Usuário(a):Lijealso/Parménides

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Parménides de Eleia.

Parménides de Eleia (em grego Παρμενίδης ὁ Ἐλεάτης) foi um filósofo grego. Nasceu entre 530 a.C. e 515 a.C.[1] na cidade de Eleia, colónia grega do sul da Magna Grécia (Itália), cidade que lhe deveu também a sua legislação.

Parménides escreveu uma só obra, um poema em verso épico, do qual foram preservados fragmentos em citações de outros autores. Os especialistas consideram que a integridade do que conservamos é consideravelmente maior em comparação com o que foi preservado das obras de quase todos os restantes filósofos pré-socráticos, e por isso a sua doutrina pode ser reconstruída com maior precisão.

Apresenta o seu pensamento como uma revelação divina dividida em duas partes:

  • A via da verdade, onde se ocupa «do que é» ou «ente», e expõe vários argumentos que demonstram seus atributos: é estranho à geração e corrupção e portanto é inegendrado (incriado) e indestrutível, e é o único que verdadeiramente existe — com o que nega a existência do nada — é homogéneo, imóvel e perfeito.
  • A via das opiniões dos mortais, onde trata de assuntos como a constituição e localização dos astros, diversos fenómenos meteorológicos e geográficos, e a origem do homem, construindo uma doutrina cosmológica completa.

Enquanto que a via da opinião se assemelha às especulações físicas dos pensadores anteriores, como os milésios e os pitagóricos, a via da verdade contém uma reflexão completamente nova que modifica radicalmente o curso da filosofía antiga: considera-se que Zenão de Eleia e Melisso de Samos aceitaram as suas premissas e continuaram o seu pensamento. Os físicos posteriores, como Empédocles, Anaxágoras e os atomistas, procuraram alternativas para superar a crise a que tinham sido atirado o conhecimento do sensível. Também a sofística de Górgias acusa uma enorme influência de Parménides, na sua forma argumentativa.

Tanto a doutrina platónica das formas como a metafísica aristotélica guardam uma dívida incalculável em relação à via da verdade de Parménides. É por esta razão que muitos filósofos e filólogos consideram que Parménides é o fundador da metafísica ocidental.

Biografia[editar | editar código-fonte]

Procedência[editar | editar código-fonte]

Parménides nasceu em Eleia, situada na Magna Grécia. Diógenes Laércio diz que o seu pai foi Pires e que pertenceu a uma família rica e nobre.[2] Também é Laércio quem transmite duas fontes divergentes no que se refere ao mestre do filósofo. Uma, dependente de Sócion, assinala que primeiro foi aluno de Xenófanes,[3] mas que não o seguiu, tendo depois se associado com um pitagórico, Amínias, que preferiu como mestre. Outra tradição, dependente de Teofrasto, indica que foi discípulo de Anaximandro.[4]

Datação[editar | editar código-fonte]

Hipótese sobre o ano de nascimento de Parménides e data de composição do seu poema.

Tudo o relativo à datação acerca de Parménides — a data do seu nascimento, da sua morte, assim como a época de sua actividade filosófica — está envolta em irremediável obscuridade; os estudiosos baralham conjecturas a partir de dados de duvidosa veracidade relativos à data de nascimento e floruit do filósofo, sem que pareça ser possível estabelecer data firme para além de aproximações.

Data de nascimento[editar | editar código-fonte]

Todas as conjecturas sobre a data de nascimento de Parménides baseiam-se em duas fontes antigas. Uma procede de Apolodoro, transmitida por Diógenes Laércio: esta fonte marca a 69ª Olimpíada (entre 504 a.C. e 500 a.C.) como o momento de maturidade do filósofo, situando o seu nascimento 40 anos antes (544 a.C.540 a.C.).[5] A outra é Platão, no seu diálogo Parménides. Nesse diálogo, Platão compõe uma situação em que Parménides, de 65 anos, e Zenón, de 40 anos, viajam até Atenas para assistir às Grandes Panateneias. Conhecem então, nessa ocasião, Sócrates, que era ainda muito jovem segundo o texto platónico.[6]

Obra[editar | editar código-fonte]

Desde a antiguidade que se considera que Parménides escreveu uma só obra,[7] intitulada Sobre a natureza.[8] É um poema didáctico escrito en hexâmetros. A língua em que foi escrito deriva da expressão épica, utilizada no dialecto homérico.

