Anawrahta

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Anawrahta
Rei da Birmânia
Anawrahta
Estátua do rei Anawrahta em frente à Academia de Serviços de Defesa, Pyin U Lwin, Myanmar
Reinado 16 de dezembro de 1044 – 3 de março de 1078
Consorte Pyinsa Kalayani
Saw Mon Hla
Manisanda
Coroação 16 de dezembro de 1044
Antecessor(a) Sokkate
Sucessor(a) Sawlu
Nascimento 8 de março de 1015
  Pagan
Morte 23 de março de 1078 (63 anos)
  Pagan
Nome completo  
Min Saw
Maha Yaza Thiri Aniruddha Dewa
Dinastia Pagan
Pai Kunhsaw Kyaunghpyu
Mãe Myaunk Pyinthe
Filho(s) Sawlu
Kyansittha

Anawrahta Minsaw (birmanês: အနော်ရထာ မင်းစော; Pagan, 1015 — Pagan, 1078) foi o fundador do Império de Pagan. Considerado o pai da nação birmanesa, Anawrahta transformou um pequeno principado, na zona árida da Alta Birmânia, no primeiro império birmanês que formou a base da moderna Birmânia (Myanmar).[1][2] Historicamente verificável a história birmanesa começa com a sua ascensão ao trono de Pagan em 1044.

Anawrahta unificou todo o vale do rio Irauádi pela primeira vez na história, e colocou as regiões periféricas, tais como os Estados Shan e Arracão (Rakhine setentrional) sob a suserania de Pagan. Interrompeu com sucesso o avanço do Império Khmer através do litoral de Tenasserim e do vale do Alto Menam, fazendo de Pagan um dos dois principais reinos da Indochina.

Um disciplinador rigoroso, Anawrahta implementou uma série de importantes reformas sociais, religiosas e econômicas que tiveram um impacto duradouro na história da Birmânia. Suas reformas sociais e religiosas mais tarde evoluíram para a atual cultura birmanesa. Através da construção de uma série de açudes, tornou as regiões áridas em torno de Pagan nos principais celeiros de arroz da Alta Birmânia, dando à Alta Birmânia uma base econômica duradoura a partir da qual favoreceria o domínio do vale do Irauádi e sua periferia, nos séculos seguintes. Legou um forte sistema administrativo que todos os reis de Pagan deram continuidade até a queda da dinastia em 1287. O sucesso e a longevidade do domínio de Pagan sobre o vale do Irauádi lançou as bases para a ascensão da língua e da cultura birmanesa, a disseminação da etnia birmanesa na Alta Birmânia.

O legado de Anawrahta foi muito além das fronteiras da atual Birmânia. Seu apego à religião Teravada e seu sucesso em interromper o avanço do Império Khmer, um Estado hindu, possibilitou o crescimento da escola budista, que estava em declínio em outras partes do sul e do sudeste asiático, um alívio muito necessário e um abrigo seguro. Ajudou a restaurar o budismo teravada no Ceilão, o local de origem da escola budista. O sucesso da dinastia Pagan fez posteriormente com que o budismo teravada se estabelecesse em Lanna (norte da Tailândia), no Sião (região central da Tailândia), em Lan Xang (Laos), e no Império Khmer (Camboja), nos séculos XIII e XIV.

Anawrahta é um dos reis mais famosos da história da Birmânia. Suas histórias de vida (lendas) fazem parte do folclore birmanês e são recontadas na literatura popular e no teatro.

