Rodrigo da Câmara

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Rodrigo da Câmara
Nascimento 1594
Lisboa
Morte 30 de abril de 1662 (67–68 anos)
Sagres
Cidadania Reino de Portugal
Progenitores
Filho(a)(s) Manuel Luís Baltazar da Câmara, 1.º Conde da Ribeira Grande
Ocupação aristocrata
Título Conde de Vila Franca

Rodrigo da Câmara (Lisboa, 1594Sagres, 30 de abril de 1672), 3.º conde de Vila Franca, membro da família Gonçalves da Câmara. Era filho primogénito de D. Manuel da Câmara, tendo-lhe sucedido como 9.º capitão do donatário da ilha de São Miguel (sendo o sétimo da família a exercer o cargo).[1][2]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Destinado à carreira das armas, partira em 1612 para Ceuta, onde permaneceu cerca de dois anos. Regressado a Portugal, casou com D. Maria de Faro, filha do Conde de Vimioso e neta de D. Francisco de Faro, sobrinho de Filipe II de Espanha. Tinha 25 anos à data da morte de seu pai, altura em que lhe sucedeu no cargo de capitão do donatário da ilha de São Miguel.

Passou a frequentar a corte de Madrid, acompanhando os reis em diversas deslocações em Espanha, e fazendo uma vida de grande luxo. Tinha veador, secretário, camareiros, copeiros, escudeiros, pajens, lacaios e escudeiros.

Por ordem real, em 1624 estabeleceu-se com toda esta corte em Ponta Delgada, mas falecendo-lhe a esposa regressou à corte em 1626. Voltou a casar a 1 de Junho de 1628 com D. Maria Coutinho, filha do Conde da Vidigueira e dama da rainha, tendo como padrinhos os reis de Espanha, assistindo toda a corte.[2]

O rei concede-lhe então o título de Conde de Vila Franca para ele e seus descendentes, já que até então a sua atribuição era apenas feita por uma vida.

Fixando-se em Lisboa, em 1629 nasce-lhe uma filha e em 1630 o filho primogénito D. Manuel Luís. Nesse ano vai para Ponta Delgada, deixando a família em Lisboa. Coordenou o socorro e a reconstrução na sequência da grande erupção das Furnas de Setembro de 1630.[2]

Por esta altura começam a surgir rumores que apontam o conde como bissexual, já que, para além de ser surpreendido na cela de uma freira do convento da Esperança, era sabido que mantinha relacionamento homossexual com os seus pajens e escudeiros.[3]

Havendo denúncia para a corte de Madrid, partiu para aquela cidade, onde a grande custo se livrou. Devido ao escândalo, apenas regressou a São Miguel em 1639 e mesmo assim por imposição real.

Regressado a São Miguel, regressam os escândalos, com rumores de sodomia e relacionamento com freiras. Estava o conde em São Miguel quando se dá a Restauração, recebendo notícia da aclamação de D. João IV em meados de janeiro de 1641.

Assumindo uma posição dúbia, só acede a aclamar o novo rei quando ele já estava seguro no trono e já só o Castelo do Monte Brasil resistia. Então, perante uma carta régia de 6 de Abril de 1641, a ele pessoalmente dirigida, que lhe ordenava a aclamação, acede.

Assegurado que seria bem recebido na corte, parte para Lisboa em Agosto de 1642. Passou a fazer vida na corte, foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (1644).

Em 1646 comandou uma companhia no Alentejo durante a Guerra da Restauração.

Ao longo deste tempo manteve a sua homossexualidade, criando um rasto de escândalos que só a sua alta jerarquia lhe permitia abafar. Em 1648 regressou a Ponta Delgada, instalando-se no paço com o seu habitual estadão. Entre o pessoal estavam vários pajens, com idades compreendidas entre os 10 e os 24 anos, que dormiam alternadamente num quarto adjacente ao do seu senhor, supostamente velando pelo seu sono.