Datação[editar | editar código-fonte]

O verso 24 do fragmento 1 contém una palavra que serviu de início a especulações sobre a datação da composição do poema. Nesse verso, a deusa fala ao destinatário da mensagem, presumivelmente o próprio Parménides, chamando-lhe κοῦρε (koûre, «jovem»). Pensou-se que esta palavra faz referência a um homem com idade inferior a trinta anos e, tendo em conta a sua data de nacimiento, podemos colocar a criação do poema entre 490 a.C. e 475 a.C.[9][10] Mas objectou-se que a palavra deve ser entendida no seu contexto religioso: indica a relação de superioridade da deusa em relação ao homem que recebe a revelação.[11] Guthrie apoia esta ideia, sustentando-a com uma citação (Aristófanes, Aves 977) na qual o vocábulo justamente assinala não a idade de um homem (que não é um jovem), mas a sua situação em relação ao intérprete de oráculos por qual está a ser interpelado. A sua conclusão é que é impossível dizer em que idade Parménides escreveu o poema.[12] Eggers Lan, para além de citar outro uso de κοῦρε (Homero, Il. VI, 59) onde a palavra pode aludir não a um homem de trinta anos mas a um adolescente, assinala que o menos provável é que o poema tenha sido composto inmediatamente depois da experiência religiosa que relata.[13]

Transmissão textual[editar | editar código-fonte]

O poema de Parménides, como obra completa, considera-se perdido de maneira irremediável. A partir da sua composição, foi copiado muitas vezes, mas a última referência à obra completa deriva de Simplício, no século VI: escreve que esta obra já se havia tornada rara naquela época (Física, 144).[14] O que nos chega do poema são citações fragmentárias, presentes nas obras de diversos autores. Nisto Parménides não se diferencia da maioria dos filósofos pré-socráticos. O primeiro que o cita é Platão, depois Aristóteles, Plutarco, Sexto Empírico e Simplício, entre outros. Por vezes um mesmo grupo de versos é citado por vários de estes autores, e com estes dados os especialistas podem determinar mais facilmente qual é a cópia que se assemelha mais ao original. Noutras ocasiões a situação é diferente, e a citação é única.[15] A reconstrução do texto, a partir da reunião de todas as citações existentes, começou en no Renascimento e culminou con a obra de Hermann Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker, em 1903, que estabeleceu os textos da maioria dos filósofos anteriores a Platão.[16] Nesta obra figuram um total de 19 «fragmentos» presumivelmente originários de Parménides, dos quais 18 estão em grego e um consiste numa tradução rítmica em latim. Do poema foram conservados 160 versos. Segundo estimativas de Diels, estes versos representam cerca de nove décimos da primeira parte (a «via da verdade»), mais um décimo da segunda (a «via da opinião»).[17] A obra de Diels foi reeditada e modificada por Walther Kranz em 1934. A edição teve tanta influência nos estudos que hoje se cita Parménides (assim como aos outros pré-socráticos) segundo a ordem dos autores e fragmentos desta. Parménides ocupa ali o capítulo 28, pelo que se citar com a abreviatura DK 28, adicionando depois o tipo de fragmento (A = comentários antigos sobre a vida e a doutrina; B = os fragmentos do poema original) e finalmente o número de fragmento (por exemplo, «DK 28 B 1»). Ainda que esta edição seja considerada canónica pelos filólogos, têm aparecido numerosas reedições que propuseram uma nova ordem dos fragmentos, e alguns especialistas, como Allan Hartley Coxon e Néstor Luis Cordero, realizaram comparações sobre os manuscritos onde se conservam algumas das citações, e colocaram em dúvida a fiabilidade da leitura e o estabelecimiento do texto de Diels.[18]

A forma de poema épico didáctico[editar | editar código-fonte]

Muito se tem escrito acerca da forma poética da sua escrita. Plutarco considerou que era apenas uma maneira de evitar a prosa,[19] e criticou a sua versificação.[20] Proclo disse que apesar de utilizar metáforas e alegorias, forçado pela forma poética, a sua escrita não deixa de ser mais parecido com prosa que com poesia.[21] Simplício da Cilícia, ao qual devemos a conservação da maior parte do texto que chegou até aos nossos dias, tem uma visão semelhante: não há que se admirar da aparição de motivos míticos na sua escrita, devido à forma poética que utiliza.[22]

Para Werner Jaeger, a escolha de Parménides pela forma de épico didático é uma inovação significativa. Ela envolve, em primeiro lugar, a rejeição da forma de prosa introduzida por Anaximandro. Por outra forma, significa um vínculo com a forma da Teogonia de Hesíodo. Mas o vínculo não afecta apenas a forma, mas também alguns elementos de conteúdo: na segunda parte do poema de Parménides (fragmentos B 12 e 13) aparece o Eros cosmogónico de Hesíodo (Teogonia 120) juntamente com um grande número de divindades alegóricas como a Guerra, a Discórdia, o Desejo,[23] cuja origem na Teogonia não se pode colocar em dúvida. No entanto, há que notar que a colocação destes elementos cosmogónicos na segunda parte, dedicada ao mundo da aparência, também envolve a rejeição desta forma de entender o mundo, forma estranha à Verdade para Parménides.

