Bocavírus humano

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Como ler uma infocaixa de taxonomiaBocavírus humano

Classificação científica
Grupo: Grupo II (ssDNA)
Ordem: Não assignado
Família: Parvoviridae
Subfamília: Parvovirinae
Género: Bocaparvovirus
Espécies
Bocaparvovírus primata 1
Bocaparvovírus primata 2

O bocavírus humano (HBoV) é um parvovírus possivelmente capaz de causar doenças humanas. Sugere-se que esteja relacionado com infecções do trato respiratório inferior e gastroenterite, principalmente em crianças abaixo de cinco anos.[1] O termo bocavírus humano pode se referir a qualquer estirpe das espécies de bocaparvovírus primata 1 e bocaparvovírus primata 2 que infecta humanos.

História[editar | editar código-fonte]

Em 2005, Allander e colegas do Instituto Karolinska clonaram pela primeira vez um membro da família Parvoviridae, a partir de aspirados nasofaríngeos (PNA, fluidos agregados no fundo da fossa nasal).[2] Foi utilizada uma técnica chamada triagem molecular de vírus, baseada na clonagem aleatória e análise bioinformática. Essa mesma técnica foi utilizada na descoberta de novos vírus, tais como os poliomavírus KI (Instituto Karolinska)[3] e WU (Universidade de Washington),[4] extremamente relacionados um com o outro e isolados a partir de secreções respiratórias.

Vários grupos de cientistas, desde então, têm constatado que o HBoV é o quarto vírus mais comum em amostras respiratórias,[5][6] atrás apenas dos rinovírus, vírus sinciciais respiratórios e adenovírus.[7]

O nome bocavírus é derivado de bovino e canino, referindo-se aos dois hospedeiros para outras espécies do gênero Bocaparvovirus: o parvovírus bovino, que infecta o gado, e o vírus minuto canino, que infecta cães.[8]

Virologia[editar | editar código-fonte]

Os viriões são pequenos (18–26 nanômetros de diâmetro), icosaédricos e não envelopados. A cápside tem uma simetria T = 1 e compõe-se de sessenta cópias de uma combinação de proteínas VP1 e VP2.[9] As proteínas de revestimento possuem um motivo conservado barril beta de oito fitas, o qual forma o núcleo da cápside. Há também uma alfa-hélice conservada.[10]

Genética[editar | editar código-fonte]

Os parvovírus têm uma fita de DNA simples, sendo a maioria de polaridade negativa, com cerca de 5300 pares de base. Eles utilizam algumas das proteínas de replicação de seus hospedeiros para copiar seu material genético. Seu genoma contém três regiões de leitura aberta: a primeira expressa a proteína não estrutural NS1, a segunda expressa a proteína NP1, e a terceira expressa as proteínas VP1 e VP2.[11]

Atualmente existem quatro genótipos de HBoVs: HBoV-1, HBoV-2, HBoV-3 e HBoV-4. Os genótipos HBoV-1 e HBoV-3 pertencem à espécie bocaparvovírus primata 1, enquanto os genótipos HBoV-2 e HBoV-4 pertencem à espécie bocaparvovírus primata 2.[12] Os tipos 1 e 2 aparentam ter divergido recentemente, por volta de 1985.[13] A taxa evolutiva média estimada é de 8,6×10−4 substituições/sítio/ano. As posições nos 1.º + 2.º codões evoluem quinze vezes mais lentamente que aquelas no 3.º códon.

Os bocavírus também foram isolados de suínos.[14] A análise filogenética da espécie de bocavírus suínos coloca-os próximos ao vírus minuto canino.[15]

Sequências incompletas de bocavírus foram obtidas a partir de chimpanzés selvagens.[16] Essas sequências se encontram filogeneticamente dentro dos bocavírus humanos isolados já conhecidos, mas também apresentam evidências de recombinação.

Aspectos clínicos[editar | editar código-fonte]

Radiografia de tórax de um garoto de 16 meses de idade, na Finlândia, com pneumonia causada por bocavírus humano 1, no segundo dia de internação. São vistas infiltrações pulmonares bilaterais e atelectasia do lobo superior direito.

