Não-ser
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Não-ser[nota 1] é um dos maiores problemas da filosofia. Todas as categorias e linguagem humana está voltada para o ser, para o que existe, e por isso chegamos a problemas quando tentamos compreender ou falar do não-ser.
O que é o não-ser? Aparentemente não há como responder à pergunta, pois a mesma parece não ter sentido. "Não-ser" é sinônimo de "o que não é", assim como ser, no sentido de ente, é sinônimo de "o que é". Assim, a pergunta pode ser entendida como "O que é o que não é?" Parece que não podemos tratar diretamente do não-ser, pois não podemos dizer que ele é coisa alguma, nem que ele é o não-ser. Apesar desses problemas, o silêncio sobre o não-ser não é uma boa opção, pois tratamos do não-ser costumeiramente, e nos entendemos quando fazemos isso. Quando lemos em um quadro "Isto não é um cachimbo" recebemos uma mensagem significativa.
História[editar | editar código-fonte]
Esse problema foi inicialmente levantado por Parmênides em seu poema sobre o ser e não-ser.[1] Górgias replicou ao poema de Parmênides em seu Tratado do Não-Ser com uma epistemologia cética extremamente negativa: "nenhuma coisa é: se é, é incognoscível: se tanto é quanto [é] cognoscível, não é, no entanto, [comunicável] a outros"; já Melisso e Xenófanes precederam com postulados positivos no anônimo Sobre Melisso, Xenófanes e Górgias (MXG).[2] Uma solução para o problema do não-ser foi apresentada por Platão. Para ele, nosso discurso sobre o não-ser não é o discurso sobre o nada, sobre o que não é, mas sim o discurso sobre a alteridade. Dizer "A não é B" não é dizer que A não é nada, mas sim dizer que A é uma outra coisa, um outro ser. Em uma descrição de sua Teoria das Formas no diálogo Timeu, Platão realiza uma síntese do paradoxo parmenidiano, concedendo o não-ser como um tipo especial de ser,[1] e dá o nome de khôra a um "receptáculo" sem ser ou forma que poderia receber todas as Formas, copiadas do mundo inteligível e participantes nas manifestações transitórias do mundo sensível.[3]
O ramo de seu estudo filosófico é chamado de meontologia (do grego antigo, μή ὄν, me "não" e on "ser"). A discussão sobre o não-ser em relação ao ser toma parte também no diálogo platônico Sofista e posteriormente conflui com conceitos como o de caos e prima materia, passando pelos neoplatonistas, o que influenciou a teologia apofática, místicos medievais e o conceito filosófico de Urgrund (Absoluto) posterior;[4] além do mais, "meontologia" pode ser usada para descrever conceitos cosmológicos de não-diferenciação no taoísmo[5][6] e na filosofia japonesa de influência budista, como na Escola de Kyoto.[7] Enquanto a meontologia descreve o não-ser como um princípio vinculado à ontologia, não se confunde com o estudo do nada enquanto conceito não essencial e como dimensão mais existencial (a exemplo de "sem sentido", "absurdo" e niilismo): tal foi visto a partir da abordagem de Heidegger da "oudenologia" (em grego ouden, nada), que recebeu outra dimensão interpretativa subjetiva, como em Sartre.[8][9][10] Assim descreve a Enciclopédia Filosófica Bompiani:[11]
"em sentido amplo, portanto, pode-se denominar meontológica toda a reflexão que assuma a questão sobre o não-ser como constitutiva da própria ontologia e conteste o caráter decisivo do ser como categoria válida para exaurir a realidade e seus princípios: a metafísica de Proclo e Plotino, a teologia negativa de Pseudo-Dionísio a Escoto Erígena, a metafísica do possível e da liberdade de Schelling.”
Esse milenar problema repercute em outros domínios filosóficos contemporâneos, em particular, quando tratamos da referência a objetos inexistentes — algo que inquietou filósofos pelo menos desde Platão, passando por Bertrand Russell, Alexius Meinong e, mais recentemente, Terence Parsons. Consideremos, por exemplo, uma frase como a seguinte:
- "O Saci-Pererê é risonho."
em que "Saci-Pererê" supostamente refere a um inexistente; ou uma frase como a seguinte: - "Unicórnios são brancos."
em que "unicórnios" tem como extensão um conjunto supostamente vazio. Uma questão a respeito de ambas é saber como é possível que algo que não existe tenha propriedades. Contudo, talvez a questão mais intrigante a respeito de expressões como "Saci-Pererê" e "unicórnios" é saber como é possível que ocorram em frases, pelo menos aparentemente, verdadeiras, por exemplo, quando negamos que o que elas supostamente representam não existe, por exemplo, quando afirmamos que - "Unicórnios não existem."
Somos, então, levados a perguntar pelo estatuto ontológico dos supostos inexistentes: objetos inexistentes são, em algum sentido?
Ver também[editar | editar código-fonte]
Notas
Referências
- ↑ a b ALMEIDA, Nazareno. A Oposição entre Heráclito e Parmênides e sua "Resolução" em Empédocles, Anaxágoras e Demócrito: suas tentativas de resolução e como ela é fundamental para compreender o pensamento de Platão e Aristóteles.
- ↑ Dinucci, Aldo (2008). «Paráfrase do MXG do Tratado do Não-Ser de Górgias de Leontinos». Trans/Form/Ação (1): 197–203. ISSN 0101-3173. doi:10.1590/S0101-31732008000100011. Consultado em 11 de fevereiro de 2021
- ↑ «Plato, Timaeus, section 51a». www.perseus.tufts.edu. Consultado em 16 de outubro de 2019
- ↑ Krüger, J. S. (1 de dezembro de 2018). Signposts to Silence: Metaphysical mysticism: theoretical map and historical pilgrimages (em inglês). [S.l.]: AOSIS
- ↑ Chai, David (2014). «Meontological Generativity: A Daoist Reading of the Thing» (PDF). Philosophy East and West (2): 303–318. ISSN 0031-8221. Consultado em 11 de fevereiro de 2021
- ↑ Fang, Dongmei (1981). Chinese Philosophy, Its Spirit and Its Development (em inglês). [S.l.]: Linking Publishing Company
- ↑ Heisig, James W.; Kasulis, Thomas P.; Maraldo, John C. (31 de julho de 2011). Japanese Philosophy: A Sourcebook (em inglês). [S.l.]: University of Hawaii Press
- ↑ Sjöberg, Sami (17 de agosto de 2015). The Vanguard Messiah: Lettrism between Jewish Mysticism and the Avant-Garde (em inglês). [S.l.]: Walter de Gruyter GmbH & Co KG
- ↑ Sciacca, Michele Federico (1964). Philosophical Trends in the Contemporary World (em inglês). [S.l.]: University of Notre Dame Press
- ↑ Humanitas: anuario del Centro de Estudios Humanísticos (em espanhol). [S.l.]: Universidad Autónoma de Nuevo León. 1961
- ↑ Oliveira, Clovis Salgado Gontijo (2014). O Motivo da Noite: Da Esterelidade Indizível à Musicalidade Inefável. Universidad de Chile.
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
- Bisin, Luca (2006). "Meontologia". Enciclopedia filosofica. 8. Milano: Bompiani. p. 7301.