Filho do homem veio para servir

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O Filho do homem veio para servir se refere a um episódio da vida de Jesus narrado em Mateus 20:20–28 e Marcos 10:35–45[1]. Nele Jesus trata do tema da expiação.

Narrativa bíblica[editar | editar código-fonte]

Mateus 20:20–28 conta que a mulher de Zebedeu se aproximou de Jesus com seus filhos (Tiago e João) e lhe pediu eles se sentassem um de cada lado no seu reino. Jesus replicou que eles não sabiam o que estavam pedindo e quis saber se ambos estavam prontos para «...beber o cálice que eu estou para beber» (Mateus 20:22), ao que ambos responderam que sim. Ainda assim, Jesus respondeu-lhes que lhe cabia definir quem estaria ao seu lado e sim ao Pai.

Ouvindo o diálogo, os discípulos se indignaram, mas Jesus os chamou e discursou:

«Sabeis que os governadores dos gentios dominam os seus vassalos, e sobre eles os grandes exercem autoridade. Não é assim entre vós. Mas quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será esse o vosso servo. É assim que o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.» (Mateus 20:24–28)

No Evangelho de Mateus e no de Marcos, Jesus explica que "...o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos."[2][3]. O "resgate" pago pelo Filho do homem" é um elemento da doutrina comum da expiação no cristianismo[4].

Em Marcos, este episódio acontece logo depois de Jesus profetizar sua morte e segue:

«Sabeis que os que são reconhecidos como governadores dos gentios, dominam sobre os seus vassalos, e sobre eles os seus grandes exercem autoridade. Porém não é assim entre vós. Mas quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será esse servo de todos.» (Marcos 10:42–44)

Interpretação[editar | editar código-fonte]

A identificação de Jesus com o Filho do homem, no contexto de Daniel 7:13–14, coloca a morte e o resgate que Ele paga num patamar mais elevado de proeminência do que outras profecias e mártires, mesmo do seu contemporâneo João Batista[5][6]. Posteriormente no Novo Testamento, em Mateus 26:63–64, quando Jesus se assume como o Filho do homem de Daniel, os sumo-sacerdotes judeus o acusam de blasfêmia[7].

Exegese bíblica[editar | editar código-fonte]

A Bíblia de Jerusalém comenta a passagem por meio de notas de rodapé e indicações de paralelismos relativas a Mateus 20:20–28 e Marcos 10:35–45, nas quais observa que:

  1. em Mateus 19:28 Jesus diz aos seus discípulos que eles "se sentarão em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel";
  2. os apóstolos querem uma manifestação imediata do Reino de Deus, mas tal manifestação somente ocorrerá na Segunda Vinda de Jesus;
  3. a compreensão da palavra cálice citada por Jesus é facilitada pela leitura de Mateus 26:39, Marcos 14:36 e João 18:11;
  4. na narrativa encontrada no Evangelho de Marcos além da referência a um cálice há, também, uma referência a um batismo;
  5. Tiago foi morto por Herodes Agripa I por volta do ano 44 (Atos 12:2);
  6. a missão de Jesus na terra não é de distribuir recompensas aos homens, mas de sofrer para salvá-los (cf. João 3:17 e João 12:47);
  7. destaca paralelismos entre: Mateus 20:24–28 e Lucas 22:24–27; Mateus 20:26, Marcos 9:35 e João 13:4–15; e Mateus 20:28, Mateus 8:20 c/c Mateus 26:28, I Timóteo 2:6 e Romanos 5:6–21;
  8. os pecados humanos fazem com que exista uma dívida do homem para com a justiça divina, que teria como consequência a morte (cf. I Coríntios 15:56, II Coríntios 3:7–9, Galátas 3:13 e Romanos 8:3–4), e Jesus pagará o resgate com o seu sangue para libertar os homens da servidão do pecado e da morte (Romanos 3:24, I Coríntios 6:20, I Coríntios 7:23 e Galátas 4:5), conforme fora predito a respeito do "Servo de Javé" (Isaías 53:11);
  9. foram encontradas algumas versões do Evangelho de Mateus que acrescentam a seguinte passagem (semelhante a Lucas 14:8–10) após Mateus 20:28:
Mas vós, de pequenos (que sois), procurai torna-vos grandes e de grandes (que sois) vos tornai pequenos. Quando chegares a um banquete ao qual te convidaram, não ocupes os lugares de honra, para que não apareça alguém mais digno do que tu, e o mestre do banquete venha dizer-te: 'Fica ali mais em baixo', e te cubras de vergonha. Mas, se ocupares um lugar inferior e chegar uma pessoa menos digna do que tu, o mestre do banquete te dirá: 'Chega-te mais para cima', e isso será vantajoso para ti

.

A Edição Pastoral da Bíblia comenta a passagem por meio de uma nota de rodapé relativa Marcos 10:32–45 [8], que diz que:

Jesus anuncia a sua morte como consequência de toda a sua vida. Enquanto isso, Tiago e João sonham com poder e honrarias, suscitando discórdia e competição entre os outros discípulos. Jesus mostra que a única coisa importante para o discípulo é seguir o exemplo dele: servir e não ser servido. Em a nova sociedade que Jesus projeta, a autoridade não é exercício de poder, mas a qualificação para serviço que se exprime na entrega de si mesmo para o bem comum.

