Meditações sobre Filosofia Primeira

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Meditações sobre Filosofia Primeira, de Descartes.

Meditações sobre Filosofia Primeira, ou Meditações Metafísicas, (originalmente em latim, Meditationes de prima philosophia, in qua Dei existentia et animæ immortalitas demonstratur)[1] é um livro escrito por René Descartes em 1641.[2] Trata-se de um aprofundamento da filosofia elaborada nas Regras para a orientação do espírito (1627?) e no Discurso sobre o método (1637).

Meditações compõe-se de primariamete de seis meditações ou partes, nas quais Descartes tenta estabelecer o que podemos conhecer com segurança.[3] Além das seis meditações há um conjunto de sete objeções e respostas.

Na primeira meditação encontram-se quatro situações que podem confundir suficientemente a percepção, a ponto de invalidarem, seguramente, uma série de enunciados sobre o conhecimento. O principal destes quatro argumentos é o do gênio[desambiguação necessária] maligno que tem a capacidade de confundir a percepção e plantar dúvidas sobre tudo o que podemos conhecer acerca do mundo e suas propriedades. Porém, mesmo podendo falsear a percepção, não pode falsear a crença nas percepções - ou seja, ele pode contra-argumentar contra a percepção mas não contra a crença que incide sobre as percepções. Descartes também conclui que o poder de pensar e existir não podem ser corrompidos pelo gênio maligno.

Na Segunda Meditação encontra-se o argumento de Descartes acerca da certeza da própria existência, certeza que prevalece sobre qualquer dúvida:

Convenci-me de que não existe nada no mundo, nem céu, nem terra, nem mente, nem corpo. Isto implica que também eu não exista? Não: se existe algo de que eu esteja realmente convencido é de minha própria existência. Mas existe um enganador de poder e astúcia supremos, que está deliberada e constantemente me confundindo. Neste caso, e mesmo que o enganador me confunda, sem dúvida eu também devo existir… a proposição "eu sou", "eu existo", deve ser necessariamente verdadeira para que eu possa expressá-la, ou para que algo confunda minha mente.

Em outras palavras, a consciência implica a existência, logo nesse instante ocorre a descoberta do Cogito (ser pensante) – em uma das réplicas às objeções que faz no livro, Descartes resumiu a passagem acima em sua hoje famosa sentença: penso, logo, existo (em latim: cogito, ergo sum) –, essa é a primeira certeza, segundo Descartes,clara e distinta que o permitirá seguir adiante, todavia mesmo encontrando essa certeza, aparece o problema do solipsismo, o qual se emerge no instante em que a única certeza real que Descartes possui é o ser pensante, logo ele se encontra só e toda realidade exterior, em um primeiro instante, poder-se-ia considerar ilusória – mas no entanto não é pois Descartes prova a veracidade do mundo exterior a partir do argumento ontológico de Deus.

Resposta ao Solipsismo: Deus é a base de todo o conhecimento[editar | editar código-fonte]

A descoberta do cogito, como base para todo o conhecimento, por ser a certeza mais segura e clara alcançada ao renegar as opiniões, faz com que Descartes encontre uma série de problemas como:

  1. Se foi necessário por todas as coisas exteriores em dúvida – ou seja a própria realidade, o mundo – e a única coisa a qual se pode ter certeza é a res cogitan, ou seja, o meu pensamento que pôs todas as coisas em dúvida e alcançou o cogito, como pode-se explicar as res extensa, ou seja, as coisas exteriores?
  2. Se as coisas exteriores não podem ser explicáveis, o mundo, o qual vivemos, se torna incerto e o indivíduo se encontra sozinho em seu pensamento e toda realidade é fruto de uma “projeção” do ser pensante (res cogitans) e, por isso, ele se encontra só, já que tudo é uma projeção sua, e nada é real suficiente, somente seu pensamento é uma realidade firme e segura – como um terreno firme de onde parte as certezas.
  3. O próximo problema é decorrente dos dois primeiros: se o sujeito se encontra só em seus pensamentos, e se a realidade é fruto de uma projeção do mesmo, como um projetor de cinema que transmite uma suposta realidade, uma imagem, e se esse mesmo pensamento, que projeta, que “cria” a realidade como uma imagem, um quadro, pode falhar em seus raciocínios, se atrapalhar em suas ideias , errar em operações matemáticas ( que parecem ser tão certas) e até criar sonhos e ilusões como quimeras, como não pode, esse mesmo pensamento, iludir e ludibriar o ser pensante? Como pode tudo que eu penso,não ser fruto de um mero devaneio, fruto de uma enganação?

