Saltar para o conteúdo

Evidência: diferenças entre revisões

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
GHMF (discussão | contribs)
m
Phlsph7 (discussão | contribs)
seção "Natureza da evidência" adicionada; tradução de de:Evidenz#Natur der Evidenz
Linha 1: Linha 1:
{{ver desambig|redir=Evidências|a canção |Evidências (canção)}}
{{ver desambig|redir=Evidências|a canção |Evidências (canção)}}
'''Evidência''' (lat. ''evidentĭa,ae'': visibilidade, clareza, transparência) é o [[atributo]] de tudo aquilo que não dá margem à dúvida. Pode também significar aquilo que indica, com [[probabilidade]], a existência de algo.<ref>''Dicionário Houaiss'': 'evidência'</ref>
'''Evidência''' (lat. ''evidentĭa,ae'': visibilidade, clareza, transparência) é o [[atributo]] de tudo aquilo que não dá margem à dúvida. Pode também significar aquilo que indica, com [[probabilidade]], a existência de algo.<ref>''Dicionário Houaiss'': 'evidência'</ref>

== Natureza da evidência ==
Entendida no sentido mais amplo, evidência para uma proposição é o que apoia esta proposição. Tradicionalmente, o termo é entendido num sentido mais restrito: como a cognição intuitiva de fatos considerados indubitáveis.<ref name="Sandkühler">{{citar livro |first1=Hans Jörg |last1=Sandkühler |title=Enzyklopädie Philosophie |chapter=Evidenz |date=2010 |publisher=Meiner |url=https://meiner.de/enzyklopadie-philosophie-14071.html}}</ref><ref name="Mittelstraß">{{citar livro |first1=Jürgen |last1=Mittelstraß |title=Enzyklopädie Philosophie und Wissenschaftstheorie |chapter=Evidenz |date=2005 |publisher=Metzler |url=https://www.springer.com/de/book/9783476021083}}</ref><ref>[[Rudolf Eisler (Philosoph)|Rudolf Eisler]]: Art. [http://www.textlog.de/3979.html ''Evidenz''], in: Wörterbuch der philosophischen Begriffe, 1904.</ref> Esse significado é encontrado sobretudo na fenomenologia, na qual a evidência é elevada a um dos princípios básicos da filosofia, fornecendo justificações finais para a filosofia que supostamente fazem dela uma ciência rigorosa.<ref name="Brand">{{citar livro |first1=Gerd |last1=Brand |title=Welt, Ich und Zeit: Nach unveröffentlichten Manuskripten Edmund Husserls |chapter=Der Rückgang auf das Welterfahrende Leben |pages=1–53 |date=1955 |publisher=Springer Netherlands |isbn=978-94-011-9616-1 |language=de |url=https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-94-011-9616-1_1}}</ref><ref name="Mittelstraß"/><ref>{{citar periódico |last1=Stenger |first1=Georg |title=Das Phänomen der Evidenz und die Evidenz des Phänomens |journal=Phänomenologische Forschungen |date=1996 |volume=1 |issue=1 |pages=84–106 |url=https://www.jstor.org/stable/24360376 |issn=0342-8117}}</ref> No uso mais moderno, o significado no discurso acadêmico coincide com o uso do inglês como "evidence". Neste sentido, evidência desempenha um papel central na epistemologia e na filosofia da ciência. Refere-se à evidência em muitos campos diferentes, como medicina, direito e história.<ref name="DiFate">{{citar web |last1=DiFate |first1=Victor |title=Evidence |url=https://iep.utm.edu/evidence/ |website=Internet Encyclopedia of Philosophy |access-date=2021-06-11}}</ref><ref name="Kelly">{{citar web |last1=Kelly |first1=Thomas |title=Evidence |url=https://plato.stanford.edu/entries/evidence/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-11 |date=2016}}</ref><ref>{{citar web |last1=Ho |first1=Hock Lai |title=The Legal Concept of Evidence |url=https://plato.stanford.edu/entries/evidence-legal/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-11 |date=2015}}</ref><ref>{{citar web |title=Evidenz in der Wissenschaft |url=https://aktuelles.uni-frankfurt.de/event/evidenz-in-der-wissenschaft/2020-02-03/ |website=Goethe-Universität Frankfurt |access-date=2021-10-03 |language=de}}</ref> Foram feitas várias tentativas para conceituar a natureza de evidência. Essas tentativas muitas vezes partem de intuições de uma área particular ou em relação a um papel teórico de evidência e, em seguida, tentam generalizar essas intuições, resultando em uma definição universal de evidência.<ref name="DiFate"/><ref name="Kelly"/><ref name="Conee"/>

Uma intuição importante é que evidência é o que justifica crenças. Esta linha de pensamento é geralmente seguida na epistemologia e tende a explicar evidência com respeito a estados mentais privados, como experiências, outras crenças ou conhecimento. Isto está intimamente relacionado à ideia de que a racionalidade de uma pessoa depende de como ela responde às evidências.<ref name="DiFate"/><ref name="Kelly"/><ref>{{citar web |last1=Steup |first1=Matthias |last2=Neta |first2=Ram |title=Epistemology |url=https://plato.stanford.edu/entries/epistemology/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-15 |date=2020}}</ref><ref>{{citar web |last1=Mittag |first1=Daniel M. |title=Evidentialism |url=https://iep.utm.edu/evidenti/ |website=Internet Encyclopedia of Philosophy |access-date=2021-06-15}}</ref><ref name="Gage">{{citar livro |first1=Logan Paul |last1=Gage |title=Objectivity and Subjectivity in Epistemology: A Defense of the Phenomenal Conception of Evidence |chapter=1. Introduction: Two Rival Conceptions of Evidence |date=2014 |publisher=Baylor University |url=https://philpapers.org/rec/GAGOAS}}</ref> Outra intuição, mais dominante na filosofia da ciência, se concentra em evidência como o que confirma hipóteses científicas e medeia entre teorias concorrentes.<ref name="Crupi"/> Segundo esta visão, é importante que as evidências sejam públicas para que cientistas diferentes possam ter as mesmas evidências. Portanto, fenômenos publicamente observáveis, como objetos e eventos físicos, são os melhores candidatos á evidência, em contraste com estados mentais privados.<ref name="DiFate"/><ref name="Kelly"/><ref name="Gage"/> Um problema com estas abordagens é que as definições resultantes de evidência variam muito, tanto dentro de uma disciplina quanto entre disciplinas diferentes, e são incompatíveis entre si. Por exemplo, não está claro o que uma faca ensanguentada e uma experiência perceptiva têm em comum quando ambas são tratadas como evidência em diferentes disciplinas. Isso sugere que não há um conceito único que corresponda aos vários papéis teóricos atribuídos às evidências, ou seja, que nem sempre significamos a mesma coisa quando falamos de evidências.<ref name="DiFate"/><ref name="Kelly"/><ref name="Conee"/>

