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Somas de Riemann, somas de Darboux e outras somas: diferenças entre revisões

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Introdução da referência do Nicolas Bourbaki
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Um exemplo de função integrável à Riemann que não é regrada? Temos o caso da função característica do conjunto ternário de Cantor, <math>1_\mathcal{C}</math>. Na verdade (ver [[Integrabilidade à Riemann|Exemplo 4]] da página sobre integrabilidade à Riemann), para cada <math>x\in \mathcal{C}</math> os limites laterais <math>\mathbf 1_\mathcal{C}(x^-)</math> e <math>\mathbf 1_\mathcal{C}(x^+)</math> não existem e portanto a função, pelo teorema acima, não é regrada em <math>[0,1]</math>, embora seja integrável à Riemann nesse intervalo.
Um exemplo de função integrável à Riemann que não é regrada? Temos o caso da função característica do conjunto ternário de Cantor, <math>1_\mathcal{C}</math>. Na verdade (ver [[Integrabilidade à Riemann|Exemplo 4]] da página sobre integrabilidade à Riemann), para cada <math>x\in \mathcal{C}</math> os limites laterais <math>\mathbf 1_\mathcal{C}(x^-)</math> e <math>\mathbf 1_\mathcal{C}(x^+)</math> não existem e portanto a função, pelo teorema acima, não é regrada em <math>[0,1]</math>, embora seja integrável à Riemann nesse intervalo.


O conceito de função regrada parece ter sido introduzido por Nicolas Bourbaki em "''Fonctions d'une Variable Réelle"'' sob a terminologia "''fonctions réglées''". Na versão atual em língua inglesa desta obra<ref>{{citar livro|título=Functions of a Real Variable, Elementary Theory|ultimo=Bourbaki|primeiro=Nicolas|editora=Springer-Verlag|ano=2004|local=Berlin|isbn=978-3-642-63932-6}}</ref>, pode no capítulo II observar-se um estudo bastante detalhado destas funções ("''regulated functions''").
Notemos,por fim, que a classe das funções em escada pode servir de base à construção do Integral de Lebesgue através da utilização de uma convergência menos forte que a convergência uniforme (ver<ref name=":3" /> Cap. X, §4 Appendix).

Notemos, por fim, que a classe das funções em escada pode servir de base à construção do Integral de Lebesgue através da utilização de uma convergência menos forte que a convergência uniforme (ver<ref name=":3" /> Cap. X, §4 Appendix).


== Referências ==
== Referências ==

Revisão das 05h49min de 20 de abril de 2022

São vários os tipos de somas que podem contribuir para a definição da integral de Riemann de uma função real de variável real, definida num intervalo fechado . Todas elas se baseiam no conceito de partição ou decomposição de para o que poderemos seguir a maioria dos livros de Análise Matemática. Quer na obra de Elon Lages de Lima[1], quer na de Jaime Campos Ferreira[2], encontraremos suporte para esta exposição.

Deste modo, chamaremos partição de a qualquer conjunto finito e ordenado em que e , sendo portanto elementos do intervalo aberto . Cada intervalo é chamado de subintervalo determinado pela partição O valor será dito diâmetro da partição

Exemplo 1

constitui uma partição do intervalo cujo diâmetro é .

Exemplo 2

Com é a partição do intervalo em subintervalos todos de comprimento igual a , pelo que

Por designaremos o conjunto de todas as partições do intervalo .

Somas de Riemann

Reportam-se estas somas a uma dada função . Mas, em primeiro lugar, precisaremos seguindo[2] que um dado subconjunto de , se encontra bem associado a uma dada partição de , se e só se tiver um e um só elemento em cada um dos subintervalos em que decompõe o intervalo . Por indicaremos o conjunto formado por todos os subconjuntos de que têm a propriedade de estar bem associados à partição . (Esta situação é resumida por alguns autores[1] sob a designação de que o par constitui uma partição pontilhada)

Deste modo, relativamente ao intervalo , dada uma partição e um conjunto , chamaremos soma de Riemann da função relativamente a e a ao valor real dado por

(onde, em suma, e para .