Descartes se vê obrigado, partindo do sujeito pensante,recorrer a uma origem de algo exterior a ele: A Deus. Todavia, aqui, Deus, para Descartes, não funciona somente como um “ente mágico” ou “cheio de poderes” sobre o mundo mas como um conceito apriorístico para a existência, ou seja, Deus é, na mesma medida, o Ser – pois ele deve existir para haver existência; é um conceito que abarca em si propriedades de existência absoluta e infinita – pois Descartes entende que somente um ser absoluto, isto é, que sempre é e nunca muda, e infinito, ou seja, sem limites, finito, não tem término de existência, pode ser um ser perfeito, logo o Ser – pois não contém em si o traço da imperfeição que é a limitação – contrário as todos imperfeições da existência humana. Descartes,em outras palavras, diz que há um Ser perfeito e anterior ao ser pensante. Ele é anterior pois na medida que é a priori, ou seja, alcançado pela meditação, pela experiência do pensamento, e não por uma abstração, como uma experiência exterior com as coisas sensíveis, isto é, Deus como ser tem sua existência de forma anterior a experiência física e, inclusive, ao próprio ser pensante. Assim como as operações matemáticas (como a soma e a adição) são anterior ao próprio ato da operação matemática , ou seja, é uma existência que precede qualquer ato, pois é uma realidade que sustenta toda a realidade mundana e por isso Deus é a realidade a priori do pensamento. Só Deus pode ser a origem dos nossos pensamentos ao passo que temos a ideia de perfeição, pois sabemos quando erramos ao deduzir alguma conclusão errada, ou seja, quando temos consciência do erro – como por exemplo, identificar que um quadrado não é um triângulo – é porque há em nós a ideia de perfeição; a ideia de perfeição antecede a de imperfeição. E a origem da ideia de perfeição só pode resistir em Deus que é em sua natureza perfeito. Logo a resposta ao solipsismo do ser pensante está na anterioridade da ideia de Deus e na sua origem exterior ao ser pensante. A ideia de Deus é necessária para sustentar a própria existência do ser pensante como na passagem:

“E assim reconheço muito claramente que a certeza e a verdade de toda ciência depende do só conhecimento do verdadeiro Deus; de sorte que ,antes de o conhecer,eu não podia saber perfeitamente nenhuma outra coisa. E agora que o conheço ,tenho o meio de adquirir uma ciência perfeita no tocante a uma infinidade de coisas ,não só daquelas que estão nele, mas também, daquelas que pertencem à natureza corporal” [4]

Descartes então enfatiza que todo conhecer, logo toda ciência, toda construção de conhecimento (epistemologia),só é verdadeiro quando, no ato desse reconhecimento do cogito, nessa experiência de solipsismo, nesse caminho percorrido das meditações,que reconhecemos que o nosso ser, o nosso pensamento, sozinho, é muito incerto, muito imperfeito, pois ele erra e, com isso, para nos dar as certezas sobre o mundo real, é necessário recorrer a algo perfeito e verdadeiro, logo a Deus. Mas Descartes enfatiza: não é qualquer Deus que sustenta o pensamento e que a ele recorre, como um Deus bíblico castigador, mas o verdadeiro Deus que é o Deus absoluto e infinito, logo perfeito, o Deus que nos permite enxergar os nossos erros e enganos. E por isso que é a partir de Deus que Descartes reconhece que é possível conhecer as coisas, não só do pensamento – logo que estão ligadas de forma mais íntima a Deus,pois é pela via da meditação, ou seja, pelo espírito e com isso de forma a priori – mas como as coisas exteriores, ou seja , como ele coloca “a natureza corporal” pois é a ideia de Deus ,contida no espírito, que permite reconhecer que o mundo exterior não é fruto de uma ilusão do pensamento.

O restante do livro, que não difere muito do precedente Discurso do Método, sendo porém mais acessível, dá continuidade as certezas alcançadas por Descartes e analisa a suposta prova do dualismo entre mente e corpo.

Esboço das seis meditações[editar | editar código-fonte]

Primeira Meditação[editar | editar código-fonte]

Adota a dúvida como método. Apresenta o critério para a dúvida: tomar por falso todo o duvidoso; apresenta as razões para a dúvida:

  • Engano dos sentidos;
  • Composição pela imaginação;
  • Sonho;
  • Loucura;
  • Deus enganador;
  • Gênio maligno.

