Usuário(a):Gabslourenco/Habilidades auditivas e desenvolvimento de linguagem

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Introdução[editar | editar código-fonte]

A audição é essencial para a aquisição das habilidades auditivas e desenvolvimento da linguagem. A integridade anatômica e funcional do sistema auditivo periférico e central e a exposição às experiências auditivas constituem pré-requisito para a aquisição e desenvolvimento normal da linguagem[1].

O sistema auditivo começa ser formado a partir da 20ª semana de gestação, o tímpano está completamente formado e o sistema auditivo funcionando, o que permite que o feto reaja a estímulos sonoros intensos. No quinto mês de gestação o feto já possui as estruturas do ouvido médio e do ouvido interno formados. No sexto mês de gestação as fibras do nervo auditivo começam a mielenizar-se[2]. Verri (1999) observa que o feto tem a capacidade de ouvir e desenvolver a memória dos sons intrauterinos e de detectar, responder e diferenciar sons, assim como a sua intensidade e altura.[3] Ao nascer, o bebê responde aos sons de forma reflexa, mas, a partir do momento em que a criança está exposta a estímulos auditivos variados, iniciam-se as experiências auditivas e as respostas comportamentais aos sons.[4]

O sistema auditivo está totalmente formado ao nascimento e, seu desenvolvimento ocorrerá a partir da maturação do sistema nervoso central, ou seja, mielinização das fibras nervosas, que garantirá a condução dos impulsos nervosos aos centros corticais correspondentes, em nível de tronco encefálico e córtex auditivo. O período crítico é referente ao período de maior plasticidade neuronal da via auditiva, que compreende a faixa etária que vai do nascimento aos dois anos de idade.[5] Um período crítico em outras áreas que estudam o desenvolvimento humano é um tempo nos estágios iniciais da vida de um organismo durante o qual ele exibe uma elevada sensibilidade a certos estímulos ambientais.[6] Durante esse período, o sistema auditivo central encontra-se permeável às modificações, que dependerão da quantidade e da qualidade dos estímulos ofertados e captados, por isso, é fundamental a detecção precoce de qualquer alteração neste sistema.[5]


Desenvolvimento das habilidades auditivas[editar | editar código-fonte]

De acordo com Bevilacqua e Formigonni (2005) "as habilidades auditivas vão surgindo e se interligando no dia a dia à medida que a função auditiva vai se desenvolvendo e as experiências auditivas vão acontecendo, na rotina de vida da criança." [7] Erber (1982) divulgou amplamente a hierarquia de habilidades auditivas e, até hoje, em várias propostas de avaliação da audição é muito utilizada. [8][7] Esta hierarquia é composta por:

  1. Detecção: É a capacidade de responder se à presença ou ausência do som. A criança deve aprender a responder a qualquer som do ambiente procurando-o através de movimentos oculares, movimentos de cabeça e vocalizações.[7]
  2. Discriminação: habilidade de perceber semelhanças ou diferenças entre dois ou mais sons. A criança demonstra atenção às diferentes sons reagindo de forma diferentes.[7]
  3. Localização: habilidade de localizar de onde vem o som, esta é uma habilidade que desenvolve em etapas: I) Dos três aos seis meses, o bebê pode começar a virar lentamente a cabeça. Resposta de atenção/localização lateral. II) Dos seis aos sete meses, os músculos do pescoço do bebê estão suficientemente fortes para permitir que ele gire a cabeça diretamente para o lado de onde vem o som. Resposta de atenção/localização lateral. Localização indireta para baixo, ou seja, se houver um som embaixo da orelha direita do bebê; primeiramente ele irá olhar para o lado direito e só depois para baixo. III) Dos sete aos nove meses, começa a identificar a localização precisa da fonte sonora com uma virada direta da cabeça para o lado. Resposta é brusca e firme, porém, ainda não olha diretamente para o som apresentado acima do nível dos olhos. IV) Dos nove aos treze meses, começa a localizar o som acima da cabeça. Localização para o lado. Localização direta para baixo. V) Dos treze aos dezoito meses, o bebê é capaz de localizar o som lateralmente, para cima e para baixo.[1] VI) A partir de vinte e quatro meses, é o ápice do desenvolvimento da habilidade de localização. Os bebês já respondem diretamente para todos os lados, ou seja, vira a cabeça para o som apresentado acima, abaixo e aos lados.[5]
  4. Reconhecimento: possibilita a criança de reconhecer os diferentes sons e associa-lo ao que representam, por exemplo, a criança demonstra o reconhecimento quando repete algo que foi dito ou até mesmo quando aponta para uma figura/objeto correspondente ao som.[7] O reconhecimento auditivo ocorre em duas etapas: I) introdutória, onde os estímulos são apresentados em conjunto fechado (closed-set); II) o reconhecimento auditivo avançado, na qual são apresentados estímulos auditivos em conjunto aberto (open-set).[9]
  5. Compreensão: fase em que a criança entende diferentes estímulos sonoros sem repeti-lo. Responder perguntas, seguir instruções e recontar histórias.[7]

