Lumbriculida

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Representante de Lumbriculus variegatus com duas caudas. Provavelmente sofreu algum dano à cauda, o que levou ao crescimento de outra.
Representante de Lumbriculus variegatus com duas caudas. Provavelmente sofreu algum dano à cauda, o que levou ao crescimento de outra.
Classificação científica
Reino: Animalia
Filo: Annelida
Classe: Clitellata
Subclasse: Oligochaeta
Ordem: Lumbriculida

Lumbriculida é uma ordem da subclasse Oligoqueta, do filo dos anelídeos[1]. Contém apenas uma família, Lumbriculidae, que apresenta cerca de 200 espécies, sendo a maioria encontrada no hemisfério norte.[2] São microdrilos aquáticos com vários segmentos, comuns em ambientes de água doce, como rios, lençóis freáticos, córregos, lagos, pântanos e poços artificiais, com algumas espécies tendo sido encontradas também em cavernas.[2][3] Não deve ser confundida com a família de megadrilos terrestres Lumbricidae.

Origem[editar | editar código-fonte]

A partir da análise de plesiomorfias, é possível concluir que o ancestral hipotético de Lumbriculida teria átrios curtos, em formato de pêra e sem pênis, mas com dois ductos deferentes cada, sendo que o segundo ducto penetraria o septo pós-atrial. Além disso, esse ancestral já teria perdido o quarto segmento gonadal e os gonóporos femininos já seriam intersegmentais. A sequência de segmentos gonadais teria se deslocado um segmento à frente, localizando-se, portanto, entre os segmentos X e XIII. As cerdas seriam simples, e não apresentaria probóscide nem vasos em fundo cego, na parede posterior do corpo. Por fim, haveria três pares de espermatecas, iniciando-se no segundo segmento gonadal.[4]

Morfologia[editar | editar código-fonte]

Apresentam tamanho intermediário entre microdrilos aquáticos menores e um megadrilo terrestre comum, com aproximadamente 4 cm de comprimento e 1-3 mm de largura, sendo menos robustos e tendo a parede do corpo menos espessa do que as minhocas terrestres. Além disso, possuem clitelo com espessura de apenas uma célula e ovos grandes, ricos em vitelo, assim como Moniligastrida e Haplotaxidae.[2][5] Ademais, como outros microdrilos, não apresentam moela.[6] Alguns representantes apresentam probóscide, a partir de uma projeção longa do prostômio.

Suas cerdas estão organizadas em um padrão lumbricino, de forma que existem quatro feixes de cerdas em cada segmento, cada qual com duas cerdas, totalizando oito por segmento. No entanto, é possível que cerdas novas estejam presentes antes que as cerdas antigas sejam perdidas.[2] Todas as cerdas ou são bífidas, com ponta superior menor e inferior maior, ou são simples, sendo esse último tipo geralmente incomum em outras ordens de representantes aquáticos.[2][7] A presença dos dois tipos de cerdas na mesma espécie é extremamente rara.[2]

A respeito de seus órgãos sexuais, são ancestralmente prosóporos, com os gonóporos masculinos estando presentes no mesmo segmento que os testículos, posicionando-se de forma anterior ao gonóporo feminino.[2][7][8] Apresentam 1-4 pares de testículos entre os segmentos VI e X, ou entre IX e XI, além de 1-3 pares de ovários, entre os segmentos IX e XII.[6] Em algumas espécies, dois pares de testículos em segmentos adjacentes produzem esperma para o mesmo ducto espermático, sendo seguidos por um par de ovários.[7][9] O tubo secundário do acrossomo espermático possui conectivos fracos e o comprimento do acrossomo é curto, diferentemente de Megascolecidae, família pertencente aos Oligochaeta opistóporos, em que há uma tendência distinta ao alongamento do acrossomo e especialização dos conectivos.[8] Os poros das espermatecas estão geralmente posicionados atrás das cerdas ventrais do segmento correspondente, mas exceções existem.[10] Os nefrídios são conectados intersegmentalmente.[8]

Algumas espécies são capazes de sobreviver a condições adversas, como seca ou falta de comida, a partir da formação de cistos protetores, ao redor de seu corpo.[3]

Reprodução[editar | editar código-fonte]

O modo de reprodução mais comum em lumbricúlidos é a arquitomia, mas sem formação em cadeia.[6] Nessa forma de reprodução assexuada, o adulto é capaz de fragmentar-se, sendo que cada um de seus segmentos possui a capacidade de regenerar-se em um indivíduo novo, quando separado do indivíduo parental.

