Subalterno

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Antonio Gramsci cunhou o termo subalterno para explicar o status socioeconômico dos povos “nativos” de uma colônia imperial.

O termo subalterno foi cunhado pelo filósofo marxista italiano Antonio Gramsci para identificar a hegemonia cultural que exclui pessoas e grupos sociais específicos das instituições socioeconômicas de uma sociedade, a fim de negar suas vozes e sua agência na política colonial. Nos estudos pós-coloniais e na teoria crítica, o termo é utilizado para designar as populações coloniais que foram excluídas (social, política e geograficamente) da hierarquia de poder das colônias e dos centros imperiais europeus.

Utililização[editar | editar código-fonte]

Os termos subalterno e estudos subalternos entraram para o vocabulário dos estudos pós-coloniais por meio das obras dos Estudos Subalternos, grupo composto por historiadores, cujos trabalhos privilegiaram o protagonismo histórico dos subalternos, homens e mulheres comuns das classes sociais "de baixo", em vez de enfatizar os papeis das elites sociais e econômicas na história da Índia.[1]

Na teoria pós-colonial, o termo subalterno descreve em sentido amplo as classes sociais mais baixas e Outros grupos sociais marginalizados em uma sociedade; em sentido específico, no contexto histórico de uma colônia imperial, um ser humano subalterno é uma pessoa nativa que tem sua agência negada por sua situação social.[2]

A teórica feminista indiana Gayatri Chakravorty Spivak advertiu sobre uma aplicação demasiado ampla do termo subalterno. Segundo ela, a palavra não deve ser utilizada como um sinônimo elegante para significar "oprimido": "Em termos pós-coloniais, tudo o que tem limitado ou nenhum acesso ao imperialismo cultural é subalterno - um espaço de diferença. Agora, quem diria que são apenas os oprimidos? A classe trabalhadora está oprimida. Não é subalterna...".[3]

Na teoria marxista, o sentido civil do termo subalterno foi usado pela primeira vez por Antonio Gramsci (1891–1937). É provável que o filósofo tenha utilizado a palavra como sinônimo de proletariado, como uma palavra-código para enganar o censor da prisão em que ele se encontrava e permitir que seus manuscritos conseguissem sair da prisão.[4] Todavia, evidências contemporâneas indicam que o termo era um conceito novo na teoria política de Gramsci.[5]

O crítico pós-colonial Homi K. Bhabha enfatizou a importância das relações sociais de poder na definição de grupos sociais subalternos como oprimidos, minorias raciais, cuja presença social era crucial para a autodefinição do grupo majoritário; como tal, os grupos sociais subalternos, no entanto, também estão em posição de subverter a autoridade dos grupos sociais que detêm o poder hegemônico.[6]

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos aplicou o termo cosmopolitismo subalterno para descrever a prática contra-hegemônica de luta social contra o neoliberalismo e a globalização, especialmente a luta contra a exclusão social. Além disso, de Sousa Santos aplicou cosmopolitismo subalterno como intercambiável com o termo legalidade cosmopolita para descrever o quadro de diversas normas destinadas a realizar uma igualdade de diferenças, em que o termo subalterno identifica os povos oprimidos, à margem da sociedade, que lutam contra o hegemonia da globalização econômica. Contexto, tempo e lugar determinam quem, entre os povos marginalizados, é um subalterno; na Índia, mulheres, shudras e dalits (também conhecidos como intocáveis) e trabalhadores migrantes rurais fazem parte do estrato social subalterno.[7]

Método[editar | editar código-fonte]

Como método de investigação científica, de análise do papel político das populações subalternas, a teoria da história de Karl Marx apresenta a história colonial desde a perspectiva do proletariado e a partir da concepção de que as classes sociais são determinadas pelas relações econômicas de uma sociedade. Desde a década de 1970, o termo subalterno denotava os povos colonizados do subcontinente indiano, por meio de uma história imperial vista de baixo, isto é, de acordo com a experiência dos povos colonizados daquele território, em detrimento do discurso dos colonizadores provenientes da Europa Ocidental. Na década de 1980, o método de investigação histórica dos Estudos Subalternos foi aplicado à historiografia do sul da Ásia.[8]

Como um método de discurso intelectual, o conceito de subalterno originou-se como um método eurocêntrico de investigação histórica sobre os povos não-ocidentais (da África, Ásia e Oriente Médio) e sua r seçõeselação com a Europa Ocidental, entendida como o centro da história mundial.[8]

Teoria[editar | editar código-fonte]

