos e a Villa de São João de Macahé. 1836. p.10.
  3. a b VASCONCELLOS, Antão de. Evocações – Crimes Célebres em Macaé. Rio de Janeiro: B. Aguilla Editora, 1911.pp.47-61
  4. Carta Aerofotogramétrica de Conceição de Macabu, IBGE, 1967.
  5. OSCAR, João. Curunkango Rei. Rio de Janeiro: Achiamé, 1988.
  6. RODRIGUES, Cláudia; FRANCO, Maria da C. V. Notas sobre a presença e a atuação da Igreja Católica na Antiga Macaé. In: AMANTINO, Márcia; RODRIGUES, Cláudia; ENGEMAN, Carlos; FREIRE, Jonis (orgs). Povoamento, Catolicismo e Escravidão na Antiga Macaé (séculos XVII ao XIX). Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.
  7. a b AUTO DE DEVASSA A QUE MANDOU PROCEDER O JUIZ PELO CAPITÃO JOAQUIM ALVES DE BRITO PELA MORTE DE SEBASTIÃO JOSÉ PACHECO E FRANCISCO JOSÉ PINTO CUNHA, Nº 32, FOLHAS 01-34.
  8. a b VASCONCELLOS, Antão de. Evocações – Crimes Célebres em Macaé. Rio de Janeiro: B. Aguilla Editora, 1911.p.61
  9. Livro 01- B - Registro de Óbitos de Dois Escravos que Lutaram no Quilombo ao Pé do Rio Macabu, do Registro de Óbitos da Paróquia de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita (1809 a 1847) de óbitos dos anos de 1809 a 1847.pág. 109 v e 110.
  10. a b c d GOMES, Marcelo Abreu. ABC de Macabu – Dicionário de Topônimos e Curiosidades. Conceição de Macabu: Gráfica Macuco, 2003, p.42.
  11. Ibdem. p.69
  12. Ibdem.Ibdem.p.33
  13. APERJ – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu. Livro 41, Registro 58.
  14. Detetives da História – A Lança do Quilombo – The History Channel, 18 de julho de 2006. Também disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=h6mOF5eCAbc&t=1456s.
  15. a b VASCONCELLOS, Antão de. Evocações – Crimes Célebres em Macaé. Rio de Janeiro: B. Aguilla Editora, 1911.
  16. GOMES, Marcelo Abreu. ABC de Macabu – Dicionário de Topônimos e Curiosidades. Conceição de Macabu: Gráfica Macuco, 2003, p.154.
  17. Ibdem.p.155
  18. a b Ibdem.p.177
  19. Ibdem.p178
  20. VASCONCELLOS, Antão de. Evocações – Crimes Célebres em Macaé. Rio de Janeiro: B. Aguilla Editora, 1911.p.59

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • GOMES, Flávio dos Santos. Uma Tradição Rebelde: Notas sobre os Quilombos na Capitania do Rio de Janeiro (1624-1818).
  • GOMES, Marcelo Abreu. ABC de Macabu - Dicionário de topônimos e curiosidades. Conceição de Macabu, Gráfica Macuco,2004.
  • GOMES, Marcelo Abreu. Macabu - A história até 1900. Conceição de Macabu, Gráfica Macuco,1997.
  • GOMES, Marcelo Abreu. Geografia Física de Conceição de Macabu. Conceição de Macabu, Gráfica e Editora Poema,1998.
  • TAVARES, Godofredo Guimarães. Imagens da Nossa Terra. Prymil, 2002.
  • AMANTINO, Márcia; RODRIGUES, Cláudia; ENGEMAN, Carlos; FREIRE, Jonis (orgs). Povoamento, Catolicismo e Escravidão na Antiga Macaé (séculos XVII ao XIX). Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.
  • DETETIVES DA HISTÓRIA – A LANÇA DO QUILOMBO – The History Channel, 18 de julho de 2006. Também disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=h6mOF5eCAbc&t=1456s.
  • APERJ – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Macabu. Livro 41, Registro 58.
  • SILVA, José Carneiro da. Memória sobre a abertura de um canal para facilitar a comunicação entre a cidade de Campos e a Villa de São João de Macahé. 1836. p.10.
  • VASCONCELLOS, Antão de. Evocações – Crimes Célebres em Macaé. Rio de Janeiro: B. Aguilla Editora, 1911.
  • GOMES, Flávio dos Santos. Uma Tradição Rebelde: Notas sobre os Quilombos na Capitania do Rio de Janeiro (1624-1818).
  • GOMES, Marcelo Abreu. ABC de Macabu - Dicionário de topônimos e curiosidades. Conceição de Macabu, Gráfica Macuco,2004.
  • GOMES, Marcelo Abreu. Macabu - A história até 1900. Conceição de Macabu, Gráfica Macuco,1997.
  • GOMES, Marcelo Abreu. Geografia Física de Conceição de Macabu. Conceição de Macabu, Gráfica e Editora Poema,1998.
  • TAVARES, Godofredo Guimarães. Imagens da Nossa Terra. Prymil, 2002.