Teóricos importantes de evidência são [[Edmund Husserl]], [[Bertrand Russell]], [[Willard Van Orman Quine]], os [[Positivismo lógico|positivistas lógicos]], [[Timothy Williamson]], [[Earl Conee]] e [[Richard Feldman]]. Husserl representa a tradição <ref name="Kelly"/>fenomenológica e entende a evidência como uma forma de consciência na qual há um acesso intuitivo imediato às coisas.<ref name="Husserl"/> Russell, Quine e os positivistas lógicos pertencem à tradição empirística e sustentam que evidência consiste em [[dados dos sentidos]], estimulações dos receptores sensoriais ou sentenças de observação.<ref name="Huemer">{{citar web |last1=Huemer |first1=Michael |title=Sense-Data |url=https://plato.stanford.edu/entries/sense-data/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-15 |date=2019}}</ref> Segundo Williamson, todo conhecimento e apenas conhecimento é evidência.<ref name="Williamson">{{citar livro |first1=Timothy |last1=Williamson |title=Evidence |date=2002 |publisher=Oxford University Press |doi=10.1093/019925656X.001.0001 |isbn=978-0-19-159867-8 |url=https://oxford.universitypressscholarship.com/view/10.1093/019925656X.001.0001/acprof-9780199256563-chapter-10}}</ref> Conee e Feldman argumentam que somente os estados mentais atuais devem ser considerados evidência.<ref name="Conee"/>

=== Na epistemologia ===
A intuição orientadora dentro da epistemologia sobre o papel da evidência é que é o que justifica crenças.<ref name="DiFate"/><ref name="Kelly"/> Por exemplo, a experiência auditiva de Phoebe de ouvir música justifica sua crença de que os alto-falantes estão ligados. As evidências devem ser possuídas pelo crente para desempenhar esse papel.<ref name="Conee"/> Portanto, as experiências de Phoebe podem justificar suas próprias crenças, mas não as crenças dos outros. Alguns filósofos sustentam que a possessão de evidências é limitada a estados mentais conscientes, como dados sensoriais.<ref name="Kelly"/> Esta visão tem a consequência implausível de que muitas crenças simples cotidianas não seriam justificadas. A visão mais comum é que todos os tipos de estados mentais, incluindo crenças mantidas que estão atualmente inconscientes, podem servir como evidência.<ref name="Conee">{{citar livro |first1=Earl |last1=Conee |first2=Richard |last2=Feldman |title=Epistemology: New Essays |chapter=Evidence |date=2008 |publisher=Oxford University Press |url=https://philpapers.org/rec/CONE}}</ref><ref>{{citar periódico |last1=Piazza |first1=Tommaso |title=Evidentialism and the Problem of Stored Beliefs |journal=Philosophical Studies |date=2009 |volume=145 |issue=2 |pages=311–324 |doi=10.1007/s11098-008-9233-1 |url=https://philpapers.org/rec/PIAEAT}}</ref> Às vezes, argumenta-se que ter um estado mental capaz de justificar outro não é suficiente para que a justificação ocorra. Esta linha de pensamento é baseada na ideia de que uma crença justificada deve estar ligada ou fundamentada no estado mental que serve como evidência.<ref name="Conee"/><ref>{{citar livro |first1=Robert |last1=Audi |title=The Architecture of Reason: The Structure and Substance of Rationality |pages=19 |date=2001 |publisher=Oxford University Press |url=https://philpapers.org/rec/AUDTAO-3}}</ref> Assim, a crença de Phoebe de que os alto-falantes estão ligados não está justificada por sua experiência auditiva se a crença não se basear nessa experiência. Isto seria o caso, por exemplo, se Phoebe tem tanto a experiência quanto a crença, mas não está ciente do fato de que a música é produzida pelos alto-falantes.

Às vezes, argumenta-se que apenas estados mentais proposicionais podem desempenhar esse papel, uma posição conhecida como "proposicionalismo".<ref name="Williamson"/><ref>{{citar livro |first1=Trent |last1=Dougherty |title=In Defense of Propositionalism about Evidence |publisher=Oxford University Press |isbn=978-0-19-172868-6 |url=https://oxford.universitypressscholarship.com/view/10.1093/acprof:oso/9780199563500.001.0001/acprof-9780199563500-chapter-15}}</ref> Um estado mental é proposicional se é uma atitude direcionada a um conteúdo proposicional. Estas atitudes são geralmente expressas por verbos como "crer" junto com uma frase usando "que", como em "Robert crê que a loja da esquina vende leite".<ref>{{citar web |title=Philosophy of mind - Propositional attitudes |url=https://www.britannica.com/topic/philosophy-of-mind/Propositional-attitudes |website=Encyclopedia Britannica |access-date=2021-04-02 |language=en |archive-date=2020-07-19 |archive-url=https://web.archive.org/web/20200719083018/https://www.britannica.com/topic/philosophy-of-mind/Propositional-attitudes }}</ref><ref>{{citar web |last1=Oppy |first1=Graham |title=Propositional attitudes |url=https://www.rep.routledge.com/articles/thematic/propositional-attitudes/v-1 |website=www.rep.routledge.com |access-date=2021-04-02 |language=en |archive-date=2021-03-04 |archive-url=https://web.archive.org/web/20210304193042/https://www.rep.routledge.com/articles/thematic/propositional-attitudes/v-1 }}</ref> Tal visão nega que as impressões sensoriais possam servir como evidência. Isto é frequentemente usado como argumento contra essa visão, já que impressões sensoriais são geralmente tratadas como evidência.<ref name="DiFate"/><ref name="Huemer"/> O proposicionalismo às vezes é combinado com a visão de que apenas as atitudes em relação a proposições verdadeiras podem contar como evidência.<ref name="Williamson"/> Segundo esta visão, a crença de que a loja da esquina vende leite só é evidência para a crença de que a loja da esquina vende produtos lácteos se a loja da esquina realmente vende leite. Contra esta posição argumentou-se que as evidências podem ser enganosas, mas ainda são consideradas evidências.<ref name="Conee"/><ref name="Kelly"/>