Juventude

Anawrahta é considerado o primeiro rei histórico cujos acontecimentos durante o seu reinado podem ser verificados por inscrições em pedra, a juventude de Anawrahta, assim como grande parte da história da antiga Pagan, ainda está envolta em lendas, e deve ser tratada como tal. (Antes de Anawrahta, de todos os primeiros reis de Pagan, apenas o reinado de Nyaung-u Sawrahan pode ser verificado de maneira independente através de inscrições em pedra.)[3]

Anawrahta nasceu Min Saw (မင်းစော) em 1015. De acordo com as crônicas birmanesas, seu pai foi o rei Kunhsaw Kyaunghpyu e sua mãe, Myauk Pyinthe (literalmente, a Rainha do Palácio do Norte). Seu pai sucedeu o rei Nyaung-u Sawrahan, e se casou com três das principais rainhas de Nyaung-u, duas das quais estavam grávidas e, que deram origem a Kyiso e Sokkate.[4] Kunhsaw criou Sokkate e Kyiso como seus próprios filhos.[5] Ele teve também um filho, Anawrahta, em 1015 no último ano do seu reinado.

Quando os dois filhos mais velhos chegaram à idade adulta, forçaram Kunhsaw a abdicar do trono e se tornar um monge. Kunhsaw viveu no monastério com sua esposa e seu filho Anawrahta. Kyiso primeiro tornou-se rei, mas depois que ele morreu em 1020, Sokkate assumiu como rei.

Anawrahta cresceu à sombra de seus dois irmãos. Ele se casou, e teve um filho, Sawlu, em 1039.

Ascensão ao trono

Em 1044, Anawrahta reuniu uns partidários nas proximidades do monte Popa, e desafiou Sokkate para um combate. (Segundo a lenda, o motivo de sua revolta foi que Sokkate tinha forçosamente se casado com sua mãe Myauk Pyinthe.) Em um único combate, matou Sokkate em Myinkaba perto de Pagan, e tomou o trono. Anwarahta ofereceu o trono a seu pai. Mas o ex-rei, que agora era um monge, recusou. Em 16 de dezembro de 1044,[6] Min Saw subiu ao trono com o título de Anawrahta, uma forma birmanizada do nome sânscrito Aniruddha (अनिरुद्ध). Seu título real completo era Maha Yaza Thiri Aniruddha Dewa (မဟာ ရာဇာ သီရိ အနုရုဒ္ဓ ဒေဝ; em sânscrito: Mahā Rājā Śrī Aniruddha Devá). A história birmanesa agora passa a ser menos conjectural.[7][8]

O início do reinado: consolidação da Birmânia Central

No início, o principado de Anawrahta era uma pequena área de apenas 320 quilômetros de norte a sul e cerca de 130 quilômetros de leste a oeste, compreendendo os atuais distritos de Mandalay, Meiktila, Myingyan, Kyaukse, Yamethin, Magwe, Sagaing e Katha a leste do rio Irauádi, e as porções ribeirinhas de Minbu e Pakokku. Fazia divisa ao norte com o Reino de Nanzhao, e a leste com a região ainda muito pouco habitada dos montes Shan, ao sul e ao oeste com os pyus, e mais ao sul ainda, com os mons.[9]

Reformas econômicas

Os primeiros atos de Anawrahta como rei foram para organizar o seu reino. Classificou cada cidade e vila de acordo com a arrecadação de impostos que ela pudesse oferecer. Fez grandes esforços para transformar as terras áridas da Birmânia central em um celeiro de arroz. Construiu o sistema de irrigação que é usado ainda hoje na Alta Birmânia. Reparou o lago Meiktila, e com sucesso construiu quatro açudes e canais (Kinda, Nga Laingzin, Pyaungbya, Kume) no rio Panlaung, e três açudes (Nwadet, Kunhse, Nga Pyaung) no rio Zawgyi. (Tentou também controlar o rio Myitnge, mas não conseguiu, apesar de todos os seus esforços. O trabalho durou três anos e houve muitas mortes ocasionadas pela febre.) Povoou com aldeias as áreas recém-desenvolvidas, servidas pelos canais de irrigação. A região, conhecida como Ledwin (literalmente, o país do arroz) tornou-se o celeiro, a economia principal do norte do país.[9]

Organização militar

Anawrahta organizou o exército de Pagan. Seus homens de confiança, conhecidos como os Quatro Grandes Paladinos da história birmanesa, foram:

Também a seu serviço estavam: Byatta (ဗျတ္တ), um muçulmano (provavelmente um marinheiro árabe) que naufragou em Thaton, e seus filhos Shwe Hpyin Gyi e Shwe Hpyin Nge, (que posteriormente entraram para o panteão dos espíritos birmaneses como os Irmãos Shwe Hpyin ရွှေဖျဥ်းညီနောင်).

