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A história oral é o trabalho de pesquisa que faz uso de fontes orais, coletadas por meio de entrevista oral gravada, em diferentes modalidades. Ela passa a ser utilizada a partir dos anos 1950, com a invenção e difusão do gravador a fita na Europa, América do Norte e América Central por historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos, pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros profissionais que adquirem relatos orais como fontes para a compreensão do passado, ao lado de outros documentos, como fotografias e documentos escritos.

O uso da história oral pode ser compreendido como uma metodologia, uma técnica, e uma disciplina.

Porém, independente de como é utilizada, é essencial que se faça uma pesquisa e o levantamento de dados, a elaboração de roteiros e entrevistas antes de se fazer o trabalho de campo.

O decorrer de uma entrevista com o uso de um gravador.

Os três diferentes entendimentos da história oral[editar | editar código-fonte]

Existem diferentes posturas a respeito da história oral. Apesar de ser numerosa a quantidade de pesquisadores que a considerem uma metodologia, ela também é entendida como uma técnica e uma disciplina. A discussão de um status que a defina é uma questão muito comum no campo de estudo que desvenda as possibilidades de utilização.[1]

História oral como metodologia[editar | editar código-fonte]

Os pesquisadores que interpretam a história oral como metodologia entendem que ela é uma ponte entre a teoria e a prática, que estabelece e ordena procedimentos de trabalho, como os tipos de entrevista e suas implicações para a pesquisa, as possibilidades de transcrição das fitas gravadas, as maneiras de lidar com os entrevistados.[2]

Com isso, cria-se uma nova definição de se fazer história, através do contato direto da fonte histórica, é possível por meios metodológicos definidos como depoimento oral (que busca através do depoimento do entrevistado, elucidar a problemática de interesse), história da vida (que consiste em ouvir a própria história do entrevistado, para que se possa absorver em algum dado momento, as informações necessárias para desenvolver seu estudo) e, relato de vida (que nada mais é que desenvolver o mesmo processo do método da história oral, porém, tendo um objeto específico a ser considerado durante seu relato).[3]

História oral como técnica[editar | editar código-fonte]

Os que a entendem como técnica geralmente preocupam-se com as experiências com gravações, transcrições de entrevistas, tipos de aparelhagem de som e formas de transcrição de fitas, modelos de organização de acervos, etc[4]. A história oral dentro desse contexto é um conjunto de procedimentos técnicos para a utilização do gravador em pesquisa e para conservação de fitas de gravação, sendo um produto do cruzamento da tecnologia do século XX com a curiosidade humana.[5]

História oral como disciplina[editar | editar código-fonte]

Os que a consideram uma disciplina acreditam que ela iniciou técnicas de pesquisa, procedimentos metodológicos singulares e um conjunto próprio de conceitos[6]. Esses pesquisadores não dissociam a história oral como teoria[7]. Na verdade, reconhecem que ela é uma área de estudos com objetivo próprio e capacidade de gerar soluções teóricas para questões surgidas na prática[8].

A problemática da fonte oral[editar | editar código-fonte]

A oralidade é algo comum em todas as Eras e sociedades do mundo.

A história oral se mostra inovadora ao dar atenção especial a pessoas que são consideradas excluídas da história, como por exemplo, o proletariado, as mulheres, os idosos[9] e os os negros à história do cotidiano e vida privada, à história local e enraizada, além de possuir abordagens que priorizam uma história próxima e comum a qualquer pessoa, que foca as diferentes maneiras de ver e sentir, numa perspectiva da micro-história[10]. Entretanto, a credibilidade das fontes orais é regularmente questionada.[11]

Através da oralidade é possível a transmissão de conhecimentos da memória humana[12]. Antes do surgimento da escrita, era comum que as pessoas passassem umas as outras seus conhecimentos oralmente, porque a memória auditiva e visual eram seus recursos era o armazenamento e transmissão da sabedoria.[13]