Desenvolvimento de linguagem oral[editar | editar código-fonte]

O desenvolvimento de linguagem oral é um processo que está diretamente dependente do sistema auditivo, uma vez que por meio da audição o bebê recebe a informação sonora necessária para em conjunto com as demais habilidades do sistema nervoso central e os órgãos fonoarticulatórios adquira a linguagem oral.[10]

Normalmente aos seis meses, os bebês iniciam a fase do balbucio, período no qual ocorre a produção de sequências sonoras sem significados.[11] Começam a falar palavras isoladas por volta dos doze meses, produzir frases quando se aproximam dos vinte e quatro meses, e são capazes de usar sentenças completas ao redor dos três anos de idade. A aquisição da linguagem oral envolve o desenvolvimento de quatro sistemas entrelaçados: o sistema pragmático (uso comunicativo da linguagem em contextos sociais), o sistema fonológico (percepção e produção de sons para formar palavras), o sistema semântico (as palavras e os seus significados), e o sistema gramatical (com regras sintáticas para combinar palavras em frases que possam ser interpretáveis).[12] As crianças ouvintes dominam esses sistemas mencionados acima para se tornarem comunicadores eficientes aos sete anos de idade, período crítico para o desenvolvimento da linguagem.[13][14][15][16]

Em 1967, Eric Lenneberg pressupôs que exista um "período sensível" ou “período crítico” de aquisição de linguagem no qual os bebês têm a capacidade de aprender qualquer língua. Esta plasticidade é reduzida à medida que a criança torna-se exposta a sons específicos e de acordo com a estrutura de seu ambiente de linguagem. Daí a necessidade de expor a criança aos sons da língua oral de seus pais e cuidadores.[7]

A interpretação de sons linguísticos, a qual envolve a capacidade de compreender, decodificar e associar os sons, depende da integração dos centros associativos do sistema nervoso central, possibilitando desenvolvimentos funcionais tais como memória, organização têmporo-espacial, análise-síntese, figura fundo, além das experiências emocionais e motivacionais. As experiências auditivas combinadas com informações provenientes de outros sentidos promovem a construção da linguagem oral à medida que a criança começa a explorar o ambiente.[14][16][13] Neste contexto, é por meio das experiências, da vivências e da aprendizagem que a criança adquire uma determinada gama de hábitos que irão conduzir suas ações. A aprendizagem e o desenvolvimento, juntamente com a linguagem, coexistem desde os primeiros dias da vida da criança. Esta deve ser considerada como um fator de desenvolvimento sendo que, a partir de um desenvolvimento, gera-se uma aprendizagem e, consequentemente, novo desenvolvimento, e, assim, tem-se sucessivamente a relação desenvolvimento – aprendizagem – desenvolvimento.[17]

Deficiência auditiva e desenvolvimento auditivo e de linguagem[editar | editar código-fonte]

O desenvolvimento das habilidades auditivas e da linguagem depende de vários fatores, tais como o grau e a época da perda auditiva, idade de detecção e intervenção, características da criança (estilo cognitivo, capacidade de construir linguagem, aspectos psíquicos e o desenvolvimento educacional), características familiares (atitudes e habilidades de pais e irmãos), ambiente adequado (ambiente acústico em casa e no contexto escolar, que favoreça o desenvolvimento das habilidades auditivas) e a terapia. O diagnóstico e a intervenção precoce são fundamentais nesse processo de desenvolvimento auditivo e de linguagem, tendo sua ocorrência, se possível, nos primeiros seis meses de vida, uma vez que o período de maior plasticidade neuronal.[18]