Fundação do Império de Pagan

Império de Pagan, estimado por G.E. Harvey

Em meados da década de 1050, as reformas de Anawrahta transformaram Pagan em uma potência regional, e ele pensou em expandi-la. Nos dez anos seguintes, Anawrahta fundou o Império de Pagan, com o vale do rio Irauádi no centro, rodeado por reinos tributários.[10]

As estimativas da extensão de seu império variam muito. As crônicas birmanesas e tailandesas relatam um império que cobria a atual Birmânia e o norte da Tailândia. As crônicas tailandesas afirmam que Anawrahta conquistou todo o vale do Menam, e recebia tributos do rei Khmer. Uma afirma que os exércitos de Anawrahta invadiram o reino Khmer e saquearam a cidade de Angkor, e outra vai ainda mais longe a ponto de dizer que Anawrahta visitou Java para receber tributos.[10] Porém, historiadores ocidentais (Harvey, Hall, et al) apresentam um império muito menor, consistindo do vale do rio Irauádi e da periferia mais próxima. Placas em terracota comemorativas de suas vitórias (trazendo seu nome em sânscrito) foram encontradas ao longo do litoral de Tenasserim no sul, em Katha no norte, Thazi no leste e em Minbu no oeste.[11]

Montes Shan

Seus primeiros esforços concentraram-se na região dos montes Shan, no leste e norte. Conquistou a fidelidade do povo daquela área em duas etapas. No início e até meados da década de 1050, Anawrahta visitou pela primeira vez as cercanias dos montes, no leste, e recebeu homenagens. Fundou o pagode Bawrithat em Nyaung Shwe. A segunda etapa ocorreu no final da década de 1050 e início da de 1060, após a sua marcha até o Reino de Nanzhao. Após seu retorno da expedição a Nanzhao, os chefes shan ao longo do percurso presentearam Anawrahta com tributos. Ainda assim, sua lealdade era nominal e ele teve que fundar 43 fortes ao longo do sopé oriental dos montes dos quais 33 ainda existem como aldeias.[12]

Bhamo Katha Kyaukse Meiktila Mogok Mandalay Toungoo Yamethin
  • Kaungton
  • Kaungsin
  • Shwegu
  • Yinkhe
  • Moda
  • Katha
  • Htigyaing
  • Mekkaya
  • Ta On
  • Myinsaing
  • Myittha
  • Hlaingdet
  • Thagaya
  • Nyaungyan
  • Myadaung
  • Tagaung
  • Hinthamaw
  • Kyanhnyat
  • Sampanago
  • Singu
  • Konthaya
  • Magwe Taya
  • Yenantha
  • Sonmyo
  • Madaya
  • Thakegyin
  • Wayindok
  • Taungbyon
  • Myodin
  • Myohla
  • Kelin
  • Swa
  • Shwemyo

Os 43 fortes foram fundados por ordem régia emitida em 7 de fevereiro de 1061.[13]

