Wabi-sabi

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Pequena casa de chá japonesa com paredes amarelas e telhado de sapê. A porta da casa é de papel e dá para uma sacada sustentada por dois pilares de madeira. O jardim que envolve a casa possui bambus e pedras que formam um caminho.
A casa de chá japonesa, que reflete a estética do wabi-sabi no jardim Kenroku-en (兼六园).

Wabi-sabi (侘寂?) é um ideal filosófico japonês, assim como uma abordagem estética centrada na aceitação da transitoriedade e da imperfeição dos objetos e dos seres humanos. Esta concepção é muitas vezes descrita como a do belo que é “imperfeito, impermanente e incompleto”. Wabi-sabi se desenvolveu como um conceito filosófico por volta do século XVI no Japão, durante o período Muromachi, com bases nos ideais do zen budismo. É um conceito derivado dos ensinamentos budistas das três marcas da existência (三法印 sanbōin?), nomeadamente anicca (impermanência), as outras duas sendo dukkha (sofrimento) e anatta (não-eu).[1][2]

O wabi-sabi é a apreciação do despojamento, introduzida no Japão por Sen no Rikyu na cerimónia do chá. Refere-se ao viver uma vida comum com a simplicidade, com a insuficiência ou com a imperfeição, e está relacionado às doutrinas de desapego do Zen budismo. Estes conceitos estão representados na produção artística através do rústico, do imperfeito, do monocromático e do aspecto natural. Através do wabi e sabi, é possível o alcance do vazio da mente que traz tranquilidade. Wabi significa "quietude" e sabi se entende como "simplicidade", e expressam-se através do afeto que os japoneses possuem por simplicidade e subtileza.[3][4]

Contexto histórico[editar | editar código-fonte]

O wabi-sabi como união artística e filosófica surgiu no século XVI, fim da era medieval japonesa, quando o Xogum e seus samurais passaram a adotar a cerimônia do chá, ritual que refletia ensinamentos do Zen budismo ao induzir a paz e harmonia espiritual. O processo de infusão do chá e sua degustação eram utilizados para induzir uma contemplação profunda e que, mais tarde, se tornaria "uma religião do esteticismo [...], fundada na adoração do belo em meio aos fatos sórdidos da existência diária". Além disso, a bebida também auxiliava os soldados a manterem-se acordados em seus turnos de vigia.[5][6]

Um jardim tradicional japonês coberto de areia, com três pedras maiores posicionadas de forma equidistantes. O jardim é envolto por um muro baixo com um pequeno telhado.
Jardim zen de Ryoan-ji. Foi construído durante o período Higashiyama.

Eventualmente, o ritual do chá se tornou um evento social importante para as classes mais baixas exibirem sua riqueza, com utensílios vindos da China, salas tradicionais enfeitadas com ouro, jardins exuberantes e ervas importadas. Contudo, Sen no Rikyu, um importante mestre de chá que trabalhava para Toyotomi Hideoyoshi aos poucos foi diminuindo o espaço físico das salas de chá e ressignificando sua estética de modo que se alinhasse com os ideais do Zen budismo. Rikyu substituiu extravagantes vasos de cerâmica por um feito de bambu, uma vasilha de bronze usada para armazenar água por um balde de poço e uma concha de marfim por outra também de bambu.[5][6]

Essas transformações contribuíram para a criação de um estilo arquitetônico único, que depois passou a exercer influência em outros campos artísticos, como nas artes visuais, em peças teatrais - mais especificamente no teatro Noh - e na literatura - em escritores renomados como Osamu Dazai[7] e Haruki Murakami.[8]

Origens[editar | editar código-fonte]

As raízes do wabi-sabi são altamente entreladas com o taoísmo chinês, religião que deu origem aos ideais que compõe a filosofia "wabisabiana". Expressões artísticas com essa características são datadas desde a dinastia Song, em obras cujos artistas seguiam uma espécie de contracultura, rejeitando os valores comumente exaltados pela realeza e optando pelo uso de materiais mais humildes e por uma representação mais simplória da vida e dos objetos. Nessa época, rituais similares à cerimônia do chá japonesa já eram praticados na China, principalmente em templos, por monges taoístas. Um monge japonês chamado Myoan Eisai foi responsável por levar o chá matcha - usado eventualmente na cerimônia de chá - da China para o Japão, popularizando seu consumo. Eisai mais tarde fundou a escola do Zen budismo no Japão, contribuindo para a disseminação desses princípios.[9]

Contudo, a estética wabi-sabi só começa a ser conceituada na Era Muromachi e passa a representar um estilo apenas na Era Edo.[10]

Wabi-sabi no design[editar | editar código-fonte]

Uma casa cuja fachada possui traços do estilo wabi-sabi, com uma janela de madeira que demonstra a passagem do tempo por estar mais desgastada e lanternas antigas com caligrafia tradicional japonesa
Casa Wabi-sabi.

