O Incêndio

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O Incêndio
O Incêndio
Capa do livro publicado em 1979
Autor(es) Jorge Andrade
Idioma Português
País Brasil
Assunto Violência, política, religião, alienação, liberdade
Gênero Teatro, Literatura do Brasil
Localização espacial Chapecó, Santa Catarina, Brasil
Editora Global Editora
Formato Brochura
Lançamento 1979
Páginas 96 (1ª ed.)

O Incêndio é uma peça teatral brasileira escrita por Jorge Andrade e publicada pela Global Editora em 1979.[1] A publicação da primeira edição conta com prefácio do jornalista Rodolfo Konder. O texto narra a história de uma pequena cidade interiorana, na qual ocorre um incêndio na Igreja católica local, supostamente provocado por dois assaltantes forasteiros. O padre, o delegado e o coronel utilizam do acontecimento para incriminar um inimigo, que é preso com os dois forasteiros. Para encobrir a tortura cometida contra os três presos, o poder local manipula a população para realizar um linchamento. A peça é baseada no linchamento de 1950 na cidade de Chapecó.[1][2][3][4][5]

Sinopse[editar | editar código-fonte]

A peça teatral, publicada em 1979, traz o protagonista Omar como um mártir da resistência política da cidade fictícia de Água Limpa. Omar, que é filho de um antigo prefeito da cidade e adversário político do atual prefeito, Clarismindo, o protagonista mantém ligações políticas com a oposição do partido do prefeito, realizando campanha contra o candidato de Clarismindo, o Deputado Galvão.[1]

O prefeito Clarismindo juntamente com seus comparsas políticos, estes os personagens: Deputado Galvão, Delegado Ulhôa, Coronel Azevedo e Padre Líbero. Eles realizam uma conspiração para incriminar Omar.[1]

O evento que transformaria Omar em criminoso é o incêndio que atinge a igreja católica da cidade de Água Limpa e a destrói por inteira. No primeiro momento, o personagem Padre Líbero, líder religioso de Água Limpa, começa atacar os forasteiros que acabaram de chegar na cidade, os personagens Romualdo e Orlando, conhecidos de Omar. Estes dois são acusados e na conspiração planejada, Omar é acusado de ser o mandatário do incêndio.[1]

Sem provas, os três acusados foram presos e colocados na pequena cadeia da cidade. O Delegado Ulhôa e seus capangas começam a torturar Omar, Romualdo e Orlando buscando provas para declará-los culpados a mando do poder que dominava a cidade, Coronel Azevedo, Prefeito Clarismindo, Deputado Galvão e Padre Líbero.[1]

Os familiares de Omar, sua mãe Jovina, seu irmão Antonio e sua esposa, Luzia, conjuntamente com seus amigos, o violonista Zé Feição e a prostituta Jupira, tomam conhecimento de sua prisão e iniciam o processo de tentar comprovar a inocência. Esta última personagem, Jupira, será importante para o desfecho da trama.[1]

Sem conseguir provas das acusações e com a descoberta das torturas realizadas contra Ormar, Romualdo e Orlando, é denunciado pelos seus familiares a Companhia Isolada de Polícia Militar que envia o Capitão Oliveira para averiguar as informações.[1]

O grupo que está no poder e por trás das torturas tomam conhecimento da vinda do Capitão Oliveira para Água Limpa e que isso ocasionaria prisões para os torturadores, prefeito, padre, delegado e a derrota nas eleições estaduais. Portanto, os personagens Coronel Azevedo, Prefeito Clarismindo, Deputado Galvão, Delegado Ulhôa e Padre Líbero decidem criar um clima hostil na cidade ao propagar a notícia para a população que os acusados seriam soltos e nada seria feito.[1]

Assim, é planejado um ataque a cadeia de Água Limpa e o assassinato dos acusados para a noite, antes da chegada do Capitão Oliveira. Ao cair a noite, o personagem Capitão Oliveira chega na cidade, se encaminha para a Prefeitura sendo recebido pelo Prefeito Clarismindo, Deputado Galvão e Delegado Ulhôa, enquanto conversam é ouvido os primeiros tiros e gritos vindos da cadeia. Jorge Andrade não descreve explicitamente sobre o linchamento dos acusados por parte da população de Água Limpa, mas ao descrever a cena, deixa a entender que Omar, Orlando e Romualdo são mortos.[1]

A cena final, Jorge Andrade apresenta o encontro da personagem Jupira com o Coronel Azevedo, este último, o maior responsável pelas atrocidades sofridas por Omar e a pela política autoritária que predominava na cidade fictícia de Água Limpa. A peça acaba com Jupira atirando com um revólver contra o Coronel Azevedo que cai morto. Jorge Andrade encerra com o personagem, artista e violonista, Zé Feição cantando:

Vou canta prá vocês

Que cantar é minha sina.