Baixa Birmânia

Depois de sua primeira campanha Shan, Anawrahta ocupou-se dos reinos falantes da língua mon no sul, que assim como Pagan, eram na verdade apenas grandes cidades-Estados. Anawrahta inicialmente recebeu a submissão do governador de Pegu (Bago). Mas o reino de Thaton se recusou a submeter-se. Os exércitos de Anawrahta, liderados pelos "Quatro Paladinos", invadiram o reino sulista no início de 1057. Em 17 de maio de 1057, depois de um cerco da cidade de Thaton, que durou três meses, as forças de Pagan conquistaram a cidade.[14] De acordo com as tradições birmaneses e mon, o principal motivo da invasão por Anawrahta foi que o rei de Thaton, Manuha se recusou a dar-lhe uma cópia do cânone budista teravada. (Anawrahta havia sido convertido do seu nativo budismo ari para o teravada por Shin Arahan, um monge originário de Thaton.) Na verdade, foi apenas uma exigência para a submissão redigida em linguagem diplomática,[15] e o objetivo real de sua conquista de Thaton foi o de barrar as conquistas do Império Khmer na bacia do rio Chao Phraya e a invasão do litoral de Tenasserim.[16][17]

A conquista de Thaton é vista como o ponto de viragem na história da Birmânia. Ainda de acordo com a reconstrução tradicional, Anawrahta trouxe consigo para Pagan, após a conquista, mais de 30.000 pessoas, muitas delas artesãos e artífices. Estes cativos formaram uma comunidade, que mais tarde, ajudou a construir milhares de monumentos em Pagan. Os monumentos que até hoje sobrevivem rivalizam em esplendor com os de Angkor Wat.[18]

As pesquisas mais recentes do historiador Michael Aung-Thwin[19] argumentaram vigorosamente que as contribuições de Thaton para a transformação cultural da Alta Birmânia é uma lenda pós-Pagan sem evidências contemporâneas, e que a Baixa Birmânia, na verdade não tinha uma política substancial independente antes da expansão de Pagan, e que a influencia mon no interior é muito exagerada. Possivelmente, neste período, a sedimentação do delta, que agora se estende do litoral por cinco quilômetros a cada século, fosse insuficiente, e o mar ainda atingisse bem mais o interior, para sustentar uma população ainda tão grande quanto a população modesta da final do período pré-colonial.[16]

De qualquer forma, durante o século XI, Pagan estabeleceu a sua Baixa Birmânia e esta conquista facilitou o crescente intercâmbio cultural, não somente com os mons locais, como também, com a Índia e com o reduto teravada no Ceilão (Sri Lanka).[16][17]

Arracão

A próxima conquista de Anawrahta foi o norte de Arracão (Rakhine). Marchou sobre o passo de montanha de Ngape perto de Minbu até An em Kyaukphyu, e depois sitiou Pyinsa, então a capital de Arracão. Teria tentado levar para casa o gigantesco buda Mahamuni, mas não conseguiu. Levou os vasos de ouro e prata do santuário.[9] Da mesma forma como aconteceu nos montes Shan, a suserania de Anawrahta sobre o norte de Arracão (separado pelas montanhas Arracão) era nominal. Para alguns historiadores ocidentais (Harvey, Lieberman), a "conquista" foi mais um ataque para impedir incursões arracanesas na Birmânia.[9][16] Embora Pagan nunca tivesse estabelecido um sistema administrativo para governar efetivamente Arracão, ele continuou a promover uma relação de vassalagem no restante de tempo que durou a dinastia Pagan, ocasionalmente, colocando um de seus indicados para assumir o trono arracanês. Além disso, a língua e a escrita birmanesa passaram a dominar o litoral de Arracão ao longo dos séculos seguintes. Sob a influência birmanesa os laços se estreitaram com o Ceilão (Sri Lanka) e a predominância gradual do budismo teravada.[20]

Pateikkaya

Anawrahta também recebeu tributos do reino budista de Pateikkaya (ပဋိက္ခယား. A localização do pequeno reino permanece controversa. As crônicas birmanesas relatam a localização como sendo a noroeste de Arracão e seus reis eram indianos.[21] Mas o historiador britânico G.E. Harvey relatou que sua localização mais provável era a leste dos montes Chin.[22]

Relações exteriores

Quando seu reino expandiu, Anawrahta entrou em contato com o reino de Nanzhao (o antigo lar dos birmanes) no nordeste, e no sudeste, com o Império Khmer, a principal potência na Indochina naquele tempo. Anawrahta ajudou companheiros do budismo teravada no Ceilão em sua guerra contra os invasores hindus Chola.