Assim como os outros parvovírus, os HBoVs são transmitidos pela via respiratória e pela via oral-fecal.[1]

O HBoV pode ser encontrado em amostras respiratórias de indivíduos saudáveis.[17] Em pacientes com queixas respiratórias, pode ser encontrado sozinho ou, mais frequentemente, em combinação com outros vírus conhecidos por causar doenças respiratórias. Os recém-nascidos são provavelmente protegidos por imunização passiva.[18] A faixa etária mais frequentemente afetada parecem ser crianças entre as idades de seis meses a dois anos,[18][19] embora casos em crianças com mais de cinco e até mesmo em adultos de 28 anos já tenham sido relatados.[20]

O HBoV pode ser detectado não somente em amostras respiratórias, mas também no sangue, urina, e fezes. Os dois últimos podem simplesmente refletir a excreção viral, apesar de diarreia ter sido descrita em animais com infecção por bocavírus, e alguns pacientes com HBoV terem tido diarreia independentemente de sintomas respiratórios.[21][22]

Um estudo na Jordânia constatou que 9% das 220 crianças hospitalizadas com infecção no trato respiratório inferior haviam sido infectadas pelo bocavírus.[23] Entre elas, a idade mediana era de 4 meses. Tosse (100%), sibilo (82.7%) e febre (68.2%) eram os achados clínicos mais comuns, com broncopneumonia (35%) e bronquiolite (30%) sendo os diagnósticos finais mais frequentes.

Embora a maioria dos casos seja leve, já foram relatados casos de doenças respiratórias graves causadas pelo bocavírus humano.[24]

Infecções com risco de vida causadas pelo bocavírus humano foram descritas em crianças prematuras de vinte meses de idade outrora saudáveis.[25]

