Usuário:Yleite/Problema da espécie

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É considerado o problema da espécie, o conjunto de dúvidas e discussões que envolvem a existência de um verdadeiro conceito do termo espécie, tendo em vista também, se as próprias são unidades reais ou apenas propostas por uma necessidade de classificação.

A vasta e variada quantidade de definições para o termo espécie, propostas ao longo da história do estudo e observação de seres vivos, criou uma dificuldade para entender qual o verdadeiro sentido e significado (se é que há um) da unidade biológica básica. Desde as propostas aristotélicas para uma conceituação de espécie, o número de conceitos tem seu aumento, principalmente depois da década de 1970, o que favorece pontos de vista diferentes e normalmente relacionados às áreas de estudo dos que propuseram. [1] Esse leque de visões sobre "O que é espécie?" e outras perguntas referentes ao termo, prejudicam a universalização da aplicação do termo espécie.

Multiplicidade das visões de espécie[editar | editar código-fonte]

A confusão começa com a utilização da espécie como um nível taxonômico, unida aos vários conceitos criados, que por sua vez, se utilizam de propriedades biológicas diferentes. Esta maneira de múltipla visão da espécie contribui para uma forte discussão filosófica, que inclui até o questionamento da realidade da espécie.

Ernst Mayr, zoólogo alemão que popularizou o conceito biológico de espécie

Hoje, talvez, a maioria das pessoas acreditam que espécie seja, um certo conjunto de indivíduos que ao cruzarem entre si geram descendentes férteis. Esse modo de pensar sobre espécie, que não é o primeiro descrito, foi proposto pelo zoólogo Ernst Mayr (1942) [2], sendo considerado como o conceito biológico de espécie. Muito antes, na Grécia antiga, Aristóteles já tinha proposto uma forma de visualização das espécies, a partir de suas essências intrínsecas. Carlos Lineu, botânico, zoólogo e médico sueco, criador da classificação binomial e também chamado de "pai da taxonomia moderna", utilizava um critério tipológico (morfológico) para suas classificações e descrições de espécies [3], que levava em conta apenas as características morfológicas dos seres vivos. No final do século XX, uma série de conceitos foi criada, devido ao aumento no estudo das biologias dos seres e até do desenvolvimento das tecnologias aplicadas ao meio científico. Com todo esse crescimento, podem ser levantados um número de cerca de 26 conceitos de espécie descritos [4].

Histórico[editar | editar código-fonte]

O problema pré-Darwin[editar | editar código-fonte]

O problema da espécie no período antes de Charles Darwin, se constituía de maneira diferente da encarada hoje. Mesmo após a criação da classificação binomial por Lineu, a espécie continuava sendo o centro das atenções no mundo da classificação dos seres vivos, aguçando cada vez mais a procura dos pensadores pela elucidação de como elas aparentavam de maneiras diferentes (especiação). Nessa procura por saber como as espécies se diferenciavam, se caracterizava o problema da espécie na época.[5] Com a proposta da seleção natural, como mecanismo de ação da natureza para a evolução dos seres vivos, uma parte do problema de como as espécies mudam foi solucionado, mas ainda restava muito a se dizer sobre os detalhes do processo. Mas com a solução desse, foram abertos campos para outras discussões, incluindo "o que realmente seria espécie?"

Charles Darwin resolveu o problema da espécie de sua época, mas na verdade, abriu problemas ainda maiores para as próximas gerações

Atualmente[editar | editar código-fonte]

As conversas sobre o continuado problema da espécie, se estendem de maneira mais tímida até meados do século XX. A proposta de Mayr em 1942 [2] foi uma tentativa de criterizar de maneira objetiva e levar a espécie como unidade de trabalho dentro da ciência, assim como, por outro lado, promoveu as discussões "adormecidas" através de críticas e necessidade de criação de outros pontos de vista.[1] Theodosius Dobzhansky, conhecido por ser um dos compositores da síntese moderna (linha de pensamento científico que alinhou os tratados evolutivos darwinianos com a genética clássica mendeliana), já tinha, em 1935, proposto uma forma de ver as espécies, também por populações que geravam descendentes, contando também com um mecanismo endógeno de reconhecimento entre elas.[4] [6]