Posto isto, diremos que a função é integrável à Riemann no intervalo se existir um valor para o qual se tenha

com o sentido seguinte:

  • Para cada existe um tal que sempre que com diâmetro e se tem

É claro que o valor , a existir, é único. Na verdade, seria absurdo pensar que os mesmos valores pudessem aproximar-se do mesmo modo de dois valores distintos. O valor toma o nome de integral de em e será designado por

Exemplo 3

Seja uma função constante no intervalo aberto , isto é, qualquer que seja . Mostremos que independentemente dos valores que toma em e em , é integrável em com

Na verdade, com e quaisquer, temos para cada conjunto bem associado a que não contenha nem nem . Por outro lado, é fácil de observar que se contém ou então

.

Como tal se , também . Se for então para arbitrário, com obtém-se verificada a correspondente condição .

Limitação

Na definição das somas de Riemann parece não existir grande exigência, no que respeita a características especificas que a função deva verificar em . Porém, a condição de integrabilidade é mais restritiva do que aparenta. Na verdade, a integrabilidade à Riemann implica necessariamente a limitação da função no intervalo (ver p. 557 de [2]). Este facto não é, tanto quanto sabemos, muito comummente referido na literatura matemática mas é um indício das dificuldades que se podem deparar na utilização do integral de Riemann. Importa-nos, contudo, salientá-lo no teorema seguinte, do qual por uma questão de completação, daremos uma demonstração diferente da descrita em [2].

Teorema 1 (da Limitação)

Se é uma função integrável à Riemann então é limitada em .

Demonstração

Suponhamos por absurdo que é ilimitada. Ora perante a integrabilidade de em , facilmente se percebe que dado arbitrário, existe um e com diâmetro tal que a condição (R) é satisfeita, qualquer que seja , e é ilimitada num dos subintervalos determinados pela partição Sem perda de generalidade, apenas para maior facilidade de exposição, suponhamos ser um desses subintervalos. Então sejam e , isto é, com e para , quaisquer. Temos então quedonde se conclui que

quaisquer que sejam o que é contraditório com o facto de ser ilimitada em .

A teoria do Integral de Riemann fica assim circunscrita às funções que são limitadas.

Somas de Darboux

Neste contexto suporemos então que é uma função limitada, ou seja, para a qual existem valores tais que qualquer que seja Os valores e podem ser determinados por

e

A formulação da integral de Riemann publicada por Jean-Gaston Darboux em 1875 nos Annales de l'École normale Superieur de Paris apresenta algumas vantagens. Sendo então a integral de Riemann resultado das integrais inferior e superior, as propriedades destes refletir-se-ão necessariamente nas daquele.

Essas integrais são formuladas com base nas chamadas somas de Darboux, constituídas por sua vez a partir de uma dada partição de . A soma inferior definida por

, onde

e a soma superior dada por

, onde .

Destas somas destacamos as seguintes propriedades elementares.

Algumas propriedades das somas de Darboux

  • Para qualquer partição tem-se .
  • Se são duas partições tais que (caso em que se diz uma partição mais fina que ou um refinamento da partição ) então e .

A primeira propriedade é óbvia a partir da definição das somas inferior e superior de Darboux e das desigualdades qualquer que seja

Quanto à segunda, em[1] e [2] a demonstração é ilustrada para o caso em que contém apenas mais um ponto do que .

A partir destas duas propriedades, dadas duas partições quaisquer do intervalo , resultam imediatamente as seguintes relações

Estas desigualdades esclarecem totalmente a estrutura destas somas, pondo em evidência que as somas inferiores não se misturam com as somas superiores. Antes pelo contrário, geometricamente elas ocupam espaços opostos da reta real. Melhor dizendo, definindo a chamada de integral inferior de em através de

,

temos que para qualquer se tem

.

Assim, definindo a integral superior de em como

,

temos que

.