Esta linha de pensamento é frequentemente combinada com a ideia de que as evidências, proposicionais ou não, determinam quais estados de crença são racionais.<ref name="Kelly"/><ref name="DiFate"/> No entanto, pode ser racional ter uma crença falsa.<ref>{{citar periódico |last1=Audi |first1=Robert |title=Précis of the Architecture of Reason |journal=Philosophy and Phenomenological Research |date=2003 |volume=67 |issue=1 |pages=177–180 |doi=10.1111/j.1933-1592.2003.tb00031.x |url=https://philpapers.org/rec/AUDPOT}}</ref><ref>{{citar web |last1=Audi |first1=Robert |title=The Architecture of Reason: The Structure and Substance of Rationality |url=https://ndpr.nd.edu/reviews/the-architecture-of-reason-the-structure-and-substance-of-rationality/ |website=Notre Dame Philosophical Reviews |access-date=2021-06-15 |language=en}}</ref> Isto é o caso quando temos evidências enganosas. Por exemplo, no filme [[Matrix]], era racional para Neo acreditar que ele estava vivendo no século XX porque todas as evidências apoiavam sua crença, mesmo que essas evidências eram enganosas, pois formavam parte de uma realidade simulada. Este relato de evidência e racionalidade também pode ser estendida a outras atitudes doxásticas, como descrença e suspensão da crença. Assim, a racionalidade exige não apenas que creiamos algo se temos evidência decisiva a favor, mas também que descreiamos algo se temos evidência decisiva em contra, e que suspendamos a crença se nos falta evidência decisiva.<ref name="Kelly"/><ref name="DiFate"/><ref name="Conee"/>

=== Na fenomenologia ===
O significado do termo "evidência" na fenomenologia mostra muitos paralelos ao seu uso epistemológico, mas é entendido em um sentido mais restrito. Portanto, a evidência aqui se refere especificamente à cognição intuitiva, que é descrita como "dada por si mesma" (''selbst-gegeben'').<ref name="Husserl">{{citar web |last1=Husserl |first1=Edmund |title=Cartesianische Meditationen: § 24. Evidenz als Selbstgegebenheit und ihre Abwandlungen |url=https://www.textlog.de/husserl-evidenz-selbstgegebenheit-abwandlungen.html |website=www.textlog.de}}</ref> Isto contrasta com a intenção vazia, na qual se refere a fatos com uma certa opinião, mas sem uma apresentação intuitiva.<ref>{{citar web |last1=Janssen |first1=Paul |title=Historisches Wörterbuch der Philosophie online: Leerintention |url=https://www.schwabeonline.ch/schwabe-xaveropp/elibrary/start.xav?start=%2F%2F*%5B%40attr_id%3D%27verw.leerintention%27%20and%20%40outline_id%3D%27hwph_verw.leerintention%27%5D |website=Schwabe online |access-date=2021-10-03}}</ref> Portanto, a evidência é frequentemente associada à tese controversa de que se trata de um acesso imediato à verdade.<ref>{{citar web |last1=Ströker |first1=Elisabeth |title=Historisches Wörterbuch der Philosophie online: Selbstgebung, Selbstgegebenheit |url=https://www.schwabeonline.ch/schwabe-xaveropp/elibrary/start.xav?start=%2F%2F*%5B%40attr_id%3D%27verw.selbstgebung.selbstgegebenheit%27%20and%20%40outline_id%3D%27hwph_verw.selbstgebung.selbstgegebenheit%27%5D |website=Schwabe online |access-date=2021-10-03}}</ref> Neste sentido, o fenômeno evidencialmente dado garante sua própria verdade e, portanto, é considerado indubitável. Devido a este estado epistemológico especial da evidência, é considerada na fenomenologia como o princípio básico de toda filosofia.<ref name="Husserl"/><ref name="Brand"/> Nesta forma, representa o fundamento mais baixo de conhecimento, que consiste em cognições indubitáveis e sobre o qual todo o conhecimento posterior é construído.<ref>{{citar periódico |last1=Luckner |first1=Andreas |title=Phanomenologien der Erfahrung |journal=Philosophische Rundschau |date=2010 |volume=57 |issue=1 |pages=70–83 |doi=10.1628/003181510791058920 |url=https://philpapers.org/rec/LUCPDE}}</ref> Este método baseado em evidências tem como objetivo de possibilitar que a filosofia supere muitos dos desacordos tradicionalmente não resolvidos e assim se torne uma ciência rigorosa.<ref>{{citar livro |first1=Edmund |last1=Husserl |title=Philosophie Als Strenge Wissenschaft |date=1965 |publisher=Felix Meiner Verlag |url=https://philpapers.org/rec/HUSPAS}}</ref><ref>{{citar periódico |last1=Diehl |first1=Ulrich |title=Was Heißt "Philosophie Als Strenge Wissenschaft"? |journal=Wege Zur Politischen Philosophie |date=2005 |pages=199 |url=https://philpapers.org/rec/DIEWHQ |publisher=Königshausen & Neumann}}</ref><ref name="Brand"/> Esta pretensão de longo alcance da fenomenologia, baseada na certeza absoluta, é um dos pontos centrais da crítica de seus oponentes. Assim, argumentou-se que o conhecimento baseado em uma intuição evidencial também é falível. Isto pode ser visto, por exemplo, no fato de que mesmo entre os fenomenólogos há muito desacordo sobre as estruturas básicas da experiência.<ref>{{citar periódico |last1=Noë |first1=Alva |title=The Critique of Pure Phenomenology |journal=Phenomenology and the Cognitive Sciences |date=2007 |volume=6 |issue=1–2 |pages=231–245 |doi=10.1007/s11097-006-9043-x |url=https://philpapers.org/rec/NOTCO}}</ref>