Vou cantar prá vocês

O povo fez procissão,

O povo fez oração,

O povo fez eleição,

E do Omar o que fez?

Dragão da subversão.

Dragão da subversão.

Dragão da subversão."[1]

Personagens[editar | editar código-fonte]

Tabela com a relação de personagens da obra
Nome dos personagens
Omar (protagonista)
Luzia (Esposa de Omar)
Jovina (Mãe de Omar)
Antonio (Irmão de Omar)
Zé Feição (Amigo de Omar)
Romualdo (Forasteiro)
Orlando (Forasteiro)
Jupira (Prostituta)
Nenê Matogrosso (Prostituta)
Conga (Prostituta)
João Beleza (Deputado amigo de Omar)
Padre Líbero  (Pároco de Água Limpa)
Coronel Azevedo (Chefe político)
Prefeito Clarismindo (Prefeito de Água Limpa)
Deputado Galvão (Deputado por Água Limpa)
Delegado Ulhôa (Delegado de polícia)
Carcereiro Silvino (Carcereiro de Água Limpa)
1º Capanga do Delegado
2º Capanga do Delegado
Capitão Oliveira (Companhia Isolada da Polícia Militar)
Homens e Mulheres de Água Limpa

Local e temporalidade[editar | editar código-fonte]

Jorge Andrade assinala o cenário como: “Largo, prefeitura, cadeia, delegacia, residências, prostíbulo e arredores de Água Limpa, pequena cidade do interior do Brasil[1],  e a época escreve: “Por volta de 1950[1]. Conforme o pesquisador Cassiano Mignoni[2], o dramaturgo afirmou em seus primeiros estudos que se utilizava do linchamento de Chapecó e a própria estrutura política e social da cidade de Chapecó da época para montar Água Limpa e seus personagens.[2]

Estrutura e atos[editar | editar código-fonte]

A peça publicada em 1979 é composta por dois atos, sendo no primeiro ato a apresentação do enredo e dos personagens e o segundo ato com as cenas finais. O enredo da peça teatral transcorre em apenas um dia[3][5]. A pesquisadora Elizabeth Ribeiro Azevedo[3] informa os recursos estilísticos usados por Jorge Andrade como sendo uma mistura de teatro expressionista e teatro épico ao estilo de uma de suas influências: Bertolt Brecht.[3]

O processo da escrita e publicação[editar | editar código-fonte]

O pesquisador, Cassiano Mignoni[2], descreve que Jorge Andrade elaborou mais de 10 versões e estudos para escrever a peça até a publicação em 1979. O pesquisador ressalta que o autor iniciou o processo de estudos e escrita no ano de 1954, quando ainda estudava na Escola de Arte Dramática (EAD)[3][6].

Primeiros estudos e versões[editar | editar código-fonte]

Jorge Andrade começou os estudos da peça em 1954, tendo escrito as primeiras versões do texto nos finais da década de 1950 e início da década de 1960 conforme o pesquisador Cassiano Mignoni[2]. A primeira versão tinha o título de “Os Ausentes” sendo alteradas para “O Incêndio” nas próximas versões. O pesquisador descreve que Jorge Andrade tomou conhecimento do linchamento de Chapecó através da mídia nacional que deu grande repercussão em 1950 e nos anos posteriores que ocorreu os julgamentos dos acusados de planejar e executar o linchamento[2]. Assim, ao tomar conhecimento e como um exercício do curso da EAD, Jorge Andrade começa escrever o texto que levará cerca de 25 anos para ser publicado.[2]

Censura e publicação[editar | editar código-fonte]

Durante o processo de escrita da peça em 1965, um ano após o golpe Civil-Militar no Brasil, Jorge Andrade recebera o prêmio pela melhor peça do Serviço Nacional de Teatro (SNT)[3][5][7], mas foi revogado e o dramaturgo ficou sem receber o prêmio. Jorge Andrade era um crítico do Regime Militar brasileiro, sofreu diversas vezes com a censura dos militares durante a montagem de suas peças[3][5][8] e com a publicação das mesmas[9][10]. O Incêndio acabou sendo publicado apenas em 1979 pela Global Editora na Coleção de Teatro.