Além disso, é válido o seguinte teorema.

Teorema 2

Uma função limitada é integrável à Riemann se e só se

  • .

A demonstração deste teorema, ou seja a prova da equivalência entre as condições e pode ser vista quer em [1] (p. 265), quer em [2] (p. 558). É claro que em tal situação

Ilustremos esta formulação de Darboux do integral de Riemann com o exemplo clássico de função não integrável: a função de Dirichlet.

Exemplo 4

Seja dada por:

Para qualquer partição , na formulação das respetivas somas de Darboux tem-se para cada , e , ou seja e Logo pelo que não é integrável.

Consequências das propriedades das somas de Darboux acima apontadas são as seguintes propriedades elementares dos integrais inferior e superior.

Algumas propriedades das integrais inferior e superior

Continuemos a considerar uma função limitada.

  • Os valores e pertencem ao intervalo .
  • Existem tais que Se for contínua em tem-se que existem tais que e .
  • Para qualquer

A propriedade resulta imediatamente da propriedade das somas de Darboux. A primeira parte de é apenas uma outra versão escrita de . A segunda parte da mesma propriedade é consequência imediata do teorema de Bolzano.

Quanto a analisemos apenas, por exemplo, a primeira igualdade, podendo para a segunda proceder-se por analogia. Temos então                                

em virtude de  constituir uma partição do intervalo contendo c, e de, inversamente, cada partição de que contenha o ponto c, poder ser decomposta como união de uma partição,  de , com uma partição  de . Por outro lado, relativamente à última igualdade tenha-se em conta a propriedade das somas de Darboux, segundo a qual para cada se tem

Integrais indefinidas inferior e superior

Também de modo simples se podem obter propriedades relevantes das integrais indefinidas de em , ou seja, das funções de domínio dadas por:

.

  • Seja tal que . Então e são -Lipschitzianas, isto é, para quaisquer, tem-se e .
  • Se é contínua em então e são diferenciáveis em e para cada .

Vejamos, por exemplo, da propriedade a desigualdade relativa à função (para será análogo) supondo, sem perda de generalidade, que . Por , facilmente se observa que . Ora, pela propriedade e pelas características da constante temos

ou seja, . Logo é -Lipschitziana.

Quanto a , mostremos que é diferenciável (para será análogo). Sem perda de generalidade, tomando valores de , obtemos por e que

onde é um valor entre e . Então fazendo , atendendo à continuidade de, obtemos no limite . Logo é diferenciável e .

Uma análise mais detalhada das propriedades destas integrais inferior e superior pode ser vista no livro (Cap. 9) de Sterling K. Berberian[3].

Como resultante destas propriedades podemos obter um importante exemplo de funções integráveis: o da classe das funções contínuas. De notar que se for contínua então pelo teorema de Weierstrass ela possui mínimo e máximo absolutos, sendo por conseguinte limitada. Pelas mesmas razões, em tal situação, as somas de Darboux são somas de Riemann.

Exemplo 5

Qualquer função que seja contínua em é integrável.

A demonstração que daremos a seguir difere daquela baseada na continuidade uniforme de , que é a mais comum que se encontra na literatura. Façamos notar que se é contínua em , a propriedade nos indica que os integrais indefinidos e são duas primitivas de em . Como tal, elas diferem entre si de uma constante. Quer dizer, existe tal que para qualquer . Mas como resulta que também e, por conseguinte, para cada . Em particular, , ou seja, , donde se conclui que é integrável em .

Assim, perante a continuidade de em , os integrais indefinidos e são uma só função, nomeadamente: . Consequentemente podemos concluir o seguinte importante teorema conhecido por teorema fundamental do Cálculo ou da Análise Matemática.

Teorema 3 (Fundamental do Cálculo)

Seja uma função contínua, então a função dada por

é diferenciável em e para cada .