Com a idealização da sistemática filogenética por Willi Hennig em 1950, houve também a necessidade da criação de um novo conceito para espécie, que seguisse um padrão técnico da cladística. A partir daí, em 1966, com a publicação e tradução da sua obra "Fundamentos de uma Teoria da Sistemática Filogenética", suas idéias ficaram globalmente conhecidas. Esse novo conceito trazia a idéia de que cada espécie seria um clado do cladograma representativo da árvore filogenética de certo grupo de seres vivos. [4]

Na década de 1960, surgem novas proposições para se definir espécie. Simpson, em 1961, conceitua espécie como uma linhagem que evoluiu separadamente de outras diferentes e compartilha um próprio papel e tendência evolutivos. Com algumas contribuições de outros pensadores, esse foi denominado de conceito evolutivo de espécie. Ainda nos anos 60, Sokal e Sneath, vão utilizar critérios matemáticos e estatísticos para definir espécie, como uma classe de indivíduos que portam características que variam simultaneamente, apresentando o conceito fenético ou tipológico. [4]

Em 1976, Van Valen, propõe o conceito ecológico de espécie, que consiste em linhagens populacionais que repartem um mesmo nicho ecológico, sendo que a mínima diferença que haja entre algum deles já promove condições à classificação de diferentes espécies.

Cracraft, nos anos 80, cria o conceito monofilético de espécie, aprofundando nas idéias de Hennig, dizendo que as espécies necessariamente precisam ser monofiléticas, ou seja, serem originadas de um único ancestral comum a elas, o que visualizou um aumento da objetividade maior e mais complexo no critério de classificação das espécies. [4]

Depois dos exemplos relatados, que não abrangem todos os conceitos idealizados, já podemos ver que o problema da espécie está longe de ser resolvido, levando em conta que ainda se utilizam alguns desses conceitos para as classificações. Os variados pontos de vista são de valiosa importância para a construção do conhecimento científico, mas que por sua vez, é prejudicado, tanto na universalidade, quanto na experimentação, devido à falta de objetividade e consenso entre os conceitos. [1]

A resolução do problema[editar | editar código-fonte]

A resolução do problema da espécie só será encontrado com um consenso de conceitos que definam espécie, considerando ela uma entidade real ou não.

Ainda não podemos afirmar que as espécies consideradas hoje, mesmo em um critério filogenético, refletem de maneira verídica a real história evolutiva. Isso se dá, pois há uma incompatibilidade das maneiras de se ver espécie.[7] [8] O problema só será resolvido, quando uma espécie A for espécie A em qualquer classificação, diferente do que vemos hoje, em que uma espécie não será considerada a mesma se for translocada de um critério de classificação para o outro.

Com isso, a realidade da espécie começou a ser duvidada, e foram levantadas idéias de que a espécie seria apenas uma necessidade de classificação e categorização, que o ser humano delimita para a organização do conhecimento.

Conceito de espécie de linhagens metapopulacionais[editar | editar código-fonte]

Esse novo conceito, ainda não muito conhecido, foi proposto por Kevin de Queiróz e teve como principal foco, resolver o problema dos múltiplos conceitos de espécie.

O conceito possui dois componentes básicos: o primeiro está em conter um elemento comum com todos os conceitos contemporâneos e definições de espécie, por adotar o conceito geral de espécie como linhagens metapopulacionais que evoluem separadamente. O segundo componente, elimina os conflitos entre conceitos que se chocam, tratando a propriedade, existência como linhagens metapopulacionais que evoluem separadamente, como a única propriedade necessária das espécies.

O ponto interessante da utilização de linhagens metapopulacionais como espécies, é que elas não precisam ser feneticamente distintas, ou diagnósticas, monofiléticas, reprodutivamente isoladas ou ecologicamente divergentes para serem espécies, elas só tem a necessidade de evoluir de forma separada, como linhagens diferentes.

Mesmo, com as retiradas de conflito feitas por esse conceito, ainda restam outros pontos de vista que poderiam invalidar essa nova forma de encarar espécie. O conceito de linhagens metapopulacionais, traz uma visão de que a espécie possui apenas uma única propriedade que abrangeria, de maneira indireta, todas as outras de todos os outros conceitos e resolveria o problema. A partir disso, a corrente de pensamento pluralista, que defende a pluralidade de explicações para um mesmo fenômeno, estaria sendo posta de lado, cabendo à espécie uma única explicação. Cabem ainda, complexas discussões filosóficas, que por sua vez estão longe de definir a certeza para algumas das partes. Outro ponto que possa ocasionar uma certa discussão com esse novo conceito, é a sua provável tendência à formação de novas espécies, adotando um comportamento splitter aos seus adeptos. [1]

Questões filosóficas[editar | editar código-fonte]

Monismo e pluralismo[editar | editar código-fonte]

O monismo e o pluralismo, assim como o dualismo, são correntes filosóficas que impõem oposições entre si.

