Questão das Investiduras

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A Questão das Investiduras, Querela das Investiduras, Controvérsia das Investiduras, ou mesmo Guerra das Investiduras[1] foi o conflito mais significativo entre Igreja e Estado na Europa medieval. Nos séculos XI e XII, uma série de papas lutaram contra a intromissão das monarquias europeias nas investiduras (nomeações) de bispos, abades e dos próprios papas, tentando restaurar a disciplina eclesiástica.[2]

O principal conflito começou em 1075 entre o Papa São Gregório VII, e Henrique IV, Sacro Imperador Romano. Outra luta breve, mas significativa sobre as investidura também ocorreu entre o Papa Pascoal II e Henrique I de Inglaterra (sogro de Henrique V, Sacro Imperador Romano-Germânico, filho de Henrique IV) e em 1103-1107, a controvérsia também ocorreu entre Igreja e Estado na França. A polêmica foi finalmente resolvida pela Concordata de Worms em 1122.

Origem

Um rei medieval investe um bispo com os símbolos de seu cargo, a nomeação de clérigos por governantes seculares, feita por interesses pessoais, provocou a corrupção clerical.

Desde o século VII era comum entre o reino dos Francos, bem como na Itália e na Espanha, que os reis, imperadores e nobres fundassem bispados e abadias, nomeando ou depondo os clérigos do local, e controlando suas ações.[3] As investiduras feitas pelos nobres visavam interesses pessoais e do reino, provocando a corrupção entre os membros do clero.[4] Entre os anos 900 e 1050 surgiram ideais e centros de reforma contra os abusos e a corrupção, como os mosteiros de Cluny (França) e Görze (Alemanha), de onde partem grupos renovadores para a Bélgica, Itália, Espanha, Inglaterra e demais paises europeus.[3]

A abadia de Cluny, que surgiu em 910, quando os mosteiros estavam em profunda decadência, foi fundada pelo duque Guilherme de Aquitânia que, renunciou ao direito de propriedade e doou-a ao Papa Sérgio III, assegurando a liberdade do mosteiro. Assim "a abadia ganhou o antigo rigor monástico e profunda renovação espiritual, pois ingressava em Cluny quem realmente queria ser monge (...) Cluny colocou-se a serviço da liberdade da vida monástica, e de toda a Igreja. Era um mosteiro livre (...) Seu exemplo se alastra: Papas e bispos, (...) chamam os monges de Cluny para reformarem seus mosteiros".[3]

Gregório VII e Henrique IV

Em 1049, após uma aguda crise que rompeu os antigos equilíbrios de poder entre as elites laicas e eclesiásticas do Lácio,[5] Leão IX tornou-se papa em meio a uma nova conjuntura política. Um dos traços mais notáveis de seu pontificado foi a realização de constantes viagens para as principais cidades da Europa lidando com os problemas morais da igreja, nomeadamente a simonia e o casamento e concubinato clerical.[6] Ele se tornou amplamente conhecido como um fervoroso defensor da reforma eclesiástica e da divulgação dos ideais da ordem de Cluny.[7] Seus sucessores mantiveram suas políticas, e em 1059 o Papa Nicolau II promulga a bula In nomine Domini, estabelecendo definitivamente como únicos eleitores do papa os cardeais da Igreja Romana, no entanto, a influência cesaropapista ainda era muito forte, sendo ainda necessária a confirmação do Sacro Imperador Romano.[8] Todavia,, como afirma o historiador Leandro Duarte Rust, a bula deve ser situada em um processo de alinhamento político do papado com poderes exteriores ao Lácio e às esferas de influência imperial, destacando-se, sobretudo, a aliança firmada entre o papado e os normandos de Robert Guiscard. Como conclusão, afirma o historiador: "o decretum eleitoral de 1059 e o honore ducali conferido a Guiscard foram dois gestos de um mesmo ato: a consolidação de uma correlação de forças pautada na identificação do bispo romano com círculos senhoriais exteriores. (...) Além da própria elite [do Lácio], o Império seria frontalmente atingido por esta política que excluía os principais grupos citadinos dos espaços decisórios para aliar-se a forças externas."[9]

Em 1073, Hildebrando da Toscânia, que havia ocupado vários cargos eclesiásticos na Cúria Romana desde o pontificado de Leão, e também tido uma formação na Abadia de Cluny, se torna papa e assume o nome de Gregório VII, imediatamente adotando uma série de medidas ascetas e monásticas,[10] e iniciando o movimento conhecido como Reforma Gregoriana, decretando que o só o Papa podia nomear ou destituir os clérigos ou movê-los de suas sés. Nesta época, o Sacro Imperador Henrique IV, já havia nomeado seus próprios bispos,[11] muitos deles proibidos de exercerem suas funções religiosas por simonia,[4] e reagiu a esta declaração de Gregório VII, enviando uma carta na qual ele retirou o apoio imperial a Gregório, em termos inequívocos, sendo a carta intitulada "Henrique, rei não por usurpação, mas através da ordenação sagrada de Deus, a Hildebrando, neste momento não papa, mas falso monge".[12] Henrique considerou o papa deposto e apelou para a eleição de um novo pontífice. Desenvolveu-se então um conflito aberto entre eles, que ficou conhecido como "Questão das Investiduras".[4] A situação se tornou ainda mais grave quando Henrique IV nomeou seu capelão, Tedaldo, um sacerdote milanês, como bispo de Milão, quando um outro sacerdote de Milão, Atto, já tinha sido escolhido em Roma pelo papa para a candidatura.[13] Em 1076 Gregório excomungou o imperador e também o considerou deposto.[14]

Henrique IV em Canossa, pintura de Eduard Schwoiser, 1862.