Tendo adoecido, aparentemente com uma hemiplegia, regressa a Lisboa em 1650. No ano seguinte, a 4 de maio de 1651, acontece o inevitável: Lucas Leite Pereira, que tinha sido seu pajem, apresenta nova queixa à Inquisição, a qual, perante o escândalo público, se vê obrigada a iniciar um processo contra o poderoso conde.

Recebida a queixa de sodomia no dia 5 de maio de 1651, no dia 9 seguinte reuniu o Conselho Geral do Santo Ofício para deliberar sobre a matéria, já que o acusado estava entre os aristocratas mais poderosos. Face à gravidade da acusação, o Conselho resolveu mandar prender o acusado, não sem antes dar disso parte a el-rei. O rei, informado da matéria pelo próprio Inquisidor Geral, e certamente conhecedor dos rumores que há muito circulavam, encarregou o conde de Cantanhede, primo do acusado, de o avisar e de o aconselhar e ajudar a abandonar quanto antes o Reino.

O conde mandou preparar um navio, mas, aparentemente iludido sobre a gravidade da situação, não se embarcou de imediato por estar doente, antes enviando um pedido ao Santo Ofício para confessar na sua residência. Tal seria possível se aquela fosse a primeira acusação. Contudo, talvez sem o conhecimento do conde, já existiam acusações semelhantes desde antes de 1620, pelo que o pedido foi recusado.[4]

Perante a recusa de receber a confissão, o embarque do conde foi aprazado para a noite de 26 de maio, tendo como destino a França. Contudo, depois de toda a demora, a 25 de maio foi preso em sua casa e conduzido aos cárceres do Santo Ofício. O rei ainda tentou interferir, pedindo a sua transferência para uma das torres reais, mas a Inquisição recusou, alegando que tal violava os seus breves e leis.

À acusação feita a 5 de Maio juntaram-se mais cinco, que haviam permanecido secretas nos arquivos do Santo Ofício. O processo foi sendo meticulosamente organizado, e as testemunhas foram sendo ouvidas, confirmando as práticas homossexuais do conde. Entre os inquiridos estão vários pajens, que admitem ter mantido relacionamento sexual com o conde, descrevendo minuciosamente as práticas, e o próprio filho que admite uma relação incestuosa. O conde confessou, confirmando todos os casos e incluindo muitos outros. Pelos autos, com cópia conservada na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, vê-se que o conde tinha mantido relacionamento sexual com freiras de vários conventos de Ponta Delgada, Vila Franca do Campo e Ribeira Grande, para além de um grande número de jovens, incluindo o filho e uma filha.

Face às provas e à confissão, o conde é condenado por sodomia, sendo a sentença lida a 20 de dezembro de 1652. A pena foi o cárcere perpétuo e a perda para a coroa dos bens, incluindo a capitania das ilhas.

A esposa e os seus influentes parentes tentaram a comutação da pena, tendo apenas conseguido que o encarceramento fosse num convento e não nos cárceres do Santo Ofício. Foi escolhido o convento do Cabo de São Vicente, dos frades capuchos, para onde o conde foi transferido em 1658. Embora com a saúde arruinada, ali conseguiu sobreviver miseravelmente 14 anos, morrendo a 30 de abril de 1672.[5]

O processo da Inquisição é muito explícito quanto às práticas sexuais do acusado, documentando assim a forma como a homossexualidade e a bissexualidade eram praticadas e vistas no século XVII.

Referências[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Castilho, Júlio de; Silva, Augusto Vieira da (1937). Lisboa antiga: Segunda parte: Bairros orientais Vol. 8. Lisboa: S. Industriais da C.M.L. 

Precedido por
Manuel Luís Baltazar da Câmara I
Capitão do donatário da Ilha de São Miguel
(9.º)

1619 - 1662
Sucedido por
Manuel Luís Baltazar da Câmara II
Precedido por
Manuel Luís Baltazar da Câmara I
Conde de Vila Franca
(3.º)

1619 - 1662
Sucedido por
Manuel Luís Baltazar da Câmara II