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Ação (filosofia): diferenças entre revisões

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Muitas versões do [[Budismo]] rejeitam a noção de agente em graus diferentes. Nestas escolas de pensamento, existe acção, mas nenhum [[agente]].
Muitas versões do [[Budismo]] rejeitam a noção de agente em graus diferentes. Nestas escolas de pensamento, existe acção, mas nenhum [[agente]].

== Concepções ==
As concepções de ação tentam determinar o que todas as ações têm em comum ou quais são suas características essenciais. As teorias causalistas, como o relato de [[Donald Davidson]] ou formas padrão de volicionismo, sustentam que as relações causais entre os estados mentais do agente e o comportamento resultante são essenciais para as ações. De acordo com Davidson, ações são movimentos corporais que são causados por intenções da maneira correta. As teorias volicionistas incluem a noção de volições em sua explicação de ações. As volições são entendidas como formas de convocar meios dentro do poder da pessoa e são diferentes de apenas pretender fazer algo mais tarde. Os não causalistas, por outro lado, negam que intenções ou estados semelhantes causem ações.

=== Relato de Davidson ===
O relato mais conhecido de ação, às vezes simplesmente chamado de ''relato standard'', deve-se a Davidson, que sustenta que ações são movimentos corporais causados por intenções.<ref name="Stuchlik"/> Davidson explica as próprias intenções em termos de [[crença]]s e [[desejo]]s.<ref name="Wilson">{{citar web |last1=Wilson |first1=George |last2=Shpall |first2=Samuel |last3=Piñeros Glasscock |first3=Juan S. |title=Action |url=https://plato.stanford.edu/entries/action/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |date=2016}}</ref> Por exemplo, a ação de pressionar o interruptor de luz repousa, por um lado, na crença do agente de que esse movimento corporal acenderia a luz e, por outro lado, no desejo de ter luz.<ref>{{citar web |last1=Malpas |first1=Jeff |title=Donald Davidson: 2.1 Reasons as Causes |url=https://plato.stanford.edu/entries/davidson/#ReasCaus |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-03-01 |date=2019}}</ref> Devido a sua dependência de estados psicológicos e relações causais, esta posição é considerada uma teoria [[Humeanismo|Humeana]] de ação.<ref>{{citar livro |last1=Railton |first1=Peter |title=The Oxford Handbook of Ethical Theory |publisher=Oxford University Press |pages=265–81 |url=https://philpapers.org/rec/RAIHTO |chapter=Humean Theory of Practical Rationality|year=2006 }}</ref> Segundo Davidson, não é apenas o comportamento corporal que conta como ação, mas também as consequências que se seguem a partir dele. Portanto, o movimento do dedo pressionando o interruptor é parte da ação, assim como os elétrons que se movem através do fio e a lâmpada que se acende. Algumas consequências estão incluídas na ação, mesmo que o agente não tinha a intenção de que elas acontecessem.<ref name="Honderich">{{citar livro |last1=Honderich |first1=Ted |title=The Oxford Companion to Philosophy |date=2005 |publisher=Oxford University Press |url=https://philpapers.org/rec/HONTOC-2 |chapter=Action}}</ref><ref name="Craig">{{citar livro |last1=Craig |first1=Edward |title=Routledge Encyclopedia of Philosophy |date=1996 |publisher=Routledge |url=https://philpapers.org/rec/BEAREO |chapter=Action}}</ref> É suficiente que o que o agente faz "possa ser descrito sob um aspecto que o torna intencional".<ref name="Noa">{{citar periódico |last1=Latham |first1=Noa |title=Meditation and Self-Control |journal=Philosophical Studies |date=2016 |volume=173 |issue=7 |pages=1779–1798 |doi=10.1007/s11098-015-0578-y |s2cid=170959501 |url=https://philpapers.org/rec/LATMAS}}</ref><ref name="Craig"/> Então, por exemplo, se pressionar o interruptor de luz alerta o ladrão, então alertar o ladrão faz parte das ações do agente.<ref name="Wilson"/> Em um exemplo do manuscrito ''Intention'' de [[Elizabeth Anscombe]], bombear água também pode ser uma instância de envenenar os habitantes.<ref>{{citar livro|last=Anscombe|first=Gertrude|title=Intention|publisher=Harvard University Press|year=2000|isbn=0674003993|pages=37–45}}</ref>