=== Na filosofia da ciência ===
Nas ciências, evidência é entendida como o que confirma ou refuta [[Hipótese|hipóteses]] científicas.<ref name="DiFate"/><ref name="Kelly"/> O termo "confirmação" às vezes é usado como sinônimo de apoio evidencial (''evidential support'').<ref name="Crupi">{{citar web |last1=Crupi |first1=Vincenzo |title=Confirmation |url=https://plato.stanford.edu/entries/confirmation/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-13 |date=2021}}</ref> As medições da órbita "anômala" de Mercúrio, por exemplo, são consideradas evidências que confirmam a teoria geral da relatividade de Einstein. Isso é especialmente importante para a escolha entre teorias concorrentes. Assim, no caso acima, a evidência desempenha o papel de ''árbitro neutro'' entre as teorias da gravidade de Newton e Einstein.<ref name="Kelly"/> Isso só é possível se as evidências científicas são ''públicas'' e ''incontroversas'', de modo que os proponentes de teorias científicas concorrentes concordem sobre as evidências disponíveis. Esses requisitos sugerem que as evidências científicas não consistem em ''estados mentais privados'', mas em ''objetos ou eventos físicos públicos''.<ref name="Kelly"/><ref name="Gage"/>

Frequentemente, afirma-se que as evidências, em certo sentido, precedem as hipóteses que confirmam. Isso às vezes é entendido como uma ''prioridade temporal'', ou seja, que primeiro obtemos as evidências e depois formamos a hipótese por indução. No entanto, essa ordem cronológica nem sempre se reflete na prática científica, na qual pesquisadores experimentais procuram evidências específicas para confirmar ou refutar uma hipótese já existente.<ref name="Kelly"/> Os positivistas lógicos, por outro lado, sustentavam que essa prioridade é de natureza ''semântica'', ou seja, que o significado dos termos teóricos utilizados na hipótese é determinado pelo que seria considerado evidência para eles. Os contra-exemplos a esta visão surgem do fato de que nossa concepção do que conta como evidência pode mudar, enquanto os significados dos termos teóricos correspondentes permanecem constantes.<ref name="Kelly"/> A visão mais plausível é que esta prioridade é de natureza ''epistêmica'', ou seja, que nossa crença em uma hipótese é justificada com base na evidência, enquanto a justificação para a crença na evidência não depende da hipótese.<ref name="Kelly"/>

Um tema central para o conceito científico de evidência é o problema da subdeterminação, ou seja, que as evidências disponíveis apoiam igualmente bem as teorias concorrentes.<ref name="Stanford">{{citar web |last1=Stanford |first1=Kyle |title=Underdetermination of Scientific Theory |url=https://plato.stanford.edu/entries/scientific-underdetermination/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-15 |date=2017}}</ref><ref>{{citar web |title=Philosophy of science - Underdetermination |url=https://www.britannica.com/topic/philosophy-of-science/Underdetermination |website=Encyclopedia Britannica |access-date=2021-06-15 |language=en}}</ref> Por exemplo, evidências de nossa vida cotidiana com relação à natureza da gravidade confirmam igualmente bem as teorias da gravidade de Newton e Einstein e, portanto, não podem estabelecer um consenso entre os cientistas. Mas, em tais casos, é frequentemente o acúmulo gradual de evidências que finalmente leva a um consenso emergente. Esse processo baseado em evidências, que leva ao consenso, parece ser uma marca característica das ciências que outros campos não têm.<ref name="Kelly"/><ref>{{citar livro |first1=James Soo |last1=Lee |title=A Metaphysician's User Guide: The Epistemology of Metaphysics |chapter=IV. Metaphysical Beliefs and Persisting Disagreement |date=2017 |publisher=[[Syracuse University]] |location=Syracuse, NY |url=https://surface.syr.edu/etd/765}}</ref>

Outro problema com a interpretação de evidência no sentido de confirmação de hipóteses é que o que alguns cientistas consideram evidência já pode conter várias suposições teóricas que não são compartilhadas por outros cientistas. Este fenômeno é chamado de carga teórica.<ref name="Kelly"/><ref>{{citar livro |first1=Hanne |last1=Andersen |first2=Sara |last2=Green |title=Encyclopedia of Systems Biology |chapter=Theory-Ladenness |pages=2165–2167 |date=2013 |publisher=Springer |doi=10.1007/978-1-4419-9863-7_86 |isbn=978-1-4419-9863-7 |language=en |url=https://link.springer.com/referenceworkentry/10.1007%2F978-1-4419-9863-7_86}}</ref> Alguns casos de carga teórica são relativamente incontroversos, por exemplo, que os números mostrados por um medidor requerem suposições adicionais sobre como esse medidor funciona e sobre o que foi medido para ser considerado evidência significativa.<ref>{{citar web |last1=Boyd |first1=Nora Mills |last2=Bogen |first2=James |title=Theory and Observation in Science |url=https://plato.stanford.edu/entries/science-theory-observation/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-15 |date=2021}}</ref> Outros casos putativos são mais controversos, por exemplo, a ideia de que pessoas ou culturas diferentes percebem o mundo através de esquemas conceituais diferentes e [[Incomensurabilidade|incomensuráveis]], levando a impressões muito diferentes sobre o que é o caso e que evidências estão disponíveis.<ref>{{citar web |last1=Oberheim |first1=Eric |last2=Hoyningen-Huene |first2=Paul |title=The Incommensurability of Scientific Theories: 2.2.2 Conceptual replacement and theory-ladenness of observation: Ludwik Fleck |url=https://plato.stanford.edu/entries/incommensurability/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-15 |date=2018}}</ref> A carga teórica ameaça comprometer o papel da evidência como árbitro neutro, já que estas suposições adicionais poderiam favorecer algumas teorias sobre outras. Isto também poderia minar o consenso, já que as diferentes partes podem nem sequer conseguir chegar a um acordo sobre o que são as evidências.<ref name="Kelly"/><ref>{{citar web |last1=Reiss |first1=Julian |last2=Sprenger |first2=Jan |title=Scientific Objectivity |url=https://plato.stanford.edu/entries/scientific-objectivity/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-06-15 |date=2020}}</ref> Entendido no sentido mais amplo, não é controverso que há alguma forma de carga teórica. No entanto, é questionável se ela representa uma séria ameaça à evidência científica quando entendida neste sentido.<ref name="Kelly"/>