A teoria pós-colonial estuda o poder e o domínio contínuo das formas ocidentais de investigação intelectual, os métodos de geração de conhecimento. No livro Orientalismo (1978), Edward Said aborda conceitualmente os sujeitos oprimidos subalternos nativos, para explicar como a perspectiva eurocêntrica do Orientalismo produziu os fundamentos ideológicos e as justificativas para a dominação colonial do Outro. Antes de suas explorações reais do Oriente, os europeus haviam inventado geografias imaginárias do Oriente; imagens predefinidas dos povos selvagens e lugares exóticos que se estendem além do horizonte do mundo ocidental. As mitologias do Orientalismo foram reforçadas por viajantes que voltaram da Ásia para a Europa com relatos de monstros e terras selvagens, que se baseavam na diferença conceitual e na estranheza do Oriente; tais discursos culturais sobre o Outro oriental foram perpetuados pelos meios de comunicação de massa da época e criaram uma relação social binária Nós-e-Eles com a qual os europeus se definiam definindo as diferenças entre o Oriente e o Ocidente. Como fundamento do colonialismo, a relação social binária Nós-e-Eles representava erroneamente o Oriente como terras atrasadas e irracionais e, portanto, necessitando da missão civilizadora européia para ajudá-los a se tornarem modernos, no sentido ocidental; portanto, o discurso eurocêntrico do orientalismo exclui as vozes dos próprios nativos subalternos, os orientais.[9][10]

O teórico cultural Stuart Hall afirmou que o poder do discurso cultural criou e reforçou o domínio ocidental sobre o mundo não ocidental. Segundo ele, os discursos europeus que descrevem as diferenças entre o Ocidente e o Oriente aplicam categorias culturais, línguas e ideias europeias para representar o Outro não-europeu. O conhecimento produzido por tais discursos tornou-se práxis social, que então se tornou realidade; ao produzir um discurso da diferença, a Europa manteve o domínio do Ocidente sobre o Outro não-europeu, utilizando uma relação social binária que criou e estabeleceu o nativo subalterno, ideia calcada na exclusão do Outro na produção do discurso entre o Oriente e o Ocidente.[11]

Referências

  1. David Ludden (ed) Reading Subaltern Studies: Critical History, Contested Meaning and the Globalisation of South Asia. Delhi: Permanent Black, 2003.
  2. Young, Robert J. C. Postcolonialism: A Very Short Introduction. New York: Oxford University Press, 2003.
  3. de Kock, Leon. "Interview With Gayatri Chakravorty Spivak: New Nation Writers Conference in South Africa." ARIEL: A Review of International English Literature Arquivado em 2011-07-06 no Wayback Machine. 23(3) 1992: 29-47. ARIEL
  4. Morton, Stephen. "The Subaltern: Genealogy of a Concept", in Gayatri Spivak: Ethics, Subalternity and the Critique of Postcolonial Reason. Malden, MA: Polity, 2007: pp. 96-97; and Hoare, Quintin, and Geoffrey Nowell-Smith. "Terminology", in Selections from the Prison Notebooks. New York: International Publishers, pp. xiii-xiv
  5. Green, Marcus E. "Rethinking the Subaltern and the Question of Censorship in Gramsci's Prison Notebooks," Postcolonial Studies, Volume 14, Number 4 (2011): 385-402.
  6. Garcia-Morena, Laura and Pfeiffer, Peter C. Eds. "Unsatisfied: Notes on Vernacular Cosmopolitanism", Text and Nation: Cross-Disciplinary Essays on Cultural and National Identities. Columbia, SC: Camden House, 1996: pp. 191–207 and "Unpacking my library . . . again", The Post-colonial Question: Common Skies, Divided Horizons. Iain Chambers, Lidia Curti, eds. New York: Routledge, 1996: 210.
  7. de Sousa Santos, Boaventura. 2002. Toward a new legal common sense: Law, Globalization, and Emancipation. London: Butterworth.
  8. a b Prakash, Gyan. "Subaltern Studies as Postcolonial Criticism", The American Historical Review, December, 1994, Vol. 99, No. 5, pp. 1475–1490, and p. 1476.
  9. Race and Racialization: Essential Readings by T. Das Gupta, et al. (eds). Toronto: Canadian Scholars Press. 2007.
  10. Sharp, Joanne. Geographies of Postcolonialism, chapter 1, On Orientalism. SAGE Publications. 2008.
  11. Hall, S. "The West and the Rest: Discourse and Power". Race and Racialization: Essential Readings. Das Gupta, T. et al (eds). Toronto: Canadian Scholars Press. 2007.