Maria Nunes

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Maria Nunes
Nascimento 1575
Lisboa
Morte século XVII
Sevilha
Cidadania Reino de Portugal
Progenitores
  • Gaspar Jacob Francisco Homem Lopes (1549-1612)
  • Maior Rodrigues, posteriormente Sara Abendana (1553-1624)
Cônjuge Manuel Lopes Homem
Religião Judaísmo

Maria Nunes (Lisboa, 1575 ou 1578 – Sevilha, após 1612), também referida como Maria Nunes Homem, foi uma portuguesa conversa conhecida por professar a fé judaica em Amesterdão durante os últimos anos do século XVI e o inicio do século XVII. Considerada por muitos historiadores como a primeira mulher a o fazer publicamente e ter sido a primeira noiva judia na cidade dos Países Baixos, num período onde os judeus eram perseguidos em quase toda a Europa, actualmente é considerada um ícone de perseverança e luta pela liberdade religiosa, sendo-lhe ainda atribuída a formação do berço da comunidade sefardita portuguesa em Amesterdão.[1]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Nascida em 1575 ou em 1578, segundo algumas fontes, em Lisboa,[2] Maria Nunes era filha de Gaspar Jacob Francisco Homem Lopes (1549–1612), também referido em alguns documentos apenas como Gaspar Lopes ou Pedro Homem, natural de Ponte de Lima, e de Maior Rodrigues (1553–1624), referida também como Branca Nunes, sendo ambos comerciantes, descendentes de famílias judias sefarditas recém convertidas ao cristianismo por imposição da Inquisição portuguesa e portanto considerados cristãos-novos ou marranos portugueses.[3][4] Pelo lado paterno era neta de Francisco de David Homem Abendana (1519-1625) e de Justa Abendana Pereira (1523-1545). Era ainda uma das primeiras filhas dos quatro filhos do casal, tendo como irmãos Manuel Lopes Pereira, por vezes referido como Emanuel Lopes Pereira, António Lopes Pereira e Antónia Justa Pereira.[5]

Entre 1590 e 1593, apesar de baptizados na fé católica, por continuarem a professar a sua fé ancestral em segredo, sendo criptojudeus, e temendo a crescente perseguição e escalar de violência gerado pela inquisição em Portugal, então sob o domínio da dinastia Filipina, tendo os seus pais sido encarcerados durante alguns meses, Maria Nunes, mascarada de homem, e o seu irmão Manuel embarcaram com o seu tio Miguel Homem Lopes num navio com destino aos Países Baixos.[6] Contudo, a meio da sua viagem, devido à Guerra Anglo-Espanhola, a embarcação foi capturada pelos ingleses e forçosamente levada para Londres.[7] Segundo vário relatos históricos, em Inglaterra, a beleza de Maria Nunes atraiu a atenção de vários pretendentes, chegando-se a escrever que nem a rainha Isabel I de Inglaterra lhe ficou indiferente, não conseguindo no entanto persuadi-la a ficar no país, ou ainda que um duque inglês quis com ela casar, sendo no entanto recusada a proposta matrimonial pela própria.[8]

Partindo pouco depois para o porto de Emden, Maria Nunes fixou-se em Amesterdão, onde abandonou o catolicismo, que lhe havia sido imposto forçosamente, e começou a professar publicamente a sua fé judaica.[9] Anos mais tarde, casou-se com Manuel Lopes Homem, seu primo, natural de Amarante, a 28 de novembro em 1598.[10]

Celebrando-se o primeiro casamento judeu em Amesterdão, a história foi publicada pelo historiador e poeta Miguel de Barrios no seu panfleto de 1663, Triumpho Popolare del govierno,[11] tornando-se num dos mais conhecidos mitos fundadores sobre a comunidade sefardita portuguesa na cidade holandesa.[12][13] Embora a descrição de Miguel de Barrios tenha muitos elementos românticos e lendários, vários detalhes descritos sobre a vida de Maria Nunes e a sua viagem são comprovados historicamente.