Apesar de seu uso crescente, a sua credibilidade enquanto fonte é questionada por parte de alguns acadêmicos porque o entrevistado pode ter uma falha de memória, pode criar uma trajetória artificial, se auto-celebrar, fantasiar, omitir ou mesmo mentir.[14] Mesmo diante dessa "não confiabilidade da memória",[15] conseguiu-se estabelecer uma metodologia bem estruturada para a produção de dados a partir dos relatos orais.[16]

O que poderia ser percebido como um problema acaba se transformando em um recurso, uma vez que o próprio entrevistador, no ato de produção da narrativa histórica, não deixa de produzir uma versão do que entendeu ter acontecido[17]. Mesmo quando o pesquisador tem a certeza de que o entrevistado está mentindo conscientemente[18], cabe a ele, entrevistador, tentar entender as razões da "mentira", ou seja, quais os motivos que estão levando a pessoa a mentir, podendo ser aplicado o mesmo no caso da ilusão biográfica, quando o indivíduo faz uma produção artificial de si mesmo. No caso de esquecimento[19], para ajudar suprir essa falha, podem-se usar instrumentos que servem de apoia a memória, como fotografias, objetos e outras coisas que possam ajudar o entrevistado a se recordar melhor dos fatos em pesquisa[20].

Outra forte crítica à fidedignidade das fontes orais é a que elas são carregadas de subjetividade[21]. Essa subjetividade muitas vezes é percebida, mas é ela que muitas vezes faz a diferença, pois as fontes orais contam-nos não apenas o que um povo ou um indivíduo fez, mas também os seus anseios, o que acreditavam estar fazendo ou fizeram[22].

Poucos pesquisadores acreditam que documentos escritos são "mais confiáveis" do que as fontes orais. Note-se que, corriqueiramente, esses documentos não passam de transmissões de relatos orais, sendo produzidos por homens, susceptíveis das mesmas "falhas". Edward Hallett Carr crítica esse "fetichismo" dos documentos, ao referir que

nenhum documento pode nos dizer mais do que aquilo que o autor pensava – o que ele pensava que havia acontecido, queria que os outros pensassem que ele pensava, ou mesmo apenas o que ele próprio pensava pensar. Nada disso significa alguma coisa, até que o historiador trabalhe sobre esse material e decifre-o.[23]

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Mas, como qualquer outro documento, as fontes orais merecem um minucioso trabalho de crítica e interpretação, cabendo ao pesquisador usar a história oral de maneira correta e buscar os fatos que forem relevantes ao seu trabalho, porque a partir dos depoimentos orais é possível ter infinitas representatividades.[24] Segundo Gwyn Prins, na história oral pode-se fazer duas divisões ao se tratar de relatos: a primeira é uma tradição oral que representa um testemunho oral transmitido de geração em geração, e outra, que é considerada uma reminiscência pessoal, uma evidência oral específica das experiências de vida do entrevistado.[25].

A produção da memória[editar | editar código-fonte]

O gravador a fita foi um grande expoente para o desenvolvimento da história oral.

Voltada para o passado, a história oral se engaja na produção de memória a partir dos vestígios que podem ser encontrados no presente[26]. A invenção do gravador a fita nos Estados Unidos, na Europa e no México nos anos 50 foi expressiva à história oral. A partir desta criação foi possível a gravação das narrações, possibilitando o armazenamento da memória oral[27]. Antes de gravar os testemunhos, o pesquisador deve selecionar os entrevistados, o local das entrevistas e elaborar o roteiro das entrevistas[28]. A transcrição das entrevistas é responsável por transformar os objetos auditivos em visuais[29]. Ela deve ser feita o quanto antes, e de preferência pelo próprio entrevistador[30]. Posteriormente, ela passa a constituir um acervo de entrevistas, sendo preservada junto com as gravações[31], podendo também ser publicada, de acordo com os objetivos do projeto[32]. A memória não se acomoda em ser um depositário passivo de fatos, pois também é um processo ativo de criação de significações[33]. Portanto, o trabalho histórico que se pode fazer com as fontes orais é infindável[34].