Outras somas

Dada uma partição do intervalo , uma função que seja constante em cada intervalo aberto , para diz-se uma função em escada. Supondo que com cada é um número real e , qualquer que seja , facilmente se observa que é uma função integrável à Riemann. Além disso, pela propriedade e pelo exemplo 3, acima, resulta imediatamente que

Com esta relação parece entrarmos num âmbito de maior generalidade, pois dela facilmente se observa que quer as somas de Riemann, quer as somas de Darboux, não são mais do que integrais elementares de funções em escada.

Se designarmos por o espaço das funções em escada no intervalo , note-se que a soma de funções em escada é uma função em escada e que o produto por um número real de uma função em escada é ainda uma função em escada.

Facilmente também se observa que com limitada se tem

e

Alguns autores, como por exemplo Serge Lang[4] (Cap. X) formulam a integral de Riemann relativamente a funções que são limite uniforme de funções em escada. Ora, existindo uma sucessão de funções em escada que converge uniformemente no mesmo intervalo para , é conhecido que é integrável à Riemann em (em particular limitada) e que

.

Mais concretamente é considerado o conjunto das funções que são limite uniforme de funções em escada, as quais tomam o nome de funções regradas em . Isto é, seguindo o ponto de vista topológico e funcional de Lang, consideremos o espaço das funções limitadas, munido da norma do supremo, , para a qual constitui um espaço de Banach. Sendo um subespaço de , o fecho (topológico) de em é ainda um subespaço de  : o espaço das funções regradas em , que designaremos por .

Outros autores como Santos Guerreiro[5] (Cap. V, § 3) e Narciso Garcia[6] (Cap. 3 e 4) seguem uma via mais construtiva desta classe das funções regradas e das suas principais propriedades, com a vantagem de a caracterizarem através do teorema seguinte.

Teorema 4 (das Funções Regradas)

As seguintes afirmações são equivalentes:

  1. Existe uma sucessão de funções em escada, , tal que
  2. possui limites laterais em em qualquer ponto interior de e limite lateral à direita (resp. à esquerda) em (resp. em ).

Deste teorema facilmente se conclui que qualquer função que seja contínua em é uma função regrada.

Um exemplo de função integrável à Riemann que não é regrada? Temos o caso da função característica do conjunto ternário de Cantor, . Na verdade (ver Exemplo 4 da página sobre integrabilidade à Riemann), para cada os limites laterais e não existem e portanto a função, pelo teorema acima, não é regrada em , embora seja integrável à Riemann nesse intervalo.

O conceito de função regrada parece ter sido introduzido por Nicolas Bourbaki em "Fonctions d'une Variable Réelle" sob a terminologia "fonctions réglées". Na versão atual em língua inglesa desta obra[7], pode no capítulo II observar-se um estudo bastante detalhado destas funções ("regulated functions").

Notemos, por fim, que a classe das funções em escada pode servir de base à construção do Integral de Lebesgue através da utilização de uma convergência menos forte que a convergência uniforme (ver[4] Cap. X, §4 Appendix).

Referências

  1. a b c d Lima, Elon Lages (1987). Curso de Análise (vol. 1). Brasília: IMPA-CNPq. ISBN 9-216-05138-8 
  2. a b c d e f Ferreira, Jaime Campos (1990). Introdução à Análise Matemática. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. ISBN 972-31-0508-X 
  3. Berberian, Sterling K. (1994). A First Course in Real Analysis. New York: Springer-Verlag. ISBN 0-387-94217-3 
  4. a b Lang, Serge (1994). Undergraduate Analysis. New York: Springer-Verlag. ISBN 978-1-4419-2853-5 
  5. Guerreiro, J. Santos (1989). Curso de Análise Matemática. Lisboa: Escolar Editora 
  6. Garcia, Narciso (1997). Do Zero ao Infinito. Lisboa: Escolar Editora. ISBN 972-592-097-X 
  7. Bourbaki, Nicolas (2004). Functions of a Real Variable, Elementary Theory. Berlin: Springer-Verlag. ISBN 978-3-642-63932-6