Tal como Maria Nunes, após se mudarem para Amesterdão em 1601, a sua mãe, Maior Rodrigues, que havia escapado de uma pena de morte por se recusar a confessar que havia judaizado enquanto cumpria uma pena de 3 anos, começou a professar o judaísmo abertamente e adoptou o nome Sara Abendana, seguindo-se os seus irmãos António Lopes Pereira, que adoptou o nome Joseph Jacob Abendana Pereira e se casou com Maria Judico Garcia Pimentel, e Antónia Justa Pereira, que pouco depois do casamento da sua irmã mais velha também se casou com o seu primo Francisco David Nunes Pereira e adoptou o nome de Abigael Justa Abendana Pereira. Gerando-se diferenças ideológicas e religiosas na família, o seu pai, Gaspar Homem Lopes, e o seu irmão mais velho Manuel Lopes Pereira permaneceram católicos, partindo anos mais tarde o primeiro para o Brasil e o segundo para Espanha, onde trabalhou para Gaspar de Guzmán, Conde-Duque de Olivares, camareiro-mor do reino e ministro de Filipe IV de Espanha.[14]

Posteriormente, os vestígios sobre a vida de Maria Nunes foram perdidos, sabendo-se no entanto que o seu marido deixou Amesterdão em 1612, fixando-se primeiro em Lisboa e depois em Sevilha, onde trabalhou como comerciante de mercadorias. Presumindo-se que enquanto sua esposa, Maria Nunes o acompanhou, especula-se que terá falecido em Sevilha após o ano de 1612, professando novamente como criptojudia.[15]

A sua mãe foi enterrada em 1624 no cemitério português judeu de Ouderkerk e o seu pai, que regressou anos mais tarde a Amesterdão, no cemitério católico de Nieuwe Kerk em 1612.[6]

Referências

  1. Freire, João Paulo (1938). Os judeus e os Protocolos dos sábios de Sião: A "Diáspora". [S.l.]: J. Freire 
  2. Caminiana. [S.l.: s.n.] 1983 
  3. Carneiro, Maria Luiza Tucci; Silva, Lina Gorenstein Ferreira da (2005). Ensaios sobre a intolerância: inquisição, marranismo e anti-semitismo : homenagem a Anita Novinsky. [S.l.]: Editora Humanitas 
  4. Sociedade e cultura portuguesas. [S.l.]: Universidade Aberta. 1996 
  5. Almeida, A. A. Marques de (2009). Dicionário histórico dos sefarditas portugueses: mercadores e gente de trato. [S.l.]: Campo da Comunicação 
  6. a b Lias (em inglês). [S.l.]: Holland University Press. 1989 
  7. Encyclopaedia Judaica (em inglês). [S.l.]: Keter Publishing House. 1972 
  8. Levin, Carole; Bertolet, Anna Riehl; Carney, Jo Eldridge (2016). A Biographical Encyclopedia of Early Modern Englishwomen: Exemplary Lives and Memorable Acts, 1500-1650 (em inglês). [S.l.]: Taylor & Francis 
  9. American Jewish Archives (em inglês). [S.l.]: American Jewish Archives. 1962 
  10. Bodian, Miriam (1999). Hebrews of the Portuguese Nation: Conversos and Community in Early Modern Amsterdam (em inglês). [S.l.]: Indiana University Press 
  11. Glaser, Eduard (1965). Two Notes on the Hispano-Jewish Poet Don Miguel de Barrios (em inglês). [S.l.: s.n.] 
  12. Vgl. Cohen Memoria Para Os Siglos Futuros, 1978 und Salomon: Myth or anti-myth, 1989.
  13. van Gelder, 2009.
  14. Bodian, Miriam (1999). Hebrews of the Portuguese Nation: Conversos and Community in Early Modern Amsterdam (em inglês). [S.l.]: Indiana University Press 
  15. Revista. [S.l.]: Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. 1993 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Miguel de Barrios: "Triumpho del goviemo popular". Amesterdão, 1683, pp. 455–456 (em alemão por Carl Gebhardt: Die Schriften des Uriel da Costa. Amesterdão, 1922)
  • Sigmund Seeligmann: "Bibliography en historie. Bijdrage tot de geschiedenis der eerste Sephardim in Amsterdam". Amesterdão, 1927
  • Robert Cohen: "Memoria Para Os Siglos Futuros: Mito e Memória sobre o Início da Comunidade Sefardita de Amesterdão". Em: Jewish History, 2/1 (1987), pp. 67-72
  • Herman Prins Salomon: "Os primeiros portugueses de Amesterdão: documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo 1595-1606: introdução, leitura, notas e cartas genealógicas". Braga 1983
  • Herman Prins Salomon: "Mito ou anti-mito? O relato mais antigo sobre a origem do judaísmo português em Amesterdão". Em: Lias 16 (1989), pp. 275-316
  • Miriam Bodian: "Hebreus da nação portuguesa. Conversos e comunidade no início da era moderna de Amesterdão". Bloomington, 1997
  • Hermann Sinsheimer: "Maria Nunnez. Uma tradição judaica" Berlim, 1934 (romance)

Ligações externas[editar | editar código-fonte]