Império Khmer

A conquista de Pagan de Thaton abalou o mundo mon. Anawrahta também exigiu tributo de outros vizinhos reinos mon, Haripunjaya e Dvaravati (na atual região norte e centro da Tailândia). Haripunjaya supostamente enviou tributos, mas Dvaravati, em vez disso, invadiu Tenasserim. Anawrahta enviou os seus exércitos, mais uma vez liderados pelos "quatro paladinos", que expulsaram os invasores. As crônicas birmanesas referem-se ao reino do Camboja, como o limite sudeste do Império Pagan.[15]

Reino de Nanzhao

Após interromper o avanço Khmer, Anawrahta voltou sua atenção para Nanzhao. Aproximadamente em 1059, Anawrahta liderou uma campanha contra o reino no nordeste. Avançou até Dali, capital do reino de Nanzhao, ostensivamente para buscar uma relíquia do dente de Buda. Exatamente como anteriormente tinha feito com relação ao pedido das escrituras em Thaton. O governante de Nanzhao fechou os portões da cidade, e não entregou a relíquia. Após uma longa pausa, os dois reis trocaram presentes e conversaram amigavelmente. O governante de Nanzhao deu a Anawrahta uma imagem em jade, que havia entrado em contato com o dente.[21]

Ceilão

Em 1069, Vijayabahu I do Ceilão pediu para Anawrahta ajuda contra os invasores Chola de Tamilakam. Anawrahta enviou navios de suprimentos em ajuda aos budistas do Ceilão.[21][23] Em 1071, Vijayabahu, que tinha derrotado os cholas, pediu a Anawrahta que lhe enviasse escrituras sagradas e monges. As invasões chola tinham deixado o lar original do budismo teravada com tão poucos monges que era difícil convocar um capítulo e validar as ordenações. Anawrahta enviou os monges e as escrituras, e um elefante branco como presente para Vijayabahu. Os monges birmaneses ordenaram ou reordenaram todo o clero da ilha. Em troca, o rei do Ceilão deu uma réplica do dente de Buda do qual o Ceilão tinha muito orgulhoso em possuir. A réplica foi, então, consagrada no pagode de Lawkananda em Pagan.[21][24]

Administração

A construção da nação

A maior realização de Anawrahta foi sua consolidação de vários grupos étnicos em uma única nação. Ele teve o cuidado de que seu próprio povo, os birmaneses, não humilhassem os outros povos. Continuou a mostrar respeito pelo pyus, que recentemente tinham perdido sua grande influência. Manteve o nome pyu para o seu reino, embora estivesse sob a liderança dos birmaneses. Mostrou respeito pelos mons, e incentivou seu povo a aprender com os mons.[21]

Anawrahta substituiu os reis da Baixa Birmânia (Pegu e Thaton) por governadores. Em Pegu, permitiu que o rei de Pegu permanecesse como rei vassalo em reconhecimento pela ajuda recebida na última conquista de Anawrahta sobre Thaton. Mas após a morte do rei vassalo, nomeou um governador para ocupar seu lugar. Devido às distâncias geográficas, outras áreas tributárias, tais como Arracão e as montanhas Shan foram autorizados a manter seus líderes hereditários.[21]

Reformas religiosas

Pagode de Shwezigon em Nyaung-U.