Segunda Meditação[editar | editar código-fonte]

Encontra algo que resista a dúvida: a frase "Sou" (conhecida como cogito) é verdadeira sempre que dita ou pensada.

Terceira Meditação[editar | editar código-fonte]

Na terceira meditação, Descartes está disposto a provar que Deus existe. Estando em uma situação em que ele sabe que algumas de suas ideias não são verdadeiras (hipótese do gênio maligno), ele acha a prova ontológica (mais inteligente). Existem três passos argumentativos para provar que a ideia de Deus é verdadeira: 1 – o encontrar a ideia de perfeição 2 – analisar a ideia de perfeição. Potencializar ao limite as ideias positivas no seu grau máximo. 3 – análise da ideia de casualidade (causa e efeito). Tem que haver mais realidade na causa do que no efeito. A hipótese do gênio perde então a sua razão.

Sendo a hipótese do gênio uma ilusão é preciso achar qual é a causa da potencialidade máxima de todas as propriedades positivas existentes: a existência da perfeição. “ da ideia de perfeição, presente em meu espírito, infiro a existência da perfeição como única causa possível desta ideia.”

Quarta Meditação[editar | editar código-fonte]

Teodicéia epistemológica onde se mostra que o homem, e não Deus, é o responsável pelos erros.

Quinta Meditação[editar | editar código-fonte]

São retirados os motivos para duvidar da matemática e da geometria.

Sexta Meditação[editar | editar código-fonte]

São retirados os motivos para duvidar das sensações. É provada a existência dos corpos.

Esboço das objeções e respostas[editar | editar código-fonte]

Primeiras Objeções[editar | editar código-fonte]

Compostas por Caterus, um teólogo escolástico.

Segundas Objeções[editar | editar código-fonte]

Compostas provavelmente por Marin Mersenne.

Terceiras Objeções[editar | editar código-fonte]

Compostas por Thomas Hobbes.

Quartas Objeções[editar | editar código-fonte]

Compostas pelo então jovem teólogo Antoine Arnauld.

Quintas Objeções[editar | editar código-fonte]

Compostas por Pierre Gassendi.

Sextas Objeções[editar | editar código-fonte]

Sétimas Objeções[editar | editar código-fonte]

Compostas pelo padre Pierre Bourdin.

Principais edições em português[editar | editar código-fonte]

  • René Descartes. Meditações sobre Filosofia Primeira. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004, tradução de Fausto Castilho. Edição bilíngüe em latim e português.
A melhor edição em português. Além da tradução, inclui facsímile da edição de Charles Adam e Paul Tannery (AT), o texto padrão para a versão latina das Meditações. As diferenças entre o texto latino e o texto francês de 1647 aparecem em negrito na tradução.
  • René Descartes. Meditações. Em Victor Civita, editor, Os Pensadores: Descartes. São Paulo: Abril Cultural, 1983, terceira edição, tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior.
Trata-se de uma ótima tradução da tradução para o francês das Meditações (1647). Inclui as "Segundas Objeções", as "Respostas do Autor às Segundas Objeções" e as "Respostas do Autor às Quintas Objeções". Apesar da ótima tradução, a edição está defasada por não incluir a paginação padrão utilizada pelos estudiosos de acordo com a edição AT.
  • René Descartes. Meditações Metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2000, tradução de Maria Ermantina Galvão.
Uma boa tradução do texto francês de 1647. Traz a paginação da edição AT.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Adrien Baillet: La Vie de Mr. Descartes Paris 1692 p. 176. Cf. Theodor Ebert, Immortalitas oder Immaterialitas? Zum Untertitel von Descartes' Meditationen em: Archiv für Geschichte der Philosophie 74 (1992) 180-202,
  2. J., Cottingham, ed. (Abril de 1996) [1986]. Meditations on First Philosophy: With Selections from the Objections and Replies revised ed. [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 978-0-521-55818-1  —O original Meditations, traduzido, na sua totalidade.
  3. Skirry, J. (13 de setembro de 2008). «Descartes, René: Overview [The Internet Encyclopedia of Philosophy]». www.iep.utm.edu. Consultado em 17 de junho de 2010 
  4. “Meditações metafísicas” , Quinta meditação, p 107. Martins Fontes.2011. São Paulo.