Montagem em Chapecó[editar | editar código-fonte]

Capa do programa de montagem da peça "O Incêndio" na cidade de Chapecó pelos grupos teatrais O Desbravador e Teatro Chapecó nos anos de 1994 e 1995. A imagem de fundo da capa é uma fotografia real dos escombros da Igreja de Chapecó que foi destruída por um incêndio em 1950.

A peça ganhou uma adaptação dos grupos teatrais O Desbravador e Teatro Chapecó em 1994 e 1995[11]. Segundo os pesquisadores Cassiano Mignoni[2] e Ivo Godois[4], os grupos realizaram uma temporada de apresentação em Chapecó, a cidade onde ocorreu o linchamento em 1950. A montagem da peça ocorreu em um terreno baldio, localizado na Rua Uruguai, próximo a atual delegacia da Polícia Civil de Chapecó. Este local estava há poucos metros de onde aconteceu o crime do linchamento.[2][4]

Pesquisas acadêmicas[editar | editar código-fonte]

Existem estudos acadêmicos sobre a peça teatral “O Incêndio” e a montagem da peça em Chapecó. A primeira pesquisa foi elaborado por Ivo Godois[4] em 2003, pesquisador das Artes Cênicas que participou como ator e técnico de iluminação da peça, que aborda a montagem e apresentação da peça entre 1994 e 1995.

A segunda pesquisa foi realizada em 2021 pelo pesquisador em História, Cassiano Mignoni[2], que investiga a trajetória de Jorge Andrade e o processo de construção da peça e sua publicação, demonstrando a inspiração histórica do dramaturgo para desenvolver a peça. O historiador também apresenta os acontecimentos do linchamento de Chapecó e a relação dos eventos com o dramaturgo.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m ANDRADE, Jorge (1979). O Incêndio. São Paulo: Global Editora. p. 96 
  2. a b c d e f g h i j MIGNONI, Cassiano. A arte de fazer lembrar: anarquivando O Incêndio (1979) de Jorge Andrade. Monografia de História. Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó/SC. 2021.
  3. a b c d e f g AZEVEDO, Elizabeth Ribeiro. (2014). Recursos estilísticos na dramaturgia de Jorge Andrade. São Paulo/SP: Editora da Universidade de São Paulo. pp. 65–76. ISBN 9788531413766 
  4. a b c d GODOIS, Ivo. Palco da memória (a luz no túnel da história). O Incêndio, de Jorge Andrade, marco no teatro chapecoense. Um estudo nas relações de interferência do espaço teatral sobre o espaço sócio-político. Monografia de Artes Cênicas. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC. 2003.
  5. a b c d SANT'ANNA, Catarina (2012). Metalinguagem e teatro: a obra de Jorge Andrade. São Paulo: Perspectiva. ISBN 9788527309622 
  6. CONFISSÕES de Jorge Andrade (primeira parte). In: AZEVEDO, Elizabeth R.; MARTINS, Ferdinando; NEVES, Larissa de Oliveira; VIANA, Fausto (orgs.). (2012). Jorge Andrade 90 anos: (Re)leituras - Volume I: a voz de Jorge. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, Teatro da Universidade de São Paulo, Fapesp. pp. 160-173. ISBN 978-85-62587-05-4
  7. EMERY, Milton de Morais. Destaques da semana. Luta democrática. Rio de Janeiro. p. 15-16, 8 de agosto de 1965.
  8. ARTISTAS passam telegrama a Costa e Silva lembrando promessas sôbre a censura. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 14, 22 de fev. de 1968.
  9. AUTOR de “senhora” contesta censura. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 14, 11 de fev. de 1968.
  10. ESCRITOR vê censura de 2 maneiras. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 agosto 1976.
  11. GRUPO DE TEATRO O DESBRAVADOR. O Incêndio na queima da igreja de Xapecó e o linchamento de 04 pessoas. Chapecó: [s.n.], 1994.