Em 1056, um monge mon do budismo teravada chamado Shin Arahan fez uma visita fatídica a Pagan, e converteu seu rei Anawrahta, que era budista ari, ao teravada. O rei estava insatisfeito com o enorme poder sobre o povo dos monges ari, e considerou os monges, que comiam as refeições à noite, bebiam licor, presidiam sacrifícios de animais, e desfrutavam de um tipo de ius primae noctis,[25] depravados. No budismo teravada ele encontrou um substituto para quebrar o poder do clero.[26]

De 1056 em diante, Anawrahta implementou uma série de reformas religiosas em todo o seu reino. Suas reformas ganharam força após a sua conquista de Thaton, que trouxe muitas escrituras necessárias e o clero do reino vencido. Anawrahta quebrou o poder dos monges ari primeiramente ao declarar que sua corte não mais dariam importância se as pessoas deixassem de encaminhar seus filhos para os sacerdotes. Aqueles que estivessem em cativeiro dos sacerdotes ganhariam a liberdade. Alguns dos monges simplesmente seguiram a nova religião. Mas a maioria dos monges que tinha exercido o poder durante tanto tempo não se deu por vencida. Anawrahta baniu-os em grande número, muitos deles fugiram para o monte Popa e as montanhas Shan.[12] Ele utilizou os tradicionais espíritos nat para atrair as pessoas para sua nova religião. Perguntado por que ele permitiu que os nats fossem colocados em templos budistas e pagodes, Anawrahta respondeu: "Os homens não virão por causa da nova fé. Deixe que eles venham para seus antigos deuses, e aos poucos eles serão conquistados."[27]

Instigado por Shin Arahan, Anawrahta tentou reformar o próprio budismo teravada que recebeu de Thaton, que segundo consta, estava em um estado de decadência, e cada vez mais influenciado pelo hinduísmo. (As crônicas mons insinuam que Manuha foi repreendido para fazer um compromisso com o hinduísmo. Shin Arahan deixou Thaton porque estava insatisfeito com a decadência do budismo lá.) Ele fez de Pagan[28] um centro de aprendizagem teravada para estudiosos convidados das terras mon, Ceilão, bem como da Índia, onde o budismo estava morrendo recebendo um golpe de misericórdia dos conquistadores muçulmanos. Os estudos ajudaram a revitalizar uma forma mais ortodoxa do budismo teravada.[29]

Certamente suas reformas não poderiam e não conseguiriam alcançar o resultado desejado em pouco tempo. A propagação do budismo teravada na Alta Birmânia foi gradual; levou mais de três séculos. Seu sistema monástico só conseguiu penetrar nas aldeias das áreas mais remotas no século XIX.[25] Nem todos os aris morreram. Seus descendentes, conhecidos como monges habitantes das florestas, permaneceram uma força poderosa patrocinado pela realeza até o período Ava no século XVI. Da mesma forma, o culto nat continua (até os dias atuais). Mesmo o budismo teravada de Anawrahta, Kyansittha e Manuha sofreu ainda uma forte influência do hinduísmo quando comparado aos padrões mais ortodoxos posteriores (séculos XVIII e XIX). Os elementos tântricos, xivaístas, e vixnuístas gozaram de maior influência da elite do que teria mais tarde, refletindo a imaturidade relativa do início da cultura alfabetizada da Birmânia e sua receptividade indiscriminada às tradições não birmanesas. Na verdade, até hoje o budismo na Birmânia contém muitos elementos animistas, maaiana e hindu.[25]

No entanto o budismo teravada, considerado para os padrões atuais, não ortodoxo, encontrou uma proteção real em Anawrahta. Suas reformas possibilitou o crescimento posterior do budismo teravada na Birmânia e no sudeste asiática.

Ele foi o primeiro dos "Construtores de Templos" de Pagan. Seu monumento principal foi o pagode de Shwezigon. O trabalho de construção iniciou em 1059, mas ainda estava inacabada por ocasião de sua morte dezoito anos depois. Construiu também o Pagode Shwesandaw ao sul de Pagan para abrigar as relíquias de cabelos presenteadas por Pegu. Mais distante, ele construiu outros pagodes, como os de Shweyinhmyaw, Shwegu e Shwezigon perto de Meiktila.[27]

Invenção do alfabeto birmanês

Anawrahta também encomendou a invenção do Alfabeto birmanês baseado no alfabeto mon. A primeira evidência do alfabeto birmanês está datada de 1058, um ano após a conquista de Thaton, embora a ortografia rústica e variável indica que os escribas ainda estavam experimentando.[30] (Uma escrita birmanesa mais estável surgiu uma geração após a morte de Anawrahta: a inscrição na Pedra de Myazedi (escrita em 1113)).