Na maioria das populações ao redor do mundo, a presença de indivíduos sexualmente maduros e, portanto, a ocorrência de reprodução sexuada, é extremamente rara. Quando ocorre, os óvulos e os espermatozóides são liberados dentro de um casulo formado pelo indivíduo adulto, onde ocorre a fertilização externa. Do casulo, emergem indivíduos jovens, que se desenvolvem diretamente em adultos.[3]

Alimentação[editar | editar código-fonte]

Lumbricúlidos alimentam-se de detritos orgânicos e microorganismos, como bactérias, presentes entre sedimentos, continuamente ingerindo e os defecando.[3]

Distribuição geográfica[editar | editar código-fonte]

A distribuição das espécies de lumbriculidas está em grande parte restrita ao hemisfério norte. Muitas são endêmicas do Lago Baikal, na Sibéria, e algumas dessas espécies podem ser encontradas em outras regiões, como no Nordeste da Ásia, Japão, na costa Pacífica da América do Norte, e em outros lagos europeus como o Ohrid, nos Balcãs, ou o Onega e o Ladoga, ambos na Rússia. A fauna Baikaliana pode ser tanto considerada como um conjunto de relictos, ou como o produto de especiação local. Outras espécies também foram encontradas ao longo da Europa, além de no nordeste e sudeste da América do Norte, assim como nas zonas já mencionadas.[4][10]

A maioria dos lumbricúlidos é estenotérmica e adaptada para ambientes frios, tolerando pouca variação de temperatura.[9] Existem apenas duas espécies observadas na zona temperada do hemisfério sul, ambas de origem holoártica: Lumbriculus variegatus e Stylodrilus heringianus.[3][4]

Importância econômica[editar | editar código-fonte]

Lumbriculus variegatus é uma espécie de Lumbriculida cujos representantes são vendidos comercialmente para aquaristas, como alimento para os peixes,[2] sendo uma das culturas vivas mais fáceis de serem cultivadas.[11]

Filogenia[editar | editar código-fonte]

Durante os anos, foi comum a especulação de que os lumbriculidas fossem ancestrais de Branchiobdellida, Acanthobdellida e até mesmo de Hirudinea, que formam o grupo dos Hirudinomorpha.[12] No entanto, tais hipóteses foram, em geral, desconsideradas.[13][14] Atualmente, a partir de pesquisas moleculares, ainda que a filogenia de Clitellata seja muito incerta, Lumbriculidae, única família dentro de Lumbriculida, tem posição sólida, como grupo-irmão de Hirudinomorpha, comprovando que Oligochaeta não é um grupo monofilético, mas parafilético. A filogenia abaixo representa algumas das famílias dentro de Clitellata e suas possíveis relações filogenéticas:[9][15][16][17][18][19][20]

Filogenia de Clitellata, segundo as propostas mais recentes[16][17][18][19]

Clitellata

Capilloventridae

Phreodrilidae

Tubificidae

Propappidae

Haplotaxidae

Enchytraeidae

Lumbricina

Hirudinomorpha

Acanthobdellida

Branchiobdellida

Hirudinida

Lumbriculidae

Taxonomia[editar | editar código-fonte]

A ordem Lumbriculida é dividida em uma única família composta por 41 gêneros. [21]