Uma dificuldade com teorias de ação que tentam caracterizar ações em termos de relações causais entre estados mentais e movimentos corporais, as chamadas ''teorias causalistas'', é o que tem sido chamado de cadeias causais desviadas ({{lang|en|wayward causal chains}}).<ref name="Audi"/> Uma cadeia causal é desviada se a intenção causou a realização de seu objetivo, mas de uma forma muito incomum que não foi pretendida, por exemplo, porque as habilidades do agente não são exercidas da maneira planejada.<ref name="Wilson"/> Por exemplo, um escalador forma a intenção de matar o escalador abaixo dele ao soltar a corda. Uma cadeia causal desviada seria que, em vez de abrir a mão intencionalmente, a intenção deixa o primeiro escalador tão nervoso que a corda se desliza através de sua mão e, assim, leva à morte do outro escalador.<ref>{{citar periódico |last1=Enç |first1=Berent |title=Causal Theories of Intentional Behavior and Wayward Causal Chains |journal=Behavior and Philosophy |date=2004 |volume=32 |issue=1 |pages=149–166 |url=https://philpapers.org/rec/ENCTO}}</ref> Davidson aborda este assunto excluindo casos de causalidade desviada de seu relato, já que não são exemplos de comportamento intencional no sentido estrito. Assim, o comportamento corporal só constitui uma ação se é causado por intenções ''da maneira correta''.

Uma objeção importante à teoria das ações de Davidson é que ignora o papel do agente na produção de ação. Este papel poderia incluir refletir sobre o que fazer, escolher uma alternativa e depois executá-la.<ref name="Stuchlik"/> Outra objeção é que as meras intenções parecem ser insuficientes para causar ações, que outros elementos adicionais, a saber, volições ou tentativas, são necessários. Por exemplo, como [[John Searle]] apontou, parece haver uma lacuna causal entre a intenção de fazer algo e realmente fazê-lo, o que precisa de um ato de vontade para ser superada.<ref name="Stuchlik"/>

=== Volicionismo ===
Os volicionistas visam superar essas deficiências do relato de Davidson, ao incluir a noção de ''volição'' ou ''tentativa'' em sua teoria das ações.<ref name="Stuchlik">{{citar periódico |last1=Stuchlik |first1=Joshua |title=From Volitionalism to the Dual Aspect Theory of Action |journal=Philosophia |date=2013 |volume=41 |issue=3 |pages=867–886 |doi=10.1007/s11406-013-9414-9 |s2cid=144779235 |url=https://philpapers.org/rec/STUFVT}}</ref> Volições e tentativas são formas de afirmar algo, como intenções.<ref name="Stuchlik"/> Podem ser distinguidas das intenções porque são dirigidas a executar um curso de ação no aqui e agora, em contraste com as intenções, que envolvem planos direcionados ao futuro para fazer algo mais tarde.<ref name="Stuchlik"/><ref>{{citar livro |last1=Honderich |first1=Ted |title=The Oxford Companion to Philosophy |date=2005 |publisher=Oxford University Press |url=https://philpapers.org/rec/HONTOC-2 |chapter=Volution}}</ref> Alguns autores também distinguem as volições, como atos de vontade, das tentativas, como a convocação de meios dentro do poder da pessoa.<ref>{{citar periódico |last1=Adams |first1=Frederick |last2=Mele |first2=Alfred R. |title=The Intention/Volition Debate |journal=Canadian Journal of Philosophy |date=1992 |volume=22 |issue=3 |pages=323–337 |doi=10.1080/00455091.1992.10717283 |url=https://philpapers.org/rec/ADATID}}</ref> Mas tem sido argumentado que podem ser tratadas como uma noção unificada, já que não há diferença importante entre as duas para a teoria da ação porque desempenham o mesmo papel explicativo. Este papel inclui tanto o nível experiencial,<ref name="Craig"/> envolvendo a tentativa de algo em vez de meramente pretender fazê-lo mais tarde, quanto o nível metafísico, na forma de causalidade mental, ao preencher a lacuna entre a intenção mental e o movimento corporal.<ref>{{citar livro |last1=Honderich |first1=Ted |title=The Oxford Companion to Philosophy |date=2005 |publisher=Oxford University Press |url=https://philpapers.org/rec/HONTOC-2 |chapter=Trying}}</ref><ref name="Stuchlik"/>