A Bíblia do Peregrino comenta a passagem por meio de notas de rodapé relativas a Mateus 20:20–28 e Marcos 10:35–45, nas quais observa que:

  1. existe um precedente bíblico de pedido de mão junto a autoridade em favor dos filhos em: I Reis 1:15–21;
  2. Jesus havia feito a Promessa dos Doze Tronos em: Mateus 19:28;
  3. antes houve uma discussão entre dos discípulos para determinar qual deles seria o maior: Marcos 9:33–37;
  4. os irmãos deveriam ter a expectativa de que Jesus seria um Messias que teria poderes políticos, e lembraram que eles estiveram dentre os primeiros que Jesus chamou para segui-lo (Marcos 1:19–20) e que eles tiveram o privilégio de juntamente com Pedro testemunhar a Ressurreição da Filha de Jairo (Marcos 5:35–43);
  5. juntamente com Pedro, Tiago e João estiveram presentes na Transfiguração de Jesus, e foram os discípulos que Jesus chamou logo após chamar Pedro e André (Mateus 4:18–22), o que indicaria que os dois estariam entre os favoritos de Jesus, mas depois de Pedro;
  6. existem algumas passagens no Antigo Testamento nas quais a "taça" é associada ao sofrimento: Jeremias 25:15–29, Isaías 51:17–23 e Salmos 75:9; e outras que preveem o sofrimento do Messias: Salmos 42:8, Salmos 69:2–16 e Salmos 124:4;
  7. a mãe dos filhos de Zebedeu estará entre as testemunhas da Crucificação de Jesus: Mateus 27:56;
  8. Tiago viria a ser mártir: Atos 12:2[9];
  9. nem tudo que se pede pode ser concedido, questão que será também abordada em Romanos 8:26–27;
  10. a forma como os pagãos exercem o poder no mundo, de modo autoritário e tirânico, não pode servir de modelo para àqueles que seguem a Jesus, na comunidade dos seguidores de Jesus haverá autoridade, mas tal autoridade não será exercida pela ostentação de poder, mas com o espírito de serviço (cf. I Pedro 5:1–4);
  11. a comunidade dos que seguem a Jesus deve ser regida por princípios opostos àqueles que regem o mundo, pois a ambição deve ser substituída pelo espírito de serviço, o que não significa que o serviço seja um meio para obter o primeiro lugar, mas que no serviço reside a dignidade;
  12. "servir" deixa de ser uma condição de inferioridade como em: Gênesis 25:23;
  13. no relato presente no Evangelho de Marcos, Jesus também fala em batismo, que teria um conteúdo diferente do batismo feito por João Batista, há outras referências a essa outra modalidade de batismo em Romanos 6:3–4;
  14. para melhor compreensão do conceito de resgate indica os seguintes trechos: Gênesis 44:33, Levítico 25:48-49, Isaías 53:12, I Timóteo 2:6, Romanos 3:24, I Coríntios 1:30, Efésios 1:7–14 e Salmos 49:8–10[10].

A Tradução Ecumênica da Bíblia comenta a passagem por meio de notas de rodapé e indicações de paralelismos relativas a Mateus 20:20–28 e Marcos 10:35–45, nas quais observa que::

  1. no relato encontrado no Evangelho de Marcos, são os próprios Tiago e João que fazem o pedido e não a mãe deles;
  2. para melhor compreensão do que Jesus quis dizer com "beber a taça", indica a leitura de: Marcos 14:36, Mateus 26:39 e João 18:11;
  3. existem algumas passagens no Antigo Testamento nas quais a "taça" é associada ao sofrimento: Salmos 75:9, Isaías 51:17–22, Jeremias 25:15 e Ezequiel 23:31–34;
  4. no relato encontrado no Evangelho de Marcos, além da referência à "taça" existe também a referência de um batismo que designa os sofrimentos que submergem o homem entregue à provação em geral e, mais particularmente, à morte do martírio;
  5. Tiago morreu como mártir por volta do ano 44 em Jerusalém (Atos 12:2);
  6. em relação a questão do serviço existem paralelismos com: Mateus 23:11, Marcos 9:33–37, Lucas 9:46–48 e Filipenses 2:7;
  7. em relação a questão do resgate existem paralelismos com: I Timóteo 2:6, Mateus 26:28, Marcos 14:24, Êxodo 24:8, Jeremias 31:31, Zacarias 9:11, Hebreus 9:20 e Isaías 53:12.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Em Lucas 22:24–27 encontra-se mensagem semelhante, mas não precedida da pergunta encontrada em Mateus 20:20–21 e em Marcos 10:35–37, mas nessa passagem não há referência a questão do resgate, mas uma valorização do serviço às mesas, conceito que pode ser melhor compreendida pela leitura de Atos 6:1, I Coríntios 11:17–19 e Tiago 2:2–4 (Nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém a Lucas 22:24–27).
  2. Matthew 8-18 by W. D. Davies, Dale C. Allison 2004 ISBN 0567083659 page 51
  3. The emergence of Christian theology by Eric Francis Osborn 1993 ISBN 052143078X page
  4. "the Son of Man" Or Contributions to the Study of the Thoughts of Jesus by Edwin Abbott ISBN 1154966607 page 265
  5. The Gospel of Matthew by R. T. France 2007 ISBN 080282501X page 396
  6. Dying, we live: a new enquiry into the death of Christ in the New Testament by Kenneth Grayston 1990 ISBN 023251836X page 197
  7. Lectures in systematic theology by Henry Clarence Thiessen, Vernon D. Doerksen 1097 ISBN 0802835295 page 94
  8. EVANGELHO SEGUNDO SÃO MARCOS 10, acesso em 03 de maio de 2013
  9. Estima-se que o Evangelho de Mateus foi escrito após a morte de Tiago.
  10. Essa última passagem tem um contéudo diferente, esclarece que o resgate dado pela Crucificação de Jesus não poderia ser comprado com dinheiro