Considerar que existem períodos críticos para a aquisição da linguagem oral e períodos críticos para o desenvolvimento do sistema auditivo é relevante essencialmente nas escolhas que o fonoaudiólogo faz sobre as técnicas e as metas terapêuticas no processo de habilitação e reabilitação auditiva. A avaliação fonoaudiológica se torna indispensável, visto que é possível observar quais são as áreas de domínio da criança e quais áreas necessitam de intervenção, direcionando então as metas terapêuticas.[19] As metas terapêuticas são os alvos identificados, selecionados e estabelecidos que queremos atingir com a criança no trabalho auditivo, conquistando com maior velocidade o domínio da linguagem oral.[19]

Avaliação[editar | editar código-fonte]

A criança deve ser avaliada para se saber em que nível de desenvolvimento ela se encontra e para onde deve ir. É importante estar atento ao momento em que está a criança, ao seu ritmo de desenvolvimento e, dessa forma, proporcionar atividades que visem atingir os objetivos dentro do planejamento. Não se deve exigir nada além de sua capacidade e ritmo, procurando não levá-la à ansiedade ou frustrações. Espera-se que através do desenvolvimento das habilidades auditivas, a criança consiga desenvolver a linguagem oral e estabelecer o domínio da comunicação.[20][7]

O fonoaudiólogo, os pais e os cuidadores da criança com deficiência auditiva necessitam, então, intervir junto à arquitetura da vida cotidiana da criança, nos seus diferentes contextos de desenvolvimento, e na imbricada vida social que permeia a existência de adultos e crianças. Isto pode ser feito no espaço clínico e domiciliar, e significa prover com atitudes apropriadas de escuta e com linguagem condizente à idade da criança e à situação, os horários das refeições, os horários de cuidados pessoais, quando cuidam de animais de estimação, ao se vestir, nos passeios e diversões, quando brincam ou plantam flores, os horários de contar histórias antes de dormir, quando fazem compras, e em tantas outras situações rotineiras similares.[7]

Assim como no desenvolvimento das habilidades auditivas, é recomendável que o fonoaudiólogo use medidas padronizadas na avaliação de linguagem como marco inicial do processo terapêutico e na avaliação contínua necessária para o planejamento terapêutico, como questionários para os pais, por exemplo.[7]

Com base na avaliação da criança, o fonoaudiólogo estabelece as metas terapêuticas, e juntamente com os pais e/ou os cuidadores, desenvolvem as atividades lúdicas com técnicas e estratégias por meio das quais possa trabalhar as habilidades pretendidas dentro de um contexto lúdico.[7]

Estimulação[editar | editar código-fonte]

As habilidades auditivas são estimuladas por meio da localização sonora com o objetivo de exercitar a memória, atenção e a repetição de sons ludicamente. Imitando os sons, a criança inicia um processo que será fundamental para a articulação e produção da fala. A infinidade de sons que a criança pode emitir possibilita que ela desenvolva movimentos de boca e lábios constantemente.[21]

Á medida em que a criança se desenvolve, podem ser introduzidas atividades com músicas, imagens, brinquedos que facilitem a nomeação, como também cantar e contar histórias. Para crianças de 6 a 12 meses, é fundamental a estimulação de vocabulário voltado para ela, como por exemplo, objetos do seu cotidiano.[21]

O reconhecimento auditivo dessas palavras apresentadas é o início de todo o processo de compreensão, que por fim, acaba envolvendo as outras habilidades auditivas como detecção, discriminação, reconhecimento introdutório e avançado, envolvendo os processos psíquicos de atenção e memória. Primeiramente, o fonoaudiólogo irá estimular a discriminação por meio da apresentação de sons ou palavras, perguntando à criança se são iguais ou apresentam alguma diferença. Na fase do reconhecimento, será exposto para a criança sons ,como por exemplo, onomatopeias, vogais e consoantes a fim de que a criança repita o que lhe foi apresentado. E quanto a compreensão, são feitas perguntas simples para a criança, como “qual é o seu nome?”, e, assim, a medida que ela consegue realizar essas habilidades, o nível de dificuldade vai sendo aumentado de acordo com seus acertos.[22]

Observa-se que o processo de estimulação das habilidades auditivas é de extrema importância, tanto para crianças ouvintes, como para crianças que fazem uso do implante coclear ou mesmo do AASI para que a linguagem seja desenvolvida. Para essas últimas, vale ressaltar que todo esse processo deve ser ensinado e aos poucos estimulado, pois, para elas, ouvir pode não ser muito simples como se parece, devendo ser uma questão tratada com muito cuidado. Por isso, as terapias fonoaudiológicas devem ocorrer com frequência, para que tal estimulação seja feita de forma correta e eficiente, não esquecendo do papel dos pais nessa caminhada, que é de extrema importância, uma vez que são eles quem passam a maior parte do tempo com seus filhos[9].















