Usuária:Leni.ribeiro/Rapto das Sabinas

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O Rapto das Sabinas é o nome de um episódio lendário da história de Roma em que a primeira geração de homens romanos teria obtido esposas para si através do rapto das filhas das famílias sabinas vizinhas. Narrado por Tito Lívio e Plutarco, o rapto serviu como tema para diversas obras de arte do Renascimento e pós-renascentistas.

História[editar | editar código-fonte]

Pietro da Cortona, 1627-29, nos Museus Capitolinos

De acordo com as narrativas de Tito Lívio, o rapto das sabinas teria acontecido no início da história de Roma, logo após sua fundação por Rômulo e seus seguidores, em sua maior parte homens. À procura de esposas com quem pudessem formar famílias, os romanos negociaram, sem sucesso, com os sabinos, que haviam povoado a região anteriormente. Temendo o surgimento de uma sociedade rival, os sabinos recusaram-se a permitir que suas mulheres se casassem com os romanos que tiveram, então, a ideia de raptar as mulheres sabinas. Rômulo inventou um festival em homenagem a Netuno Equestre e proclamou-o aos povos vizinhos de Roma. De acordo com Tito Lívio, muitos habitantes destes povoados vizinhos compareceram ao festival, incluindo os ceninenses, os crustumerinos e os antemnos, bem como muitos dos sabinos. Durante o festival Rômulo deu um sinal, indicando a seus conterrâneos que era hora de capturar as mulheres sabinas. Após o rapto, as sabinas, indignadas, logo se viram diante de um Rômulo que lhes suplicava que aceitassem os romanos como seus maridos.

Tito Lívio é claro em afirmar que não houve abuso sexual da parte dos romanos. Ao contrário, Rômulo ofereceu-lhes liberdade de escolha, prometendo-lhes direitos civis e de propriedade.

"Ele teria pessoalmente ido a cada uma delas e indicado a elas que tudo aquilo era culpa de seus pais, que haviam negado a elas o direito de casar-se com seus vizinhos. Elas viveriam em uniões matrimoniais dignas, partilhariam de todos os direitos civis e de propriedade e, bem como - o mais precioso à natureza humana - seriam mães de homens livres."[1]

Guerra contra os sabinos e outras tribos[editar | editar código-fonte]

Furioso com o ocorrido, o rei dos ceninenses invadiu o território de Roma com seu exército. Rômulo e os romanos os enfrentaram em combate, assassinando o rei e derrotando suas tropas. Em seguida Rômulo atacou a cidade de Cenina e a conquistou já na primeira tentativa. Ao retornar a Roma, Rômulo dedicou um templo a Júpiter Ferétrio (de acordo com Tito Lívio, o primeiro templo dedicado em Roma) e ofereceu os espólios do rei inimigo como spolia opima. De acordo com os Fasti Triumphales, Rômulo teria celebrado um triunfo sobre os ceninenses em 1 de março de 752 a.C.

No mesmo período, o exército dos antemnos fez uma incursão em território romano. Os romanos então retaliaram, derrotando os antemnos em combate e conquistando sua cidade. De acordo com os Fasti Triumphales, Rômulo teria realizado um segundo triunfo naquele mesmo ano, celebrando esta nova vitória.

Os crustumerinos também deram início a hostilidades com os romanos, porém sua cidade foi rapidamente conquistada por estes.

Colônias romanas foram enviadas em seguida para Antemnas e Crustumério por Rômulo, e diversos cidadãos destas cidades também migraram para Roma (especialmente as famílias das mulheres capturadas).

Os sabinos também entraram em guerra contra os romanos, liderados por seu rei, Tito Tácio. Quando Tácio atacou Roma, ele quase conseguiu capturar a cidade devido à traição de Tarpéia, filha de Espúrio Tarpéio, governador da cidadela no topo do Monte Capitólio. Tarpéia abriu os portões da cidade para os sabinos em troca 'do que eles portavam em seus braços', o que ela acreditava serem os braceletes de ouro usados por eles. Em troca, os sabinos esmagaram-na até a morte com seus escudos, e em seguida a arremessaram de cima da rocha que posteriormente passou a levar o seu nome, a Rocha Tarpeia.

As forças romanas atacaram os sabinos, que agora tinham posse da cidadela. O avanço romano foi liderado por Hostio Hostílio, enquanto os sabinos eram comandados por Meto Cúrcio. Quando Hostílio foi morto, a linha de frente romana recuou até as portas do Palatium (Palatino); lá, Rômulo reuniu seus homens e, prometendo construir um templo de Júpiter Estator naquele local, conduziu os romanos de volta à batalha.