== Na filosofia ==
== Na filosofia ==



Revisão das 06h10min de 15 de outubro de 2021

 Nota: "Evidências" redireciona para este artigo. Para a canção, veja Evidências (canção).

Evidência (lat. evidentĭa,ae: visibilidade, clareza, transparência) é o atributo de tudo aquilo que não dá margem à dúvida. Pode também significar aquilo que indica, com probabilidade, a existência de algo.[1]

Natureza da evidência

Entendida no sentido mais amplo, evidência para uma proposição é o que apoia esta proposição. Tradicionalmente, o termo é entendido num sentido mais restrito: como a cognição intuitiva de fatos considerados indubitáveis.[2][3][4] Esse significado é encontrado sobretudo na fenomenologia, na qual a evidência é elevada a um dos princípios básicos da filosofia, fornecendo justificações finais para a filosofia que supostamente fazem dela uma ciência rigorosa.[5][3][6] No uso mais moderno, o significado no discurso acadêmico coincide com o uso do inglês como "evidence". Neste sentido, evidência desempenha um papel central na epistemologia e na filosofia da ciência. Refere-se à evidência em muitos campos diferentes, como medicina, direito e história.[7][8][9][10] Foram feitas várias tentativas para conceituar a natureza de evidência. Essas tentativas muitas vezes partem de intuições de uma área particular ou em relação a um papel teórico de evidência e, em seguida, tentam generalizar essas intuições, resultando em uma definição universal de evidência.[7][8][11]

Uma intuição importante é que evidência é o que justifica crenças. Esta linha de pensamento é geralmente seguida na epistemologia e tende a explicar evidência com respeito a estados mentais privados, como experiências, outras crenças ou conhecimento. Isto está intimamente relacionado à ideia de que a racionalidade de uma pessoa depende de como ela responde às evidências.[7][8][12][13][14] Outra intuição, mais dominante na filosofia da ciência, se concentra em evidência como o que confirma hipóteses científicas e medeia entre teorias concorrentes.[15] Segundo esta visão, é importante que as evidências sejam públicas para que cientistas diferentes possam ter as mesmas evidências. Portanto, fenômenos publicamente observáveis, como objetos e eventos físicos, são os melhores candidatos á evidência, em contraste com estados mentais privados.[7][8][14] Um problema com estas abordagens é que as definições resultantes de evidência variam muito, tanto dentro de uma disciplina quanto entre disciplinas diferentes, e são incompatíveis entre si. Por exemplo, não está claro o que uma faca ensanguentada e uma experiência perceptiva têm em comum quando ambas são tratadas como evidência em diferentes disciplinas. Isso sugere que não há um conceito único que corresponda aos vários papéis teóricos atribuídos às evidências, ou seja, que nem sempre significamos a mesma coisa quando falamos de evidências.[7][8][11]

Teóricos importantes de evidência são Edmund Husserl, Bertrand Russell, Willard Van Orman Quine, os positivistas lógicos, Timothy Williamson, Earl Conee e Richard Feldman. Husserl representa a tradição [8]fenomenológica e entende a evidência como uma forma de consciência na qual há um acesso intuitivo imediato às coisas.[16] Russell, Quine e os positivistas lógicos pertencem à tradição empirística e sustentam que evidência consiste em dados dos sentidos, estimulações dos receptores sensoriais ou sentenças de observação.[17] Segundo Williamson, todo conhecimento e apenas conhecimento é evidência.[18] Conee e Feldman argumentam que somente os estados mentais atuais devem ser considerados evidência.[11]

Na epistemologia

A intuição orientadora dentro da epistemologia sobre o papel da evidência é que é o que justifica crenças.[7][8] Por exemplo, a experiência auditiva de Phoebe de ouvir música justifica sua crença de que os alto-falantes estão ligados. As evidências devem ser possuídas pelo crente para desempenhar esse papel.[11] Portanto, as experiências de Phoebe podem justificar suas próprias crenças, mas não as crenças dos outros. Alguns filósofos sustentam que a possessão de evidências é limitada a estados mentais conscientes, como dados sensoriais.[8] Esta visão tem a consequência implausível de que muitas crenças simples cotidianas não seriam justificadas. A visão mais comum é que todos os tipos de estados mentais, incluindo crenças mantidas que estão atualmente inconscientes, podem servir como evidência.[11][19] Às vezes, argumenta-se que ter um estado mental capaz de justificar outro não é suficiente para que a justificação ocorra. Esta linha de pensamento é baseada na ideia de que uma crença justificada deve estar ligada ou fundamentada no estado mental que serve como evidência.[11][20] Assim, a crença de Phoebe de que os alto-falantes estão ligados não está justificada por sua experiência auditiva se a crença não se basear nessa experiência. Isto seria o caso, por exemplo, se Phoebe tem tanto a experiência quanto a crença, mas não está ciente do fato de que a música é produzida pelos alto-falantes.