Referências

  1. a b Broccolo, Francesco; Falcone, Valeria; Esposito, Susanna; Toniolo, Antonio. «Human bocaviruses: Possible etiologic role in respiratory infection». Journal of Clinical Virology. 72: 75–81. doi:10.1016/j.jcv.2015.09.008 
  2. Allander T, Tammi MT, Eriksson M, Bjerkner A, Tiveljung-Lindell A, Andersson B (Setembro de 2005). «Cloning of a human parvovirus by molecular screening of respiratory tract samples». Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 102 (36): 12891–6. PMC 1200281Acessível livremente. PMID 16118271. doi:10.1073/pnas.0504666102 
  3. Allander T, Andreasson K, Gupta S, et al. (2007). «Identification of a third human polyomavirus». J. Virol. 81 (8): 4130–6. PMC 1866148Acessível livremente. PMID 17287263. doi:10.1128/JVI.00028-07. Consultado em 18 de janeiro de 2008 
  4. Gaynor AM, Nissen MD, Whiley DM, et al. (2007). «Identification of a novel polyomavirus from patients with acute respiratory tract infections». PLoS Pathog. 3 (5): e64. PMC 1864993Acessível livremente. PMID 17480120. doi:10.1371/journal.ppat.0030064. Consultado em 18 de janeiro de 2008 
  5. Ricour C, Goubau P (2008). «Human bocavirus, a newly discovered parvovirus of the respiratory tract». Acta Clin Belg. 63 (5): 329–34. PMID 19186566. doi:10.1179/acb.2008.064 
  6. Allander T, Jartti T, Gupta S, et al. (Abril de 2007). «Human bocavirus and acute wheezing in children». Clin. Infect. Dis. 44 (7): 904–10. PMID 17342639. doi:10.1086/512196 
  7. 40. PMID 17904416. doi:10.1016/j.jcv.2007.08.010 
  8. Schwartz D, Green B, Carmichael LE, Parrish CR (Outubro de 2002). «The canine minute virus (minute virus of canines) is a distinct parvovirus that is most similar to bovine parvovirus». Virology. 302 (2): 219–23. PMID 12441065. doi:10.1006/viro.2002.1674 
  9. Gurda, Brittney L.; Parent, Kristin N.; Bladek, Heather; Sinkovits, Robert S.; DiMattia, Michael A.; Rence, Chelsea; Castro, Alejandro; McKenna, Robert; Olson, Norm (15 de junho de 2010). «Human Bocavirus Capsid Structure: Insights into the Structural Repertoire of the Parvoviridae». Journal of Virology (em inglês). 84 (12): 5880–5889. ISSN 0022-538X. PMID 20375175. doi:10.1128/jvi.02719-09 
  10. Gurda BL, Parent KN, Bladek H, Sinkovits RS, DiMattia MA, Rence C, Castro A, McKenna R, Olson N, Brown K, Baker TS, Agbandje-McKenna M (2010). «Human bocavirus capsid structure: insights into the structural repertoire of the parvoviridae». J. Virol. 84 (12): 5880–9. PMC 2876641Acessível livremente. PMID 20375175. doi:10.1128/JVI.02719-09 
  11. Shen, Weiran; Deng, Xuefeng; Zou, Wei; Engelhardt, John F.; Yan, Ziying; Qiu, Jianming (1 de setembro de 2016). «Analysis of cis and trans Requirements for DNA Replication at the Right-End Hairpin of the Human Bocavirus 1 Genome». Journal of Virology (em inglês). 90 (17): 7761–7777. ISSN 0022-538X. PMID 27334591. doi:10.1128/JVI.00708-16 
  12. «Taxonomy». International Committee on Taxonomy of Viruses (ICTV) (em inglês). Consultado em 9 de outubro de 2017 
  13. Zehender G, De Maddalena C, Canuti M, Zappa A, Amendola A, Lai A, Galli M, Tanzi E (2010). «Rapid molecular evolution of human bocavirus revealed by Bayesian coalescent inference». Infect. Genet. Evol. 10 (2): 215–20. PMID 19932194. doi:10.1016/j.meegid.2009.11.011 
  14. Lau SK, Woo PC, Yip CC, Li KS, Fu CT, Huang Y, Chan KH, Yuen KY (2011). «Co-existence of multiple strains of two novel porcine bocaviruses in the same pig, a previously undescribed phenomenon in members of the family Parvoviridae, and evidence for inter- and intra-host genetic diversity and recombination». J. Gen. Virol. 92 (Pt 9): 2047–59. PMID 21632566. doi:10.1099/vir.0.033688-0 
  15. Zeng S, Wang D, Fang L, Ma J, Song T, Zhang R, Chen H, Xiao S (2011). «Complete coding sequences and phylogenetic analysis of porcine bocavirus». J. Gen. Virol. 92 (Pt 4): 784–8. PMID 21228124. doi:10.1099/vir.0.028340-0 
  16. Sharp CP, LeBreton M, Kantola K, Nana A, Diffo Jle D, Djoko CF, Tamoufe U, Kiyang JA, Babila TG, Ngole EM, Pybus OG, Delwart E, Delaporte E, Peeters M, Soderlund-Venermo M, Hedman K, Wolfe ND, Simmonds P (2010). «Widespread infection with homologues of human parvoviruses B19, PARV4, and human bocavirus of chimpanzees and gorillas in the wild». J. Virol. 84 (19): 10289–96. PMC 2937811Acessível livremente. PMID 20668071. doi:10.1128/JVI.01304-10 
  17. Fry AM, Lu X, Chittaganpitch M, et al. (Abril de 2007). «Human bocavirus: a novel parvovirus epidemiologically associated with pneumonia requiring hospitalization in Thailand». J. Infect. Dis. 195 (7): 1038–45. PMID 17330795. doi:10.1086/512163 
  18. a b Ma X, Endo R, Ishiguro N, et al. (Março de 2006). «Detection of human bocavirus in Japanese children with lower respiratory tract infections». J. Clin. Microbiol. 44 (3): 1132–4. PMC 1393160Acessível livremente. PMID 16517912. doi:10.1128/JCM.44.3.1132-1134.2006 
  19. Endo R, Ishiguro N, Kikuta H, et al. (Outubro de 2007). «Seroepidemiology of human bocavirus in Hokkaido prefecture, Japan». J. Clin. Microbiol. 45 (10): 3218–23. PMC 2045318Acessível livremente. PMID 17699639. doi:10.1128/JCM.02140-06 
  20. Kupfer B, Vehreschild J, Cornely O, et al. (Outubro de 2006). «Severe pneumonia and human bocavirus in adult». Emerging Infect. Dis. 12 (10): 1614–6. PMC 3290954Acessível livremente. PMID 17176591. doi:10.3201/eid1210.060520 
  21. Lau SK, Yip CC, Que TL, et al. (Outubro de 2007). «Clinical and molecular epidemiology of human bocavirus in respiratory and fecal samples from children in Hong Kong». J. Infect. Dis. 196 (7): 986–93. PMID 17763318. doi:10.1086/521310 
  22. Vicente D, Cilla G, Montes M, Pérez-Yarza EG, Pérez-Trallero E (Abril de 2007). «Human bocavirus, a respiratory and enteric virus». Emerging Infect. Dis. 13 (4): 636–7. PMC 2725986Acessível livremente. PMID 17553287. doi:10.3201/eid1304.061501 
  23. Al-Rousan HO, Meqdam MM, Alkhateeb A, Al-Shorman A, Qaisy LM, Al-Moqbel MS (2011). «Human bocavirus in Jordan: prevalence and clinical symptoms in hospitalised paediatric patients and molecular virus characterisation» (PDF). Singapore Med J. 52 (5): 365–9. PMID 21633772 
  24. Edner N, Castillo-Rodas P, Falk L, Hedman K, Söderlund-Venermo M, Allander T (2012). «Life-threatening respiratory tract disease with human bocavirus-1 infection in a 4-year-old child». J. Clin. Microbiol. 50 (2): 531–2. PMC 3264148Acessível livremente. PMID 22135260. doi:10.1128/JCM.05706-11 
  25. Ursic T, Steyer A, Kopriva S, Kalan G, Krivec U, Petrovec M (2011). «Human bocavirus as the cause of a life-threatening infection». J. Clin. Microbiol. 49 (3): 1179–81. PMC 3067724Acessível livremente. PMID 21227992. doi:10.1128/JCM.02362-10 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

O Commons possui uma categoria com imagens e outros ficheiros sobre Bocavírus humano