O volicionismo como teoria é caracterizado por três teses centrais: (1) que toda ação corporal é acompanhada por uma tentativa, (2) que tentativas podem ocorrer sem produzir movimentos corporais e (3) que, no caso de tentativas bem-sucedidas, a tentativa é a causa do movimento corporal.<ref name="Stuchlik"/><ref name="Craig"/> A ideia central da noção de tentar é encontrada na segunda tese. Envolve a afirmação de que algumas de nossas tentativas levam a ações bem-sucedidas enquanto outras surgem sem resultar em uma ação.<ref name="Kühler2">{{citar livro |last1=Kühler |first1=Michael |last2=Rüther |first2=Markus |title=Handbuch Handlungstheorie: Grundlagen, Kontexte, Perspektiven |publisher=J.B. Metzler |isbn=978-3-476-02492-3 |url=https://www.springer.com/de/book/9783476024923 |language=de |chapter=7. Handlungsversuche|date=2016-10-27 }}</ref> Mas mesmo em um caso mal-sucedido ainda há algo: difere de não tentar em absoluto.<ref name="Stuchlik"/> Por exemplo, uma pessoa paralisada, depois de ter recebido um novo tratamento, pode testar se o tratamento foi bem-sucedido ao tentar mover suas pernas. Mas tentar e não conseguir mover as pernas é diferente de pretender fazê-lo mais tarde ou simplesmente desejar fazê-lo: somente no primeiro caso o paciente descobre que o tratamento não teve sucesso.<ref name="Stuchlik"/> Há um sentido no qual as tentativas ocorrem ou não, mas não podem falhar, ao contrário das ações, cujo sucesso é incerto.<ref name="Kühler2"/><ref name="Audi"/> Esta linha de pensamento levou alguns filósofos a sugerir que a tentativa em si é uma ação: um tipo especial de ação chamada ''ação básica''.<ref name="Wilson"/> Mas esta afirmação é problemática, pois ameaça levar a uma [[regressão viciosa]]: se algo é uma ação porque foi causado por uma volição, então teríamos que postular mais uma volição em virtude da qual a primeira tentativa pode ser considerada uma ação.<ref name="Audi"/><ref name="Brent"/>

Uma crítica influente às explicações volicionais das ações é devida a [[Gilbert Ryle]], que argumentou que as volições ou são ''ativas'', caso em que a regressão acima mencionada é inevitável, ou não são, caso em que não haveria necessidade de postulá-las, pois sua existência não assume nenhuma função explicativa.<ref name="Craig"/> Mas foi sugerido que isto constitui um [[falso dilema]]: que as volições podem desempenhar um papel explicativo sem levar a uma ''regressão viciosa''. [[John Stuart Mill]], por exemplo, evita este problema mantendo que as ações são compostas de duas partes: uma volição e o movimento corporal correspondente a ela.<ref name="Craig"/>

As volições também podem ser usadas para explicar como o agente sabe sobre sua própria ação. Este conhecimento sobre o que se está fazendo ou tentando fazer está disponível diretamente através da introspecção: o agente não precisa observar seu comportamento por meio da percepção sensorial para chegar a esse conhecimento, ao contrário de um observador externo.<ref name="Wilson"/><ref name="Craig"/> A experiência de agência envolvida em volições pode ser distinguida da experiência de liberdade, que envolve o aspecto adicional de ter várias rotas alternativas de ação para escolher.<ref name="Craig"/> Mas a volição é possível mesmo se não há alternativas adicionais.<ref name="Craig"/>