Às vezes, argumenta-se que apenas estados mentais proposicionais podem desempenhar esse papel, uma posição conhecida como "proposicionalismo".[18][21] Um estado mental é proposicional se é uma atitude direcionada a um conteúdo proposicional. Estas atitudes são geralmente expressas por verbos como "crer" junto com uma frase usando "que", como em "Robert crê que a loja da esquina vende leite".[22][23] Tal visão nega que as impressões sensoriais possam servir como evidência. Isto é frequentemente usado como argumento contra essa visão, já que impressões sensoriais são geralmente tratadas como evidência.[7][17] O proposicionalismo às vezes é combinado com a visão de que apenas as atitudes em relação a proposições verdadeiras podem contar como evidência.[18] Segundo esta visão, a crença de que a loja da esquina vende leite só é evidência para a crença de que a loja da esquina vende produtos lácteos se a loja da esquina realmente vende leite. Contra esta posição argumentou-se que as evidências podem ser enganosas, mas ainda são consideradas evidências.[11][8]

Esta linha de pensamento é frequentemente combinada com a ideia de que as evidências, proposicionais ou não, determinam quais estados de crença são racionais.[8][7] No entanto, pode ser racional ter uma crença falsa.[24][25] Isto é o caso quando temos evidências enganosas. Por exemplo, no filme Matrix, era racional para Neo acreditar que ele estava vivendo no século XX porque todas as evidências apoiavam sua crença, mesmo que essas evidências eram enganosas, pois formavam parte de uma realidade simulada. Este relato de evidência e racionalidade também pode ser estendida a outras atitudes doxásticas, como descrença e suspensão da crença. Assim, a racionalidade exige não apenas que creiamos algo se temos evidência decisiva a favor, mas também que descreiamos algo se temos evidência decisiva em contra, e que suspendamos a crença se nos falta evidência decisiva.[8][7][11]

Na fenomenologia

O significado do termo "evidência" na fenomenologia mostra muitos paralelos ao seu uso epistemológico, mas é entendido em um sentido mais restrito. Portanto, a evidência aqui se refere especificamente à cognição intuitiva, que é descrita como "dada por si mesma" (selbst-gegeben).[16] Isto contrasta com a intenção vazia, na qual se refere a fatos com uma certa opinião, mas sem uma apresentação intuitiva.[26] Portanto, a evidência é frequentemente associada à tese controversa de que se trata de um acesso imediato à verdade.[27] Neste sentido, o fenômeno evidencialmente dado garante sua própria verdade e, portanto, é considerado indubitável. Devido a este estado epistemológico especial da evidência, é considerada na fenomenologia como o princípio básico de toda filosofia.[16][5] Nesta forma, representa o fundamento mais baixo de conhecimento, que consiste em cognições indubitáveis e sobre o qual todo o conhecimento posterior é construído.[28] Este método baseado em evidências tem como objetivo de possibilitar que a filosofia supere muitos dos desacordos tradicionalmente não resolvidos e assim se torne uma ciência rigorosa.[29][30][5] Esta pretensão de longo alcance da fenomenologia, baseada na certeza absoluta, é um dos pontos centrais da crítica de seus oponentes. Assim, argumentou-se que o conhecimento baseado em uma intuição evidencial também é falível. Isto pode ser visto, por exemplo, no fato de que mesmo entre os fenomenólogos há muito desacordo sobre as estruturas básicas da experiência.[31]

Na filosofia da ciência

Nas ciências, evidência é entendida como o que confirma ou refuta hipóteses científicas.[7][8] O termo "confirmação" às vezes é usado como sinônimo de apoio evidencial (evidential support).[15] As medições da órbita "anômala" de Mercúrio, por exemplo, são consideradas evidências que confirmam a teoria geral da relatividade de Einstein. Isso é especialmente importante para a escolha entre teorias concorrentes. Assim, no caso acima, a evidência desempenha o papel de árbitro neutro entre as teorias da gravidade de Newton e Einstein.[8] Isso só é possível se as evidências científicas são públicas e incontroversas, de modo que os proponentes de teorias científicas concorrentes concordem sobre as evidências disponíveis. Esses requisitos sugerem que as evidências científicas não consistem em estados mentais privados, mas em objetos ou eventos físicos públicos.[8][14]

Frequentemente, afirma-se que as evidências, em certo sentido, precedem as hipóteses que confirmam. Isso às vezes é entendido como uma prioridade temporal, ou seja, que primeiro obtemos as evidências e depois formamos a hipótese por indução. No entanto, essa ordem cronológica nem sempre se reflete na prática científica, na qual pesquisadores experimentais procuram evidências específicas para confirmar ou refutar uma hipótese já existente.[8] Os positivistas lógicos, por outro lado, sustentavam que essa prioridade é de natureza semântica, ou seja, que o significado dos termos teóricos utilizados na hipótese é determinado pelo que seria considerado evidência para eles. Os contra-exemplos a esta visão surgem do fato de que nossa concepção do que conta como evidência pode mudar, enquanto os significados dos termos teóricos correspondentes permanecem constantes.[8] A visão mais plausível é que esta prioridade é de natureza epistêmica, ou seja, que nossa crença em uma hipótese é justificada com base na evidência, enquanto a justificação para a crença na evidência não depende da hipótese.[8]

Um tema central para o conceito científico de evidência é o problema da subdeterminação, ou seja, que as evidências disponíveis apoiam igualmente bem as teorias concorrentes.[32][33] Por exemplo, evidências de nossa vida cotidiana com relação à natureza da gravidade confirmam igualmente bem as teorias da gravidade de Newton e Einstein e, portanto, não podem estabelecer um consenso entre os cientistas. Mas, em tais casos, é frequentemente o acúmulo gradual de evidências que finalmente leva a um consenso emergente. Esse processo baseado em evidências, que leva ao consenso, parece ser uma marca característica das ciências que outros campos não têm.[8][34]