História oral no Brasil[editar | editar código-fonte]

A história oral foi introduzida no Brasil com a criação do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, na década de 1970, crescendo e adquirindo adeptos ao longo dos anos.[27] Em 29 de abril de 1994, foi criada durante o II Encontro Nacional de História Oral, a Associação Brasileira de História Oral, que reúne membros de todas as regiões do país em encontros regionais e nacionais, e edita uma revista e um boletim[35], estimulando a discussão entre os pesquisadores e praticantes da metodologia em todo o Brasil.[36]

Outras instituições trabalham atualmente com a história oral; dentre elas se destaca o Núcleo de Estudos em História Oral – NEHO da Universidade de São Paulo - USP, que possui uma revista dedicada à divulgação de trabalhos relacionados com pesquisa em história oral. Além de sofisticado tratamento dado às entrevistas no processo de materialização, o NEHO se utiliza da transcriação para etapa precedente à da conferência e autorização por parte do narrador/colaborador. Atualmente, coordenam o NEHO/USP os professores José Carlos Sebe Bom Meihy (seu fundador) e Leandro Seawright[37]. Recentemente, Meihy e Seawright publicaram a obra "Memórias e Narrativas: História Oral Aplicada[38]" (Editora Contexto, 2020), que é uma retomada teórico-metodológica que reconsidera a história oral no campo da memória de expressão oral[39].