Na sequência do combate, Meto Cúrcio foi derrubado de seu cavalo e fugiu da batalha; os romanos conquistaram a vantagem, até que a um certo ponto as mulheres sabinas intervieram na batalha, tentando reconciliar os dois lados:

"Elas entraram corajosamente no meio dos objetos que eram arremessados, com cabelos despenteados e roupas rasgadas. Correndo por entre o espaço entre os dois exércitos, tentavam fazer com que os combates cessassem e acalmar os combatentes apelando aos seus pais, num dos exércitos, e a seus maridos, no outro, para que não amaldiçoassem a si mesmos ao manchar suas mãos com o sangue de um sogro ou de um genro, nem desse a seus descendentes a mancha do parricídio. "Se", gritaram, "vocês estão cansados destes laços de parentesco, destes laços matrimoniais, voltem então sua ira para nós; somos nós o motivo desta guerra, fomos nós quem ferimos e matamos nossos maridos e nossos pais. Melhor perecer do que viver sem um ou outro de vocês, seja como viúvas ou órfãs."

Macróbio, em uma primeira versão da lenda, conta que Hersília foi protagonista mitológica dos tempos de Rômulo. Dentre as mulheres seqüestradas neste episódio, destacou-se por ser a mais atuante e notável das que se interpuseram entre os romanos e os sabinos em busca da paz.

Após a reconciliação que se seguiu, os sabinos concordaram em formar uma nação única com os romanos e o rei sabino, Tito Tácio, passou a governar Roma juntamente com Rômulo até a sua morte, cinco anos mais tarde.

Os novos habitantes sabinos de Roma passaram a viver no Capitólio.[2]

Representações artísticas nas artes plásticas[editar | editar código-fonte]

O Rapto das Sabinas, de Johann Heinrich Schönfeld, no Museu do Hermitage.

Durante o Renascimento o tema se tornou popular, como uma história que simbolizava a importância central do matrimônio para a continuidade das famílias e culturas. Também era um dos raros exemplos de um tema de batalha, gênero altamente popular que permitia ao artista demonstrar suas habilidades artísticas no retrato tanto da figura feminina quanto da masculina, em poses extremas, com a vantagem adicional de um tema sexual palpitante. Foi representado regularmente nos cassoni italianos do século XV e, posteriormente, em pinturas maiores. Tais obras foram representadas por artistas que uniam um exemplo da audácia e coragem dos antigos romanos, com uma oportunidade de retratar diversos personagens, incluindo figuras heroicamente seminuas, envolvidas numa disputa passional, através de perspectivas artisticamente distintas.

Entre as abordagens importantes dadas ao tema estão:

Giambologna[editar | editar código-fonte]

O Rapto da Sabina, Loggia dei Lanzi

A escultura de Giambologna (1579–1583) que foi interpretada como abordando este tema mostra três figuras (um homem que levanta uma mulher no ar, enquanto um segundo homem se agacha), foi esculpida a partir de um único bloco de mármore. A obra, que é tida como a obra-prima de Giambologna,[3] tinha originalmente como intenção ser apenas uma demonstração da capacidade do artista de criar um grupo escultural complexo. Seu tema, o lendário rapto das sabinas, foi associado a ela apenas após Francisco I de' Medici, Grão-Duque da Toscana, ao decretar que ela seria exposta na Loggia dei Lanzi, na Piazza della Signoria, em Florença. Mantendo-se de acordo com as características típicas das composições maneiristas, como figuras compactas e entrelaçadas, a estátua transmite uma panóplia dinâmica de emoções, em poses que oferecem pontos de vista múltiplos. Contrastada com a pose serena do Davi de Michelangelo que está na mesma praça, concluído quase 80 anos antes, a estátua apresenta a dinâmica que acabou por levar a arte europeia da época ao barroco, porém também a verticalidade pouco flexível e desconfortável - auto-imposta pela restrição virtuosa do próprio autor a uma composição que podia ser feita a partir de um único bloco - não apresenta os impulsos diagonais que Bernini conseguiria obter quarenta anos depois com obras como O Rapto de Proserpina e Apolo e Dafne, ambas na Galeria Borghese, em Roma. O tema proposto pela escultura, situada diante da estátua de Perseu de Benvenuto Cellini, sugere que o grupo ilustrava um tema relacionado a outra obra, como o rapto de Andrômeda, de Fineu. Os raptos de Proserpina e Helena também foram sugeridos como possíveis temas originais. Eventualmente decidiu-se que a escultura seria identificada com uma das virgens sabinas.