Referências

  1. BORGES, Paulo A.V.Lista preliminar dos platelmintes e anelídeos (Platyhelminthes e Annelida) terrestres dos arquipélagos da Madeira e das selvagens
  2. a b c d e f g h BRINKHURST, R. O. 1986. Guide to the freshwater aquatic microdrile oligochaetes of North America. Can. Spec. Publ. Fish. Aquat. Sci. 84: 259 p.
  3. a b c d e «Family Lumbriculidae». keys.lucidcentral.org. Consultado em 15 de junho de 2020 
  4. a b c Brinkhurst, R. O. (1 de novembro de 1989). «A phylogenetic analysis of the Lumbriculidae (Annelida, Oligochaeta)». Canadian Journal of Zoology (em inglês). 67 (11): 2731–2739. ISSN 0008-4301. doi:10.1139/z89-387 
  5. Jamieson, B. G. M. «On the phylogeny of the Moniligastridae, with description of a new species of Moniligaster (Oligochaeta, Annelida)» (PDF). Brisbane, Australia: University of Queensland. 19 páginas. Consultado em 15 de junho de 2020 
  6. a b c «Lumbriculidae». www.spektrum.de (em alemão). Consultado em 15 de junho de 2020 
  7. a b c «Science Reports no. 18». Museums Victoria (em inglês). doi:10.24199/j.mvsr.2013.18. Consultado em 15 de junho de 2020 
  8. a b c Jamieson, B. G. M. (1988). On the phylogeny and higher classification of the Oligochaeta. Cladistics 4. [S.l.: s.n.] pp. 367–400 
  9. a b c Erséus, Christer (1 de março de 2005). «Phylogeny of oligochaetous Clitellata». Hydrobiologia (em inglês). 535 (1): 357–372. ISSN 1573-5117. doi:10.1007/s10750-004-4426-x 
  10. a b Rodriguez, P.; Fend, S.; Lenat, D. (3 de novembro de 2014). «Sylphella puccoon gen. n., sp. n. and two additional new species of aquatic oligochaetes (Lumbriculidae, Clitellata) from poorly-known lotic habitats in North Carolina (USA)». ZooKeys. Consultado em 15 de junho de 2020 
  11. Brand, R. (21 de junho de 2014). «How to Culture Blackworm (Black worms)». Consultado em 15 de junho de 2020 
  12. SAWYER,. T. 1986. Leech biology and behaviour. Clarendon Press, Oxford.
  13. HOLT, P. C. 1989. Comments on the classification of the Clitellata. Hydrobiologia, 180.
  14. BRINKHURST, R. O., and GELDER, S. R. 1989. Did the lumbriculids provide the ancestors of the branchiobdellidans, acanthobdellidans and leeches? Hydrobiologia, 180.
  15. Barnes, R., Ruppert, E., Fox, R. S. (2005). Zoologia dos Invertebrados: Uma abordagem funcional-evolutiva. São Paulo: Roca. pp. 482–565
  16. a b Brusca, R. C., Moore, W., Shuster S. M. (2018). Invertebrados (Vol. 3). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. pp. 721
  17. a b Siddall, Mark E.; Apakupakul, Kathleen; Burreson, Eugene M.; Coates, Kathryn A.; Erséus, Christer; Gelder, Stuart R.; Källersjö, Mari; Trapido-Rosenthal, Henry (1 de dezembro de 2001). «Validating Livanow: Molecular Data Agree That Leeches, Branchiobdellidans, and Acanthobdella peledina Form a Monophyletic Group of Oligochaetes». Molecular Phylogenetics and Evolution (em inglês). 21 (3): 346–351. ISSN 1055-7903. doi:10.1006/mpev.2001.1021 
  18. a b Rousset, Vincent; Plaisance, Laetitia; Erséus, Christer; Siddall, Mark E.; Rouse, Greg W. (1 de novembro de 2008). «Evolution of habitat preference in Clitellata (Annelida)». Biological Journal of the Linnean Society (em inglês). 95 (3): 447–464. ISSN 0024-4066. doi:10.1111/j.1095-8312.2008.01072.x 
  19. a b Marotta, Roberto; Ferraguti, Marco; Erséus, Christer; Gustavsson, Lena M. (1 de setembro de 2008). «Combined-data phylogenetics and character evolution of Clitellata (Annelida) using 18S rDNA and morphology». Zoological Journal of the Linnean Society (em inglês). 154 (1): 1–26. ISSN 0024-4082. doi:10.1111/j.1096-3642.2008.00408.x 
  20. Erséus, Christer; Källersjö, Mari (2004). «18S rDNA phylogeny of Clitellata (Annelida)». Zoologica Scripta (em inglês). 33 (2): 187–196. ISSN 1463-6409. doi:10.1111/j.1463-6409.2004.00146.x 
  21. «WoRMS - World Register of Marine Species - Lumbriculida». www.marinespecies.org. Consultado em 14 de junho de 2020