Os volicionistas geralmente sustentam que existe uma relação causal entre as volições e os movimentos corporais.<ref name="Stuchlik"/> Os críticos apontaram que essa posição ameaça nos alienar de nossos corpos, pois introduz uma distinção rigorosa entre nossa agência e nosso corpo, o que não é como as coisas nos parecem.<ref name="Stuchlik"/><ref name="Haddock">{{citar periódico |last1=Haddock |first1=Adrian |title=At one with our actions, but at two with our bodies |journal=Philosophical Explorations |date=2005-06 |volume=8 |issue=2 |pages=157–172 |doi=10.1080/13869790500095939 |s2cid=142740785 |url=https://philpapers.org/rec/HADAOW |issn=1386-9795}}</ref> Uma maneira de evitar essa objeção é sustentar que as volições constituem movimentos corporais, ou seja, são aspectos deles, em vez de causá-los.<ref name="Haddock"/> Outra resposta capaz de suavizar esta objeção é manter que as volições não são apenas os gatilhos iniciais dos movimentos corporais, mas que são atividades contínuas que guiam os movimentos corporais enquanto estão ocorrendo.<ref name="Stuchlik"/><ref>{{citar livro |last1=Ginet |first1=Carl |title=On Action |date=1990 |publisher=Cambridge University Press |url=https://philpapers.org/rec/GINOA-2}}</ref>

=== Não causalismo ===
As teorias não causalistas ou anti-causalistas negam que intenções ou estados semelhantes [[Causalidade|causem]] ações.<ref name="Wilson3">{{citar web |last1=Wilson |first1=George |last2=Shpall |first2=Samuel |title=Action: 3. The Explanation of Action |url=https://plato.stanford.edu/entries/action/#ExpAct |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |date=2016}}</ref><ref>{{citar livro |last1=Hu |first1=Jiajun |title=Actions Are Not Events: An Ontological Objection to the Causal Theory of Action |date=2018 |url=https://trace.tennessee.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=6549&context=utk_graddiss |chapter=1. Introduction}}</ref><ref>{{citar periódico |last1=Goetz |first1=Stewart C. |title=A Noncausal Theory of Agency |journal=Philosophy and Phenomenological Research |date=1988 |volume=49 |issue=2 |pages=303–316 |doi=10.2307/2107978 |jstor=2107978 |url=https://philpapers.org/rec/GOEANT}}</ref> Assim, se opõem a teorias causalistas como o relato de Davidson ou formas padrão de volicionismo. Geralmente concordam que as intenções são essenciais para as ações.<ref name="Schlosser">{{citar web |last1=Schlosser |first1=Markus |title=Agency |url=https://plato.stanford.edu/entries/agency/ |website=The Stanford Encyclopedia of Philosophy |publisher=Metaphysics Research Lab, Stanford University |access-date=2021-05-14 |date=2019}}</ref> Isto traz consigo a dificuldade de explicar a relação entre intenções e ações de uma forma não causal.<ref name="Wilson3"/> Algumas sugestões foram feitas sobre esta questão, mas este ainda é um problema aberto, já que nenhuma delas obteve apoio significativo. A abordagem teleológica, por exemplo, sustenta que esta relação deve ser entendida não em termos de ''[[Causa eficiente|causação eficiente]]'', mas em termos de ''causação final''.<ref>{{citar livro |last1=Hu |first1=Jiajun |title=Actions Are Not Events: An Ontological Objection to the Causal Theory of Action |date=2018 |url=https://trace.tennessee.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=6549&context=utk_graddiss |chapter=6. Conclusion }}</ref> Um problema com esta abordagem é que as duas formas de causação não têm que ser incompatíveis. Poucos teóricos negam que as ações sejam teleológicas no sentido de serem orientadas a objetivos. Mas a representação de um objetivo na mente do agente pode agir como uma causa eficiente ao mesmo tempo.<ref name="Wilson3"/> Devido a estes problemas, a maioria dos argumentos a favor do não causalismo são negativos: constituem objeções de porque as teorias causalistas são inviáveis.<ref name="Wilson3"/><ref name="Queloz">{{citar periódico |last1=Queloz |first1=Matthieu |title=Davidsonian Causalism and Wittgensteinian Anti-Causalism: A Rapprochement |journal=Ergo: An Open Access Journal of Philosophy |date=2018 |volume=5 |issue=20201214 |pages=153–72 |doi=10.3998/ergo.12405314.0005.006 |url=https://philpapers.org/rec/QUEDCA|doi-access=free }}</ref> Importantes entre eles são os argumentos da causalidade desviada, onde o comportamento só constitui uma ação se foi causado por uma intenção da maneira correta, e não de qualquer maneira. Esta crítica se concentra nas dificuldades que os causalistas têm enfrentado ao formular explicitamente como distinguir entre a causalidade correta e a causalidade desviada.<ref name="Hu5"/>