O wabi-sabi exerce influência no design principalmente no campo da arquitetura e no design de interiores. Esse estilo é composto também de uma intervenção nórdica nos mobiliários, que seguem a usabilidade e as necessidades da cultura ocidental. Os materiais geralmente usados são juta, bambu, cânhamo, madeira crua, entre outros que transmitem naturalidade e até mesmo fragilidade.[11] Na decoração de ambientes, são utilizados objetos que "contam uma história"[12] e que transmitam conforto de modo que façam pessoas se sentirem acolhidas, livre das preocupações do dia a dia conturbado.[2]

As características estéticas do wabi-sabi incluem assimetria, aspereza, simplicidade, economia, austeridade, modéstia, intimidade e a valorização da integridade ingênua de objetos e processos naturais.[13] As obras que seguem esse estilo buscam retratar marcas da passagem do tempo, nostalgia, falhas, serenidade e irregularidade.[14] A paleta de cores dessa corrente artística é predominantemente neutra, acompanhada de texturas e materiais crus que demonstram suas imperfeições e as "camadas da história".[15]

De acordo com Haga Koshiro, no seu texto "A estética wabi através dos anos",[16] as três qualidades dessa corrente são:[17]

  • simplicidade e beleza despretenciosa;
  • beleza imperfeita e irregular;
  • beleza austera e severa.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Powell, Richard R. (2005). Wabi sabi simple : create beauty, value imperfection, live deeply. Avon, MA: Adams Media. OCLC 54778463 
  2. a b Juniper, Andrew (2003). Wabi sabi : the Japanese art of impermanence 1st ed ed. Boston: Tuttle Pub. OCLC 52429644 
  3. Martinez, Rudolf Cymorr Kirby (28 de junho de 2019). «Wabi – Sabi and the Nature of Knowledge». Journal of Health and Caring Sciences (em inglês) (1): 1–2. ISSN 2718-918X. doi:10.37719/jhcs.2019.v1i1.e001. Consultado em 14 de dezembro de 2022 
  4. Mizuno, Noriko (15 de julho de 2014). «A família no Japão: a noção de família». Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGDir./UFRGS. ISSN 2317-8558. doi:10.22456/2317-8558.48653. Consultado em 13 de dezembro de 2022 
  5. a b KEMPTON, Beth (2018). Wabi Sabi. Rio de Janeiro: EDITORA BEST SELLER LTDA. ISBN 9788546501472 
  6. a b OKAKURA, Kakuzo (2022). O Livro do Chá. [S.l.]: Estação Liberdade. ISBN 9788574481401 
  7. Devi, Rima; Hasibuan, Aminah; Ferdinal, Ferdinal (30 de novembro de 2021). «The Reflection of Wabi Sabi in the Novel Joseito by Dazai Osamu». Lingua Cultura (em inglês) (2): 167–173. ISSN 2460-710X. doi:10.21512/lc.v15i2.7004. Consultado em 15 de dezembro de 2022 
  8. Orgad, Yariv (março de 2017). «On wabi sabi and the aesthetics of family secrets: Reading Haruki Murakami's Kafka on the shore». Culture & Psychology (em inglês) (1): 52–73. ISSN 1354-067X. doi:10.1177/1354067X16650811. Consultado em 15 de dezembro de 2022 
  9. Fernandes Filho, Marco Antonio Baena [UNESP (16 de dezembro de 2019). «O Jardim das Oito Virtudes: Chang Dai-chien e a pintura chinesa de paisagem». Consultado em 13 de dezembro de 2022 
  10. Okano, Michiko (2018). «A estética wabi-sabi: complexidade e ambiguidade». ARS (São Paulo): 133–155. ISSN 1678-5320. doi:10.11606/issn.2178-0447.ars.2018.142233. Consultado em 14 de dezembro de 2022 
  11. Whateley, Laura. «Big in Japan: the art of wabi-sabi decor» (em inglês). ISSN 0140-0460. Consultado em 14 de dezembro de 2022 
  12. Nast, Condé (2 de julho de 2020). «What is wabi sabi and why it is the most distinct design style». Architectural Digest India (em inglês). Consultado em 8 de janeiro de 2023 
  13. Koren, Leonard (1994). Wabi-sabi for artists, designers, poets & philosophers. Berkeley, Calif.: Stone Bridge Press. OCLC 29877720 
  14. «House Beautiful editor in chief Elizabeth Gordon, PhB'27, fought for "good" design in the Cold War era». The University of Chicago Magazine (em inglês). Consultado em 14 de dezembro de 2022 
  15. «Wabi-sabi philosophy leads revamp of Palau apartment in Barcelona». Dezeen (em inglês). 9 de dezembro de 2022. Consultado em 8 de janeiro de 2023 
  16. KOSHIRO, Haga. «A estética wabi através dos anos». pp. 245 – 250 
  17. OKANO, Michiko (2018). «A estética wabi-sabi: complexidade e ambiguidade». Universidade Federal de São Paulo: 181 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]