Uma vez que os príncipes alemães e a aristocracia alegavam autonomia em relação ao império, com a instalação de senhorios locais sobre os camponeses e os bens, já tendo se rebelado contra o imperador na Primeira Batalha de Langensalza em 1075, eles apoiaram a deposição do rei.[11] Assim Henrique IV não teve escolha, e em 1077 viajou para Canossa no norte da Itália para encontrar o Papa e pedir desculpas pessoalmente, como penitência por seus pecados, ele usava uma túnica de lã e estava descalço na neve, no meio do inverno, esse episódio se tornou conhecido como a Penitência de Canossa. Quem favoreceu este encontro, entre Imperador e Papa, foi Matilde di Canossa. Gregório retirou a excomunhão, mas os aristocratas alemães, cuja rebelião ficou conhecida como a Grande Revolta Saxã, elegeram um rei rival, Rodolfo da Suábia.

Henrique IV, em seguida, pode reunir suas forças e proclamou o antipapa Clemente III como substituto de Gregório. Em 1081, Henrique IV, capturou e executou Rudolf, e no mesmo ano, ele invadiu Roma com a intenção de remover forçadamente Gregório VII. Gregório convocou seus aliados normandos no sul da Itália em 1085, que acabaram saqueando a cidade e foi forçado a fugir para o sul com os normandos. Ele morreu logo depois no exílio em Salerno, suas últimas palavras teriam sido: "Dilexi iustitiam et odivi iniquitatem propterea morior in exilio" ("Eu amei a justiça e odiei a iniquidade; por isso, morro no exílio").[2]

Desenvolvimento posterior e resolução

A Controvérsia das Investiduras continuou por várias décadas, com cada papa diminuindo o poder imperial e lutando contra a simonia. Henrique IV foi sucedido após a sua morte em 1106 por seu filho Henrique V, que se rebelou contra as decisões de seu pai, em favor do papado, e renunciou a legalidade de seus antipapas antes de morrer. Henrique V também escolheu mais um antipapa, Gregório VIII , no entanto, ele renunciou. Esse conflito foi definitivamente resolvido em 1122, pela Concordata de Worms, que adotou uma solução de meio-termo: caberia ao papa a investidura espiritual dos bispos e ao imperador, a investidura temporal.[4]

Referências

  1. Thompson, James Westfall (1928). Feudal Germany, University of Chicago Press, Chicago, Cambridge University Press, London.
  2. a b Alves J. Os Santos de Cada Dia (10 edição). Editora Paulinas. Pág.: 296. ISBN 978-85-356-0648-5
  3. a b c Besen, Pe. José Artulino. «MOVIMENTOS DE RENOVAÇÃO E REFORMA.». Jornal - "MISSÃO JOVEM". Consultado em 1 de outubro de 2009 
  4. a b c d História Global Brasil e Geral. Pág.: 101, 130. Volume único. Gilberto Cotrim. ISBN 978-85-02-05256-7
  5. Rust, Leandro (2011). Colunas de São Pedro: a política papal na Idade Média central 1 ed. São Paulo: Annablume. p. 143-158. ISBN 9788539103140 
  6. Durant, Will. The Age of Faith. New York: Simon and Schuster. 1972. p. 525–526
  7. «Pope St. Leo IX». Catholic Encyclopedia; New Advent. Consultado em 18 de janeiro de 2011 
  8. Geffcken, Friedrich Heinrich (1877) Church and State: Their Relations Historically Developed. Longmans, Green, and Co. pp. 193–94.)
  9. Rust, Leandro (2011). Colunas de São Pedro: a política papal na Idade Média central 1 ed. São Paulo: Annablume. p. 181. ISBN 9788539103140 
  10. McCabe, Joseph. The Popes and their Church (1918). London: Watts & Co. Section I, Chapter V: The Papacy at its Height.
  11. a b Appleby, R. Scott. "How the pope got his political muscle." U.S. Catholic 64.9 (1999): 36. Academic Search Complete. EBSCO. Web. 5 June 2010.
  12. Halsall, Paul. "Medieval Sourcebook: Henry IV: Letter to Gregory VII, Jan 24 1076". Internet Medieval Source Book. 6/2/2010 <http://www.fordham.edu/halsall/source/henry4-to-g7a.html>.
  13. Shaff-Herzog. A Religious Encyclopedia: or Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology. II vols. New York, NY: Funk and Wagnalls Publishers, 1883. Pg. 911. 6/3/2010. < http://books.google.com/books?id=Vis-AAAAYAAJ&pg=PA911&lpg=PA911&dq=Henry+IV+installed+his+chaplain+as+Bishop+of+Milan&source=bl&ots=9tbUn6VqDl&sig=KKyycu7ais3NQ9UVyKAS6Cu2A9w&hl=en&ei=WqsKTIrcEsK88gagp-2RBw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=6&ved=0CCgQ6AEwBQ#v=onepage&q&f=false>
  14. Halsall, Paul. "Medieval Sourcebook: Gregory VII: First Deposition and Banning of Henry IV (Feb 22, 1076)". Internet Medieval Source Book. 6/2/2010 <http://www.fordham.edu/halsall/source/g7-ban1.html>.
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