Um desafio importante para o não causalismo é devido a Davidson.<ref name="Schlosser"/><ref name="Hu5">{{citar livro |last1=Hu |first1=Jiajun |title=Actions Are Not Events: An Ontological Objection to the Causal Theory of Action |date=2018 |url=https://trace.tennessee.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=6549&context=utk_graddiss |chapter=5. A Davidsonian Challenge }}</ref> Como ele aponta, geralmente temos muitas [[Motivação#Razões motivacionais e racionalidade|razões]] diferentes para realizar a mesma ação. Mas quando a executamos, muitas vezes a executamos por uma razão, mas não por outra.<ref name="Hu5"/><ref name="Queloz"/> Por exemplo, uma razão para Abdul ir para o tratamento de câncer é que ele tem câncer de próstata, outra é que há seu jornal favorito na área de espera. Abdul está ciente de ambas as razões, mas ele realiza esta ação apenas por causa da primeira razão. As teorias causalistas podem explicar este fato através da relação causal: a primeira razão, mas não a segunda, causa a ação. O desafio para as teorias não causalistas é fornecer uma [[explicação]] não causal convincente desse fato.<ref name="Hu5"/><ref name="Queloz"/>


== Ver também ==
== Ver também ==

Revisão das 05h56min de 9 de agosto de 2022

 Nota: Se procura outro significado de Acção, veja Ação.

Uma ação (AO 1945: acção), tal como os filósofos usam o termo, é um certo tipo de coisa que uma pessoa pode fazer as vezes partindo de um arbítrio pessoal. Atirar uma bola, que requer uma intenção e um movimento corporal coordenado, é uma acção. Apanhar uma constipação não é normalmente considerado uma acção, porque é algo que acontece a uma pessoa, e não alguma coisa feita por ela. Mas há eventos mais difíceis de classificar como sendo acções ou não. Tomar uma decisão pode ser considerado como uma acção por alguns, mas para outros só será uma acção se essa decisão for concretizada. Tentar fazer algo sem o conseguir pode também não ser considerado uma acção, uma vez que a intenção não foi realizada. Acreditar, ter uma intenção, ou pensar também podem ser considerados como acções, no entanto, devido ao facto de se referirem a estados puramente internos, nem todos concordam com essa classificação. De facto, alguns filósofos preferem definir acção como algo que exige um movimento corporal (ver behaviorismo). Por outro lado, até a mera existência pode ser considerada como uma acção por alguns filósofos.

Os efeitos das acções também podem ser considerados como acções em certas circunstâncias. Por exemplo, envenenar um poço é uma acção. Se a água envenenada resultar numa morte, essa morte pode ser considerada uma acção por parte da pessoa que envenenou o poço, quer seja considerada como um único acto ou dois actos. A classificação das acções pode tornar-se ainda menos clara quando o efeito da acção é contrário à intenção, como por exemplo, curar acidentalmente uma pessoa de uma doença desconhecida, quando o intuito era matá-la envenenando o poço.