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Lista de referência[editar | editar código-fonte]

  1. a b AZEVEDO, M. F. Desenvolvimento das habilidades auditivas. In: BEVILACQUA, M. C. et al. Tratado de Audiologia. São Paulo: Santos, 2011.
  2. NUNES, Patricia Alexandra Oliveira. Experiência auditiva no meio intrauterino. [Mestrado em Psicologia] Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal, 2009. Disponível em
  3. Verri, G. (1990). A gestante exposta ao ruído: Efeitos auditivos para o feto. Porto Alegre: Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica.
  4. RUSSO, I. C. P.; SANTOS, T. M. M. Audiologia Infantil. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
  5. a b c NORTHERN, J.; DOWNS, M. P. Audição na infância. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
  6. Ryugo DK, Limb CJ. Brain plasticity: the impact of the environment of the brain as it relates to hearing and deafness. In: Niparko JK. Cochlear implants: Principles & Practices. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2nd ed., 2009
  7. a b c d e f g h i j k BEVILACQUA, M. C.; MORET, A. L. M. O desenvolvimento das habilidades auditivas e a aquisição da linguagem oral.
  8. Estabrooks W, Simser J. What is acoustic highlighting? In: Estabrooks, W. 50 FAQ’s About AVT. Toronto: Learning to Listen Foundation, 2001.p.104-09.  
  9. a b BEVILACQUA, M. C.; FORMIGONNI, G. M. P. O desenvolvimento das habilidades auditivas. In: BEVILACQUA, M. C.; MORET, A. L. M. Deficiência auditiva: conversando com familiares e profissionais de saúde. São José dos Campos: Pulso, 2005. p. 179-201.
  10. Sobreira, A.C.O. ; Capo, B.M. ; Santos, T.S. ; Gil, D. Desenvolvimento de fala e linguagem na deficiência auditiva: relato de dois casos.
  11. Tristão, R.M. ; Feitosa, M.A.G. ; Percepção da fala em bebês no primeiro ano de vida. 2003
  12. Rescorla L, Mirak J. Normal language acquisition. Seminars in Pediatric Neurology. 1997.
  13. a b Reynell, J K, Gruber, C P. Reynell developmental language scales. Los Angeles: Western Psychological Services. 1990.
  14. a b Russo & Santos. Audiologia Infantil. 4ª Edição. 1994. Ed. Cortez. São Paulo. p. 15- 67.
  15. Mellon, N. K. Language acquisiton. In: Niparko, J K, Kirk, K I, Mellon, N K, Robbins, A M, Tucci, D L, Wilson, B S. Cochlear implants: principles and practices. Philadelphia: Lippincott Willians & Wilkins, cap. 5, 2000.
  16. a b StuchiI, R F, Nascimento, L T, Bevilacqua, M C, Neto, R V B. Linguagem oral de crianças com cinco anos de uso do implante coclear. Pró-Fono R. Atual. Cient. , Barueri, v. 19, n. 2, 2007. 167-176.
  17. Bassi, S H F F. A evolução do pensamento e da linguagem segundo Vygotsky. Mimesis, Bauru, v. 24, n. 2, p. 71-87, 2003.
  18. NOVAES, Beatriz C. Albuquerque Caiuby et al . Fatores determinantes no desenvolvimento de habilidades comunicativas em crianças com deficiência auditiva. J. Soc. Bras. Fonoaudiol.,  São Paulo ,  v. 24, n. 4, p. 327-334,    2012 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217964912012000400008&lng=en&nrm=iso>. access on  24  Sept.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000400008.
  19. a b ALVES, Angela M. V. S. As metas terapêuticas na habilitação da criança deficiente auditiva usuária do implante coclear. 201. Tese (mestrado) – Fonoaudiologia, Universidade Católica de São Paulo, 2002.
  20. FORNAZARI, Bernadete. Habilidades auditivas e conteúdos currículares - processo simultâneo no individuo com implante coclear. Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/artigos_edespecial/berna.pdf>
  21. a b MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília-DF, 2016.
  22. BASTOS, F. N.; FLEIG, R.; NASCIMENTO, I. B. Análise das habilidades auditivas em uma criança deficiente auditiva oralizada e portadora de HIV: estudo de caso. Revista CEFAC, [S.l.], v. 12, n. 4, p. 700-708, jul./ago. 2010.

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