Outro problema com a interpretação de evidência no sentido de confirmação de hipóteses é que o que alguns cientistas consideram evidência já pode conter várias suposições teóricas que não são compartilhadas por outros cientistas. Este fenômeno é chamado de carga teórica.[8][35] Alguns casos de carga teórica são relativamente incontroversos, por exemplo, que os números mostrados por um medidor requerem suposições adicionais sobre como esse medidor funciona e sobre o que foi medido para ser considerado evidência significativa.[36] Outros casos putativos são mais controversos, por exemplo, a ideia de que pessoas ou culturas diferentes percebem o mundo através de esquemas conceituais diferentes e incomensuráveis, levando a impressões muito diferentes sobre o que é o caso e que evidências estão disponíveis.[37] A carga teórica ameaça comprometer o papel da evidência como árbitro neutro, já que estas suposições adicionais poderiam favorecer algumas teorias sobre outras. Isto também poderia minar o consenso, já que as diferentes partes podem nem sequer conseguir chegar a um acordo sobre o que são as evidências.[8][38] Entendido no sentido mais amplo, não é controverso que há alguma forma de carga teórica. No entanto, é questionável se ela representa uma séria ameaça à evidência científica quando entendida neste sentido.[8]

Na filosofia

Na filosofia antiga, evidência é a característica própria do conhecimento em seu grau máximo, isto é, do conhecimento alcançado pelo intelecto intuitivo (nous, nos termos aristotélicos) [39]: =

...a observação de um certo número, ainda que limitado, de casos, basta à inteligência, segundo Aristóteles, para distinguir, nas coisas observadas, aquilo que é essencial do que é acidental, e para compreender portanto - com uma espécie de salto intuitivo do particular ao universal - a essência das coisas mesmas. Esse método é ainda mais válido quando se trata de conhecer os princípios básicos de toda ciência (axiomas). Portanto, para cada ciência, a inteligência (noesis) estabelece princípios e premissas, a partir dos quais o raciocínio (dianoia) tira conclusões específicas. Toda a lógica aristotélica é fundada sobre princípios não demonstráveis mas extraídos diretamente do intelecto.[40]

Em oposição à evidência, estaria a opinião, desprovida da clareza e da verdade, já que se baseia na ilusão dos sentidos. Observe-se que, em latim, evidentia deriva de evĭdens -entis, termo composto pela partícula intensiva e + videns, particípio do verbo videre, 'ver', significando, portanto, "que se vê bem e distintamente").[41]

No cartesianismo, evidência corresponde à constatação de uma verdade que não suscita qualquer dúvida, em decorrência do grau de clareza e distinção com que se apresenta ao espírito.

Na ciência

Uma evidência científica é o conjunto de elementos utilizados para apoiar ou refutar uma hipótese ou teoria científica. Uma evidência científica deve ser uma evidência empírica obtida e interpretada de acordo com o método científico - passível, portanto, de repetição por outros cientistas em locais diferentes daquele onde foi realizada originalmente. Os padrões das evidências científicas podem variar de acordo com o campo de pesquisa, mas a força de uma evidência é geralmente baseada nos resultados da análise estatística e no controle científico.

No direito

No direito penal, a evidência se produz mediante a apreciação conjunta e conjugada de provas — sejam documentais, testemunhais ou periciais.

"Meio de prova é todo fato, documento ou alegação que possa servir, direta ou indiretamente, à busca da verdade real dentro do processo. Em outras palavras, é instrumento utilizado pelo juiz para formar a sua convicção acerca dos fatos alegados pelas partes".[42]

Prova e evidência não são sinônimos, embora a confusão seja comum em afirmações corriqueiras tais como 'não há evidências de que ele seja culpado...' ou 'as evidências mostram que...'. Tal confusão é frequentemente resultante da tradução equivocada do inglês evidence, que, em português, não se traduz como 'evidência', mas como 'prova'. 'Evidência', em português, é um atributo daquilo que é perfeitamente claro, inequívoco, incontestável. 'Prova' é um meio de demonstrar que um fato é verdadeiro. A evidência decorre, portanto, da prova (ou do conjunto probatório). Assim, se existem muitas provas válidas de um fato, poder-se-á dizer que esse fato é 'evidente'. Todavia, não se pode dizer que 'foram encontradas evidências' de um fato. O correto é: 'foram encontradas provas' ou 'não há provas de que ele seja culpado'.[43]

Da mesma forma, 'evidência' não se confunde com 'indício' ou 'prova indiciária'. Segundo o artigo 239 do Código de Processo Penal Brasileiro, "considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias." Indícios são sinais ou vestígios que induzem a supor alguma coisa e que podem vir a se constituir um princípio de prova e levar ao conhecimento de elementos significativos do fato delituoso. A indução consiste em inferir o geral com base no particular. Assim, a partir de fatos conhecidos, presume-se o fato incerto que se pretende provar. [43] Como regra, tendo em vista o princípio da presunção de inocência (in dubio pro reo, indícios não têm força probante para condenar mas, reforçados por outras provas, podem embasar um juízo condenatório.