Alguns objectivos básicos da filosofia da acção são: distinguir as acções de outros tipos de fenómenos semelhantes; explicar a relação entre as acções e os seus efeitos; individuar as acções relativamente a outras acções; explicar a relação entre a acção e as crenças e desejos que estão na sua origem, e as intenções com que é executada. Em geral não se considera que haja acções feitas por objectos inanimados, como o sol, que brilha, mas sem intenção. Por outro lado, pode-se considerar que um ser humano está a agir mesmo quando não tem uma intenção específica. As acções podem ainda ser consideradas como compatíveis ou incompatíveis com o determinismo).

A acção tem sido uma preocupação dos filósofos desde Aristóteles, que escreveu sobre ela no seu livro Ética a Nicómaco. Esteve quase sempre ligada à Ética, o estudo das acções que devem ser feitas. Alguns dos filósofos contemporâneos mais proeminentes que trabalharam nesta área são Ludwig Wittgenstein, Elizabeth Anscombe, Donald Davidson, e Jennifer Hornsby.

Muitas versões do Budismo rejeitam a noção de agente em graus diferentes. Nestas escolas de pensamento, existe acção, mas nenhum agente.

Concepções

As concepções de ação tentam determinar o que todas as ações têm em comum ou quais são suas características essenciais. As teorias causalistas, como o relato de Donald Davidson ou formas padrão de volicionismo, sustentam que as relações causais entre os estados mentais do agente e o comportamento resultante são essenciais para as ações. De acordo com Davidson, ações são movimentos corporais que são causados por intenções da maneira correta. As teorias volicionistas incluem a noção de volições em sua explicação de ações. As volições são entendidas como formas de convocar meios dentro do poder da pessoa e são diferentes de apenas pretender fazer algo mais tarde. Os não causalistas, por outro lado, negam que intenções ou estados semelhantes causem ações.

Relato de Davidson

O relato mais conhecido de ação, às vezes simplesmente chamado de relato standard, deve-se a Davidson, que sustenta que ações são movimentos corporais causados por intenções.[1] Davidson explica as próprias intenções em termos de crenças e desejos.[2] Por exemplo, a ação de pressionar o interruptor de luz repousa, por um lado, na crença do agente de que esse movimento corporal acenderia a luz e, por outro lado, no desejo de ter luz.[3] Devido a sua dependência de estados psicológicos e relações causais, esta posição é considerada uma teoria Humeana de ação.[4] Segundo Davidson, não é apenas o comportamento corporal que conta como ação, mas também as consequências que se seguem a partir dele. Portanto, o movimento do dedo pressionando o interruptor é parte da ação, assim como os elétrons que se movem através do fio e a lâmpada que se acende. Algumas consequências estão incluídas na ação, mesmo que o agente não tinha a intenção de que elas acontecessem.[5][6] É suficiente que o que o agente faz "possa ser descrito sob um aspecto que o torna intencional".[7][6] Então, por exemplo, se pressionar o interruptor de luz alerta o ladrão, então alertar o ladrão faz parte das ações do agente.[2] Em um exemplo do manuscrito Intention de Elizabeth Anscombe, bombear água também pode ser uma instância de envenenar os habitantes.[8]

Uma dificuldade com teorias de ação que tentam caracterizar ações em termos de relações causais entre estados mentais e movimentos corporais, as chamadas teorias causalistas, é o que tem sido chamado de cadeias causais desviadas (wayward causal chains).[9] Uma cadeia causal é desviada se a intenção causou a realização de seu objetivo, mas de uma forma muito incomum que não foi pretendida, por exemplo, porque as habilidades do agente não são exercidas da maneira planejada.[2] Por exemplo, um escalador forma a intenção de matar o escalador abaixo dele ao soltar a corda. Uma cadeia causal desviada seria que, em vez de abrir a mão intencionalmente, a intenção deixa o primeiro escalador tão nervoso que a corda se desliza através de sua mão e, assim, leva à morte do outro escalador.[10] Davidson aborda este assunto excluindo casos de causalidade desviada de seu relato, já que não são exemplos de comportamento intencional no sentido estrito. Assim, o comportamento corporal só constitui uma ação se é causado por intenções da maneira correta.