Hesíodo apresentou o seu poema teogónico como uma revelação procedente de seres divinos. Tinha usado da invocação às musas, uma convenção épica, o relato de uma experiência pessoal de iniciação numa missão única, a de revelar a origem dos deuses. Parménides, no seu poema, apresenta seu pensamento sobre um Ente uno e imóvel como uma revelação divina, como para derrotar Hesíodo no seu próprio jogo.[24]

Conteúdo[editar | editar código-fonte]

Prefácio[editar | editar código-fonte]

O poema de Parménides começa com um prefácio de carácter simbólico de que existem 32 versos. Os primeros trinta versos foram conservados por Sexto Empírico, que os transmitiu na sua obra Adversus Mathematicos VII, 111ss. Por sua vez, Simplício da Cilícia transmite na sua obra de Caelo 557, 25ss, os versos 28 a 32. O prefácio figura como o primeiro fragmento na recompilação de Diels (DK 28 B 1).

No prefácio, Parménides descreve a viajem que faz «o homem que sabe»: um viajem de carro, puxado por um par de éguas, e impulsionado pelas Helíades (versos 1–10). O caminho por qual é conduzido, distante do caminho usual dos mortais, é a via da noite e a via do dia, caminho que é interrompido por um enorme portal de pedra, cuja guardiã é Dice (deusa da justiça). As filhas do sol persuadem-na, e esta abre a porta para que passe o carro (vv. 11–21). O narrador é recebido por uma deusa, cujo discurso, que começa no verso 24, é o conteúdo do resto do poema. Esta lhe indica, em primeiro lugar, que não foi enviado por um destino funesto, mas pela lei e pela justiça (vv. 26–28). À luz disto, segue, é necessário que conheça todas as coisas, tanto "o coração inabalável da verdade persuasiva" como "as opiniões dos mortais", porque, apesar de que nestas «não existe convicção verdadera», no entanto gozaram de prestígio (vv. 28–32).

As vias da indagação[editar | editar código-fonte]

Proclo conserva, em Timeu I 345, 18–20, dois versos do poema de Parménides, que junto com seis versos trasmitidos por Simplício da Cilícia, em Física, 116, 28–32–117, 1, formam o fragmento 2 (28 B 2). Aí, a deusa fala de duas «vias de indagação que se podem pensar». A primeira é expressa da seguinte maneira: «que é, e também, não pode ser que não seja» (v. 3); a segunda: «que não é, e também, é preciso que não seja» (v. 5). A primeira via é a «da persuasão», que «acompanha a verdade» (v. 4), enquanto que a segunda é «completamente inescrutável» ou «impraticável», visto que «o que não é» não se pode conhecer nem expressar (vv. 6–8).

Um fragmento (B 3) conservado por Plotino, Enéada V, 1, 8, faz referência a este último: o que tem que ser pensado é o mismo que tem que ser.

Referências

  1. Sobre as dificuldades no estabelecimento da data do seu nascimento, ver a secção «Data de nascimento».
  2. (DK) A1 (Diógenes Laert, IX 21)
  3. O dado do vínculo de Parménides com Xenófanes remonta a informações de Aristóteles,Met. I 5, 986b (A 6) e de Platão, Sofista 242d (21 A 29), mas actualmente descarta-se tal possibilidade.
  4. Tradição que testemunha Suídas (A 2).
  5. Diógenes Laércio, IX, 23 (DK A 1).
  6. Platão, Parménides 127 a–c (A 5).
  7. Diógenes Laércio, I 16 (A 13).
  8. Diógenes Laércio, VIII 55 (A 9) e Simplício, De caelo 556, 25 (A 14)
  9. Erro de citação: Etiqueta <ref> inválida; não foi fornecido texto para as refs de nome Corn1
  10. Raven, Los filósofos presocráticos, p. 376; Marcovich, Real – Encyclopädie, col. 249
  11. Burkert, «Das Proëmium», p. 14, n. 32;
  12. Guthrie, Historia de la filosofía griega, II, p. 16
  13. Eggers Lan, Los filósofos presocráticos, p. 423 n. 12
  14. Cordero, Siendo, se es, p. 26.
  15. Cordero, Siendo, se es, p. 27.
  16. Cordero, Siendo, se es, p. 28.
  17. Guthrie, Historia de la filosofía griega, II, p. 18.
  18. Tudela, Poema, Introducción, p. 7.
  19. Plutarco, Quomodo adol. poet. aud. deb. 16c (A 15).
  20. Plutarco, De aud. 45a–b (A 16).
  21. Proclo, Parménides I p. 665, 17 (A 18).
  22. Simplicio, Física, 144, 25 – 147, 2 (A 20).
  23. Cícero, de deor. nat., I, 11, 18 (A 37).
  24. Jaeger, La teología de los primeros filósofos griegos, pp. 95s.