Referências

  1. Dicionário Houaiss: 'evidência'
  2. Sandkühler, Hans Jörg (2010). «Evidenz». Enzyklopädie Philosophie. [S.l.]: Meiner 
  3. a b Mittelstraß, Jürgen (2005). «Evidenz». Enzyklopädie Philosophie und Wissenschaftstheorie. [S.l.]: Metzler 
  4. Rudolf Eisler: Art. Evidenz, in: Wörterbuch der philosophischen Begriffe, 1904.
  5. a b c Brand, Gerd (1955). «Der Rückgang auf das Welterfahrende Leben». Welt, Ich und Zeit: Nach unveröffentlichten Manuskripten Edmund Husserls (em alemão). [S.l.]: Springer Netherlands. pp. 1–53. ISBN 978-94-011-9616-1 
  6. Stenger, Georg (1996). «Das Phänomen der Evidenz und die Evidenz des Phänomens». Phänomenologische Forschungen. 1 (1): 84–106. ISSN 0342-8117 
  7. a b c d e f g h i j DiFate, Victor. «Evidence». Internet Encyclopedia of Philosophy. Consultado em 11 de junho de 2021 
  8. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u Kelly, Thomas (2016). «Evidence». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 11 de junho de 2021 
  9. Ho, Hock Lai (2015). «The Legal Concept of Evidence». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 11 de junho de 2021 
  10. «Evidenz in der Wissenschaft». Goethe-Universität Frankfurt (em alemão). Consultado em 3 de outubro de 2021 
  11. a b c d e f g h Conee, Earl; Feldman, Richard (2008). «Evidence». Epistemology: New Essays. [S.l.]: Oxford University Press 
  12. Steup, Matthias; Neta, Ram (2020). «Epistemology». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 15 de junho de 2021 
  13. Mittag, Daniel M. «Evidentialism». Internet Encyclopedia of Philosophy. Consultado em 15 de junho de 2021 
  14. a b c Gage, Logan Paul (2014). «1. Introduction: Two Rival Conceptions of Evidence». Objectivity and Subjectivity in Epistemology: A Defense of the Phenomenal Conception of Evidence. [S.l.]: Baylor University 
  15. a b Crupi, Vincenzo (2021). «Confirmation». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 13 de junho de 2021 
  16. a b c Husserl, Edmund. «Cartesianische Meditationen: § 24. Evidenz als Selbstgegebenheit und ihre Abwandlungen». www.textlog.de 
  17. a b Huemer, Michael (2019). «Sense-Data». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 15 de junho de 2021 
  18. a b c Williamson, Timothy (2002). Evidence. [S.l.]: Oxford University Press. ISBN 978-0-19-159867-8. doi:10.1093/019925656X.001.0001 
  19. Piazza, Tommaso (2009). «Evidentialism and the Problem of Stored Beliefs». Philosophical Studies. 145 (2): 311–324. doi:10.1007/s11098-008-9233-1 
  20. Audi, Robert (2001). The Architecture of Reason: The Structure and Substance of Rationality. [S.l.]: Oxford University Press. 19 páginas 
  21. Dougherty, Trent. In Defense of Propositionalism about Evidence. [S.l.]: Oxford University Press. ISBN 978-0-19-172868-6 
  22. «Philosophy of mind - Propositional attitudes». Encyclopedia Britannica (em inglês). Consultado em 2 de abril de 2021. Cópia arquivada em 19 de julho de 2020 
  23. Oppy, Graham. «Propositional attitudes». www.rep.routledge.com (em inglês). Consultado em 2 de abril de 2021. Cópia arquivada em 4 de março de 2021 
  24. Audi, Robert (2003). «Précis of the Architecture of Reason». Philosophy and Phenomenological Research. 67 (1): 177–180. doi:10.1111/j.1933-1592.2003.tb00031.x 
  25. Audi, Robert. «The Architecture of Reason: The Structure and Substance of Rationality». Notre Dame Philosophical Reviews (em inglês). Consultado em 15 de junho de 2021 
  26. Janssen, Paul. «Historisches Wörterbuch der Philosophie online: Leerintention». Schwabe online. Consultado em 3 de outubro de 2021 
  27. Ströker, Elisabeth. «Historisches Wörterbuch der Philosophie online: Selbstgebung, Selbstgegebenheit». Schwabe online. Consultado em 3 de outubro de 2021 
  28. Luckner, Andreas (2010). «Phanomenologien der Erfahrung». Philosophische Rundschau. 57 (1): 70–83. doi:10.1628/003181510791058920 
  29. Husserl, Edmund (1965). Philosophie Als Strenge Wissenschaft. [S.l.]: Felix Meiner Verlag 
  30. Diehl, Ulrich (2005). «Was Heißt "Philosophie Als Strenge Wissenschaft"?». Königshausen & Neumann. Wege Zur Politischen Philosophie. 199 páginas 
  31. Noë, Alva (2007). «The Critique of Pure Phenomenology». Phenomenology and the Cognitive Sciences. 6 (1–2): 231–245. doi:10.1007/s11097-006-9043-x 
  32. Stanford, Kyle (2017). «Underdetermination of Scientific Theory». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 15 de junho de 2021 
  33. «Philosophy of science - Underdetermination». Encyclopedia Britannica (em inglês). Consultado em 15 de junho de 2021 
  34. Lee, James Soo (2017). «IV. Metaphysical Beliefs and Persisting Disagreement». A Metaphysician's User Guide: The Epistemology of Metaphysics. Syracuse, NY: Syracuse University 
  35. Andersen, Hanne; Green, Sara (2013). «Theory-Ladenness». Encyclopedia of Systems Biology (em inglês). [S.l.]: Springer. pp. 2165–2167. ISBN 978-1-4419-9863-7. doi:10.1007/978-1-4419-9863-7_86 
  36. Boyd, Nora Mills; Bogen, James (2021). «Theory and Observation in Science». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 15 de junho de 2021 
  37. Oberheim, Eric; Hoyningen-Huene, Paul (2018). «The Incommensurability of Scientific Theories: 2.2.2 Conceptual replacement and theory-ladenness of observation: Ludwik Fleck». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 15 de junho de 2021 
  38. Reiss, Julian; Sprenger, Jan (2020). «Scientific Objectivity». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 15 de junho de 2021 
  39. Aristóteles introduz a noção de nous como intuição intelectual, uma faculdade que intui os princípios indemonstráveis (ver Etica Nicomachea, VI, 6, 1440 a 31 e seguintes.
  40. L. Geymonat, Immagini dell'uomo, Garzanti, Vol. I, 1989, p. 175
  41. (em italiano) Treccani - Vocabolario on line: evidente
  42. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008; apud SILVA, Giselle Cristina Lopes da. A Teoria da Prova no Processo Penal brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 12, nº 752.
  43. a b Evidência (ou prova?) Por José Maria da Costa.

Ver também