Uma objeção importante à teoria das ações de Davidson é que ignora o papel do agente na produção de ação. Este papel poderia incluir refletir sobre o que fazer, escolher uma alternativa e depois executá-la.[1] Outra objeção é que as meras intenções parecem ser insuficientes para causar ações, que outros elementos adicionais, a saber, volições ou tentativas, são necessários. Por exemplo, como John Searle apontou, parece haver uma lacuna causal entre a intenção de fazer algo e realmente fazê-lo, o que precisa de um ato de vontade para ser superada.[1]

Volicionismo

Os volicionistas visam superar essas deficiências do relato de Davidson, ao incluir a noção de volição ou tentativa em sua teoria das ações.[1] Volições e tentativas são formas de afirmar algo, como intenções.[1] Podem ser distinguidas das intenções porque são dirigidas a executar um curso de ação no aqui e agora, em contraste com as intenções, que envolvem planos direcionados ao futuro para fazer algo mais tarde.[1][11] Alguns autores também distinguem as volições, como atos de vontade, das tentativas, como a convocação de meios dentro do poder da pessoa.[12] Mas tem sido argumentado que podem ser tratadas como uma noção unificada, já que não há diferença importante entre as duas para a teoria da ação porque desempenham o mesmo papel explicativo. Este papel inclui tanto o nível experiencial,[6] envolvendo a tentativa de algo em vez de meramente pretender fazê-lo mais tarde, quanto o nível metafísico, na forma de causalidade mental, ao preencher a lacuna entre a intenção mental e o movimento corporal.[13][1]

O volicionismo como teoria é caracterizado por três teses centrais: (1) que toda ação corporal é acompanhada por uma tentativa, (2) que tentativas podem ocorrer sem produzir movimentos corporais e (3) que, no caso de tentativas bem-sucedidas, a tentativa é a causa do movimento corporal.[1][6] A ideia central da noção de tentar é encontrada na segunda tese. Envolve a afirmação de que algumas de nossas tentativas levam a ações bem-sucedidas enquanto outras surgem sem resultar em uma ação.[14] Mas mesmo em um caso mal-sucedido ainda há algo: difere de não tentar em absoluto.[1] Por exemplo, uma pessoa paralisada, depois de ter recebido um novo tratamento, pode testar se o tratamento foi bem-sucedido ao tentar mover suas pernas. Mas tentar e não conseguir mover as pernas é diferente de pretender fazê-lo mais tarde ou simplesmente desejar fazê-lo: somente no primeiro caso o paciente descobre que o tratamento não teve sucesso.[1] Há um sentido no qual as tentativas ocorrem ou não, mas não podem falhar, ao contrário das ações, cujo sucesso é incerto.[14][9] Esta linha de pensamento levou alguns filósofos a sugerir que a tentativa em si é uma ação: um tipo especial de ação chamada ação básica.[2] Mas esta afirmação é problemática, pois ameaça levar a uma regressão viciosa: se algo é uma ação porque foi causado por uma volição, então teríamos que postular mais uma volição em virtude da qual a primeira tentativa pode ser considerada uma ação.[9][15]

Uma crítica influente às explicações volicionais das ações é devida a Gilbert Ryle, que argumentou que as volições ou são ativas, caso em que a regressão acima mencionada é inevitável, ou não são, caso em que não haveria necessidade de postulá-las, pois sua existência não assume nenhuma função explicativa.[6] Mas foi sugerido que isto constitui um falso dilema: que as volições podem desempenhar um papel explicativo sem levar a uma regressão viciosa. John Stuart Mill, por exemplo, evita este problema mantendo que as ações são compostas de duas partes: uma volição e o movimento corporal correspondente a ela.[6]