A obra está assinada com OPVS IOANNIS BOLONII FLANDRI MDLXXXII ("Obra de João de Bolonha de Flandres, 1582"). Um rascunho preparatório feito em bronze, que mostra apenas duas figuras, está em exposição no Museu Nacional de Capodimonte, em Nápoles. Giambologna revisou então a obra, desta vez acrescentando uma terceira figura, em dois modelos de cera que estão expostos no Museu Victoria e Albert, em Londres. O molde em gesso, em escala natural, feito para a escultura final, de 1582, se encontra em exposição na Accademia dell'Arte del Disegno, em Florença.

Reduções da escultura feitas em bronze, produzidas pelo próprio estúdio de Giambologna e imitadas por outros artistas, eram parte integrante das coleções de apreciadores de arte no século XIX.

O Rapto das Sabinas, por Nicolas Poussin, 1634-35, no Metropolitan Museum of Art.

Nicolas Poussin[editar | editar código-fonte]

Nicolas Poussin produziu duas grandes versões do tema, que lhe possibilitaram por em prática todo o seu conhecimento único das antiguidades, justamente com sua maestria no retrato de relações complicadas de figuras envolvidas em encontros dramáticos. Um deles, atualmente no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, foi feito em Roma, entre 1634 e 35, que mostra Rômulo, à esquerda, dando o sinal para a abdução.

A segunda versão, de 1636 a 37, atualmente no Museu do Louvre, mostra que, embora algumas das figuras principais sejam semelhantes, ele ainda não tinha esgotado a exploração do tema. O cenário arquitetônico, por exemplo, foi mais desenvolvido nesta versão.

Jacques-Louis David[editar | editar código-fonte]

Jacques-Louis David pintou outro episódio da história, quando as mulheres intervêm para reconciliar os combatentes. Sua obra A Intervenção das Sabinas foi concluída em 1799 e está atualmente no Museu do Louvre.

A Intervenção das Sabinas, por Jacques-Louis David, no Museu do Louvre.

David trabalhou na obra a partir de 1796, quando a França estava em guerra contra outras nações europeias, após um período de guerras civis que culminaram com o Reino do Terror e a Reação Termidoriana, durante a qual o próprio David foi preso por ser partidário de Robespierre. Após a visita sua esposa, na cadeia, ele teve a ideia de contar a história para homenageá-la, com o tema do amor prevalecendo sobre o conflito. A pintura também era vista como um pedido para que as pessoas se reunissem, após o sangue derramado na Revolução Francesa.

A pintura mostra a esposa de Rômulo, Hersília - filha de Tito Tácio, líder dos sabinos - entre seu marido e seu pai, colocando seus filhos entre ambos. Um Rômulo vigoroso, porém hesitante, prepara-se para atingir Tácio prestes a recuar, com sua lança. Outros soldados já estão desembainhando suas espadas.

O cenário rochoso no fundo representa a Rocha Tarpéia.

John Leech[editar | editar código-fonte]

Versão satírica do Rapto das Sabinas, de John Leech.

O pintor satírico inglês John Leech, do século XIX, incluiu em sua História Cômica de Roma uma versão do Rapto das Sabinas em que as mulheres são retratadas, com um anacronismo proposital, em roupas vitorianas, sendo levadas do "Corona et Anchora" ("Coroa e Âncora", nome comum a pubs em cidades costeiras da Inglaterra).

Pablo Picasso[editar | editar código-fonte]

Pablo Picasso abordou o tema em suas diferentes versões do Rapto das Sabinas (1962–63), baseadas na versão de David, uma das quais está no Museu de Belas Artes, em Boston. Ilustram o início e o fim da história, mostrando Rômulo e Tácio como figuras brutais, ignorando e passando por cima de Hersília e seu bebê.[4]

Peter Paul Rubens[editar | editar código-fonte]

O rapto das filhas de Leucipo, por Peter Paul Rubens

Peter Paul Rubens pintou uma versão do tema entre 1635 e 40, que está atualmente em exposição na National Gallery, em Londres. Essa pintura constitui uma de suas principais obras. Apesar de se tratar do rapto, na paisagem da cena não há sangue ou ilustrações de violência, enquanto a presença de Eros na cena sugere a proximidade do ato amoroso. O caráter sexual se explicita quando a expressão das duas mulheres nuas, mais desejosas do que temorosas são percebidas.