O trabalho da história oral no país consiste na gravação de entrevistas e na edição de depoimentos, tendo ou não aprofundamento teórico-metodológico.[40] Também é comum o uso de entrevistas, associadas a fontes escritas, como aquisição de informações para a elaboração de teses e trabalhos de pesquisa, sem qualquer discussão sobre a natureza das fontes e seus problemas.[41]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da história oral. FGV Editora, 1996. pp. xi
  2. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína, op. cit., p. xvi.
  3. LANG, Alice B. S. G. Desafios da Pesquisa em Ciências Sociais. História oral: procedimentos e possibilidades. São Paulo, 2011.
  4. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína, op. cit., p. xii.
  5. ROGER, William. Notes on history. International Journal of Oral History, 7(1):23-8, Feb. 1986.
  6. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína, op. cit., p. xiii.
  7. MIKKA, Ian. What on Earth is oral history? In: ELLIOT, James K. (ed.). New Trails in history. Sydney, Australian Press, 1988. pp. 124-136.
  8. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína, op. cit. p. xvi.
  9. THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1992. p. 44.
  10. FRANÇOIS, Etiene. A fecundidade da história oral. Les Cahiers de l'IHTP. Paris (4):33-43, junho 1987,
  11. CRUIKSHANK, Julie. Oral tradition and oral history: reviewing some issues. Canadian Historical Review, setembro de 1994, p. 407.
  12. HAVELOCK, Eric. A equação oralidade-cultura escrita: Uma formula para a mente moderna. In: OLSON, David R; TORRANCE, Nancy. Cultura escrita e oralidade. Editora Ática, 1995, p. 17.
  13. MACHADO, Vanda. Tradição oral e vida africana e afro-brasileira. In: SOUZA, Florentina; LIMA, Maria Nazaré.Literatura Afro-brasileira. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais, p. 80.
  14. GRELE, Ronald J. Pode-se confiar em alguém com mais de 30 anos? Uma crítica construtiva à história oral. In: Usos & abusos da história oral. FGV Editora, 1996, p. 268.
  15. VOLDMAN, Danièle. Definições e usos. In: Usos & abusos da história oral. FGV Editora, 1996, p. 40.
  16. VOLDMAN, Danièle. op. cit., p. 37.
  17. VOLDMAN, Danièle. op. cit', p. 38.
  18. FRANÇOIS, Etienne. op. cit, p. 9.
  19. BÉDARIDA. François. Tempo presente e presença da história. In: Usos & abusos da história oral. FGV Editora, 1996, p.222.
  20. SOARES, Fernando Custódio; SUZUKI, Julio Cesar. Fotografia e História Oral: imagem e memória na pesquisa com comunidades tradicionais. V Encontro de Grupos de Pesquisa, São Paulo 25, p. 2.
  21. LOZANO. Aceves; EDUARDO, Jorge. Prática e estilos de pesquisa na história oral contemporânea. Historia e Fonte Oral. Barcelona, Universidade de Barcelona. 1994, p. 144
  22. LOZANO. Aceves; EDUARDO, Jorge, op. cit, p. 145.
  23. CARR. Edward H. Que é história? Paz e Terra: 1982. pp. 18
  24. FRANÇOIS. Etienne. op. cit, p. 9.
  25. PRINS. Gwyn. História e Fonte Oral. No. 9, História e Etnologia. 1993, pp. 21-43.
  26. GUARINELLO, N.L. Breve arqueologia da história oral. In: História Oral, 1. 1998, p. 62.
  27. a b http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral
  28. ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Editora FGV. 2007, pp. 85-100.
  29. PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente? Proj. História, São Paulo. 1997, p. 27.
  30. TOURTIER-BONAZZI, Chantal. Arquivos: propostas metodológicas. Paris, 1990. p. 187.
  31. ALBERTI, Verena. op. cit., p. 67.
  32. TOURTIER-BONAZZI, Chantal. op. cit., p. 189.
  33. PORTELLI, Alessandro. op. cit. pp. 33
  34. ibid., p. 37.
  35. http://www.historiaoral.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=24
  36. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. op. cit., p. ix.
  37. «Leandro Seawright». Leandro Seawright. Consultado em 23 de abril de 2021 
  38. MEIHY, José Carlos Sebe Bom; SEAWRIGHT, Leandro (2020). [www.leandroseawright.com.br Memórias e Narrativas: História Oral Aplicada. São Paulo: Contexto, 2020.] Verifique valor |url= (ajuda). São Paulo: Contexto. 197 páginas 
  39. https://www.leandroseawright.com.br/sobre-mim  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  40. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. op. cit., p. xi.
  41. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína, op. cit., p. xi.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da história oral. FGV Editora, 1996.
  • MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. Editora Contexto, 2007.
  • MEIHY, José Carlos Sebe Bom; SEAWRIGHT, Leandro. Memórias e Narrativas: História Oral Aplicada. São Paulo: Contexto, 2020.
  • ALBERTI, Verena. Manual de história oral. FGV Editora, 2005.
  • MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Editora Contexto, 1992.
  • MEIHY, José Carlos Sebe Bom. (Re) introduzindo a história oral no Brasil. USP, 1996.
  • ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. FGV Editora, 2004.
  • DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • PORTELLI, Alessandro, FENELÓN, Déa Ribeiro. O que faz a história oral diferente. Projeto História. Revista do Programa de Estudos de Pós-Graduação em História ISSN 2176-2767 14 (1997).
  • THOMPSON, Paul. 1992. A Voz do Passado: história oral. Rio de Janeiro. Paz e Terra.
  • PATAI, Daphne. História oral, feminismo e política. São Paulo: Letra e Voz, 2010.
  • PERELMUTTER, Daisy; ANTONACCI, Maria Antonieta (orgs). Ética e História Oral. Projeto História, São Paulo (15), 1997.
  • PORTELLI, Alessandro. Ensaios de História oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010.
  • THIESEN, Icléia; BARROS, Luitgarde; SANTANA, Marco Aurélio (orgs.). Vozes do Porto: memória e história oral. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
  • THIESEN, Icléia (org.). Imagens da clausura na Ditadura de 1964: informação, memória e história. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]