O monismo, que tem sua origem ligada ao pensamento metafísico, demanda a utilização de apenas uma explicação (a verdade) aos fenômenos existentes nas diferentes áreas do conhecimento. Grande parte dos cientistas e pensadores ligados às ciências biológicas, demonstram uma certa tendência em defesa do monismo, mesmo que de maneira inconsciente. Muitos acham que a única forma de encarar o problema da espécie é com a formulação de um conceito único sem defeitos, que vai refletir na real história e nas reais espécies.

O pluralismo vem em oposição ao monismo, para demonstrar que a resposta talvez não esteja em apenas uma explicação exclusiva, mas sim um leque de possibilidades a serem adotadas para explicar um mesmo fenômeno em diferentes estados ou situações. O filósofo David Hull, foi um dos defensores do pluralismo aplicado à definição de espécie.

Lumpers e Splitters[editar | editar código-fonte]

Visão splitter da evolução biológica humana

Os lumpers e os splitters, são denominações dadas a comportamentos de taxonomistas com relação às suas respectivas tendências de classificação. Eles estão envolvidos com o problema da espécie, pois também fazem parte das múltiplas formas de visualizar espécie, só que neste caso, no ramo taxonômico.

Visão lumper da evolução biológica humana

Como característica, os lumpers utilizam uma visão generalista para definir algo, classificando de maneira mais abrangente, assumindo que pequenos detalhes não são tão importantes quanto as características únicas que marcam uma determinada espécie. O comportamento splitter, demanda uma maior atenção aos detalhes mínimos, tendendo a propor novas categorizações, a partir dessas diferenças, até mesmo que pouco aparentes.

As duas maneiras de visualizar os seres vivos em estudo, indicam novamente a subjetividade que permanece com a pluralidade de definições, conceitos e pontos de vista de se enxergar a espécie. Isso, de certa maneira, prejudica o conhecimento científico, demonstrando visões até que arbitrárias para a classificação.


Realismo e nominalismo[editar | editar código-fonte]

O realismo e o nominalismo também são correntes de pensamento filosóficas que se opõem, discutindo se algo que é definido pelas concepções do ser humano, são de fato reais ou são apenas classificações, nomes, demandados da necessidade da comunicação e do desenvolvimento da linguagem. Quando aplicados ao problema da espécie, esses pontos de vista discutem se a espécie é uma entidade biológica real, verdadeira (visão realista), ou se é apenas classificatória para questões de organização (visão nominalista).

Caso a visão realista sobre a espécie esteja certa, podemos considerar que a espécie é uma entidade real. Isso contribui para que haja um esforço em resolver o problema da espécie, já que isso vai colaborar, de fato, com a construção da ciência e da verdadeira história dos seres vivos.

Se o ponto de vista nominalista for o mais coerente com a verdade, a espécie será considerada, nada mais nada menos, que mais uma maneira que o ser humano encontrou para classificar e organizar as coisas que interagem com ele. Incluindo aí, desconsideraremos todos os conceitos de espécie que existem, assim como muitas formas de encará-la que temos hoje. Além disso, gera grande perturbação àqueles que trabalham com espécies, lidando com elas como sendo entidades reais.


Referências

  1. a b c d Ernst Mayr and the Modern Concept of Species, de Queiroz, K. (2005).
  2. a b [ISBN 9780674862500 Systematics and the Origin of Species from the Viewpoint of a Zoologist], Mayr, E. (1942)
  3. [Systema Naturae 10ª ed.], Linnaeus, C. (1858)
  4. a b c d e Summary of 26 Species Concepts, Wilkins, J. S. (2002)
  5. [The Species Problem: an Introduction to the Study of Evolutionary Divergence in Natural Populations.], Robson, G. C. (1928)
  6. The Origins of Species Concept: history, characters, modes and synapomorphies, Wilkins, J. S. (2003)
  7. The Species Problem, Do-While, J. (2002)
  8. The Mind of the Species Problem, Hey, J. (2001)