As volições também podem ser usadas para explicar como o agente sabe sobre sua própria ação. Este conhecimento sobre o que se está fazendo ou tentando fazer está disponível diretamente através da introspecção: o agente não precisa observar seu comportamento por meio da percepção sensorial para chegar a esse conhecimento, ao contrário de um observador externo.[2][6] A experiência de agência envolvida em volições pode ser distinguida da experiência de liberdade, que envolve o aspecto adicional de ter várias rotas alternativas de ação para escolher.[6] Mas a volição é possível mesmo se não há alternativas adicionais.[6]

Os volicionistas geralmente sustentam que existe uma relação causal entre as volições e os movimentos corporais.[1] Os críticos apontaram que essa posição ameaça nos alienar de nossos corpos, pois introduz uma distinção rigorosa entre nossa agência e nosso corpo, o que não é como as coisas nos parecem.[1][16] Uma maneira de evitar essa objeção é sustentar que as volições constituem movimentos corporais, ou seja, são aspectos deles, em vez de causá-los.[16] Outra resposta capaz de suavizar esta objeção é manter que as volições não são apenas os gatilhos iniciais dos movimentos corporais, mas que são atividades contínuas que guiam os movimentos corporais enquanto estão ocorrendo.[1][17]

Não causalismo

As teorias não causalistas ou anti-causalistas negam que intenções ou estados semelhantes causem ações.[18][19][20] Assim, se opõem a teorias causalistas como o relato de Davidson ou formas padrão de volicionismo. Geralmente concordam que as intenções são essenciais para as ações.[21] Isto traz consigo a dificuldade de explicar a relação entre intenções e ações de uma forma não causal.[18] Algumas sugestões foram feitas sobre esta questão, mas este ainda é um problema aberto, já que nenhuma delas obteve apoio significativo. A abordagem teleológica, por exemplo, sustenta que esta relação deve ser entendida não em termos de causação eficiente, mas em termos de causação final.[22] Um problema com esta abordagem é que as duas formas de causação não têm que ser incompatíveis. Poucos teóricos negam que as ações sejam teleológicas no sentido de serem orientadas a objetivos. Mas a representação de um objetivo na mente do agente pode agir como uma causa eficiente ao mesmo tempo.[18] Devido a estes problemas, a maioria dos argumentos a favor do não causalismo são negativos: constituem objeções de porque as teorias causalistas são inviáveis.[18][23] Importantes entre eles são os argumentos da causalidade desviada, onde o comportamento só constitui uma ação se foi causado por uma intenção da maneira correta, e não de qualquer maneira. Esta crítica se concentra nas dificuldades que os causalistas têm enfrentado ao formular explicitamente como distinguir entre a causalidade correta e a causalidade desviada.[24]

Um desafio importante para o não causalismo é devido a Davidson.[21][24] Como ele aponta, geralmente temos muitas razões diferentes para realizar a mesma ação. Mas quando a executamos, muitas vezes a executamos por uma razão, mas não por outra.[24][23] Por exemplo, uma razão para Abdul ir para o tratamento de câncer é que ele tem câncer de próstata, outra é que há seu jornal favorito na área de espera. Abdul está ciente de ambas as razões, mas ele realiza esta ação apenas por causa da primeira razão. As teorias causalistas podem explicar este fato através da relação causal: a primeira razão, mas não a segunda, causa a ação. O desafio para as teorias não causalistas é fornecer uma explicação não causal convincente desse fato.[24][23]

Ver também

  1. a b c d e f g h i j k l m Stuchlik, Joshua (2013). «From Volitionalism to the Dual Aspect Theory of Action». Philosophia. 41 (3): 867–886. doi:10.1007/s11406-013-9414-9 
  2. a b c d e Wilson, George; Shpall, Samuel; Piñeros Glasscock, Juan S. (2016). «Action». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University 
  3. Malpas, Jeff (2019). «Donald Davidson: 2.1 Reasons as Causes». The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University. Consultado em 1 de março de 2021 
  4. Railton, Peter (2006). «Humean Theory of Practical Rationality». The Oxford Handbook of Ethical Theory. [S.l.]: Oxford University Press. pp. 265–81 
  5. Honderich, Ted (2005). «Action». The Oxford Companion to Philosophy. [S.l.]: Oxford University Press 
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