A composição de "O Rapto das filhas de Leucipo", importante obra do barroco europeu, é dominada por figuras dispostas em ângulo em relação ao plano do quadro e que se afastam ou se aproximam do espectador em profundidade. Enquanto um raptor inclina-se em direção às mulheres desnudas, avança agarrando uma delas pela perna. O outro sequestrador agarra outra mulher - a mais próxima do espectador.[5]

Literatura, artes cênicas e temas semelhantes[editar | editar código-fonte]

Stephen Vincent Benét escreveu um conto chamado "The Sobbin' Women" que fazia uma paródia do mito. Posteriormente, o tema foi adaptado para o cinema, no musical Sete Noivas para Sete Irmãos, que conta a história de sete homens interioranos, ingênuos porém sinceros, que após o casamento de um deles passam a encorajar-se uns aos outros a encontrar companheiras. Durante um evento social conhecem garotas pelas quais se sentem atraídos, porém vêem negadas quaisquer possibilidade de relacionamento pelos homens das famílias destas mulheres; seguindo o exemplo romano, eles então raptam as garotas - que, como na narrativa original, sentem-se revoltadas inicialmente, porém eventualmente acabam conquistadas.

A história foi parodiada por Lady Carlotta, a personagem travessa do conto O Método Schartz-Metterklume, de Saki.[6]

Em 1961, um filme espanhol do gênero "espada e sandália", baseado na história, foi dirigido por Albert Gout.

A adaptação mais recente foi um filme, O Rapto das Mulheres Sabinas, sem diálogos, produzido em 2005 por Eve Sussman e a Rufus Corporation.[7]

Entre temas semelhantes da Antiguidade Clássica estavam, por exemplo, a batalha dos lápitas contra os centauros e o tema da Amazonomaquia, a batalha de Teseu contra as amazonas. Um tema semelhante, extraído de uma lenda cristã, foi observada no episódio do Massacre dos Inocentes.

Contexto cultural[editar | editar código-fonte]

O artista Niccolò Bambini, do século XVIII, pintou o tema pelo menos duas vezes.

Estudiosos citaram paralelos entre o Rapto das Sabinas, a Guerra Æsir–Vanir, na mitologia nórdica, e o Maabárata, da mitologia hindu, dando apoio à teoria de uma possível origem proto-indo-europeia de aspectos destes mitos. Sobre estes paralelos, o arqueólogo e indo-europeísta hiberno-americano J. P. Mallory afirma:

"Basicamente, os paralelos apontam a presença de representantes de primeira (mágico-jurídicos) e de segunda (guerreiros) funções no lado vitorioso de uma guerra que eventualmente domina e incorpora os personagens de terceira função, como, por exemplo, as mulheres sabinas ou os Vanir nórdicos. A própria Ilíada pode ser examinada sob um ponto de vista semelhante. A estrutura final do mito é, portanto, que um dos três estamentos da sociedade proto-indo-europeia se fundiram apenas depois de uma guerra entre os dois primeiros contra o terceiro."[8]

Referências

  1. Tito Livio, Ab urbe condita, 1.9-13.
  2. Tito Lívio, Ab urbe condita, 1:33
  3. Liam E. Semler, The English Mannerist Poets and the Visual Arts 1998, ISBN 9780838637593, p. 34.
  4. La tomba del principe sabino — Glossario.
  5. Site Grécia Antiga - Seção imagens. Acesso em 20 de março de 2013.
  6. H. H. Munro (Saki), Beasts and Super-Beasts: Beasts, disponível online
  7. Roberta Smith (21 de fevereiro de 2007). «The Rape of the Sabine Women: Present at an Empire's Corrupted Birth». The New York Times 
  8. "Basically, the parallels concern the presence of first-(magico-juridical) and second-(warrior) function representatives on the victorious side of a war that ultimately subdues and incorporates third function characters, for example, the Sabine women or the Norse Vanir. Indeed, the Iliad itself has also been examined in a similar light. The ultimate structure of the myth, then, is that the three estates of Proto-Indo-European society were fused only after a war between the first two against the third." in Mallory (2005:139).

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

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  • FRIEDLAENDER, Walter Nicolas Poussin: A New Approach (New York: Abrams), 1964.
  • LIVIO, Tito História de Roma, Livro I, 1ª Edição. Tradução: Mônica Costa Vitorino.
  • MALLORY, J. P (2005). In Search of the Indo-Europeans. Thames & Hudson. ISBN 0-500-27616-1
  • PEDLEY, J.G. Greek Art and Archaeology. London: Lawrence King, 2nd ed., 1998.