Estilo de governo

Anawrahta foi um rei enérgico, que implementou muitas mudanças políticas, socioeconômicas e culturais profundas e duradouras. Era admirado e temido, mas não amado por seus súditos.

O historiador Htin Aung escreve:

Anawrahta foi implacável e severo não em particular a um determinado grupo étnico, mas para todos os seus súditos, pois ele sentiu que medidas duras eram necessárias na construção de uma nova nação. Nunca aceitou o culto do deus-rei, e era impaciente, mesmo com os deuses que seu povo adoravam; os homens chegavam a dizer que ele derrotou os deuses com sua lança. Alcançou seus objetivos, mas somente ao preço de sua própria popularidade. Seus súditos o admiravam e temiam, mas não o amavam. Sua ordem para a execução de dois jovens heróis devido a uma quebra de disciplina insignificante após o término de sua campanha em Nanzhao irritou as pessoas, e para apaziguá-las, declarou que os dois heróis mortos eram deuses que agora poderiam ser adorados. Sua atitude para que Kyansittha de se tornasse um fugitivo aumentou sua popularidade, embora esta ação, pelo menos, foi justificada pelo grande paladino, como o Lancelot da Mesa Redonda, estava apaixonado por uma de suas rainhas.[31]
(A rainha apaixonada por Kyansittha era Manisanda Khin U. Os dois jovens heróis que foram executados eram: Shwe Hpyin Gyi e Shwe Hpyin Nge, que mais tarde entraram para o panteão dos nat espíritos birmaneses).

Mas as pessoas o admiravam e temiam, e ele foi capaz de implementar muitas de suas ambiciosas reformas multifacetadas.

Morte

Anawrahta morreu em 1078 nos arredores de Pagan. As crônicas birmanesas relatam de que seus inimigos fizeram uma emboscada e o mataram e depois esconderam seu corpo de tal forma que nunca foi encontrado. As crônicas narram que um nat espírito apareceu sob a forma de búfalo selvagem e feriu-o até a morte, e então os demônios levaram o seu corpo.[31]

Legado

Anawrahta é considerado um dos maiores, se não o maior, dos reis da história da Birmânia já que criou a primeira "base política" do que mais tarde se tornaria a atual Birmânia. Não apenas expandiu o reino de Pagan, mas também implementou uma série de reformas políticas e administrativas que permitiram que o seu império dominasse todo o vale do Irrawaddy e sua periferia por mais de 250 anos.

O legado de Anawrahta foi muito além das fronteiras da atual Birmânia. O sucesso e a longevidade do domínio de Pagan sobre o vale do Irrawaddy lançou as bases para a ascensão da língua e cultura birmanesa, a disseminação da etnia birmanesa na Alta Birmânia. Sua divulgação do budismo teravada e seu sucesso em parar o avanço do Império Khmer, um reino hindu, uma vez que a escola budista, estava em declínio em outras partes do sul e sudeste asiático, trouxe o necessário alívio e um abrigo seguro. Ajudou a reiniciar o budismo teravada no Ceilão, lar original da escola budista. O sucesso da dinastia Pagan fez o budismo teravada posteriormente aumentar em Lanna, no Sião, Lan Xang, e Camboja nos séculos XIII e XIV.

Na cultura popular

As histórias e as lendas sobre a vida de Anawrahta continuam a ser um assunto popular do folclore birmanês. O triângulo amoroso envolvendo Anawrahta, Kyansittha e Manisanda, bem como a triste história de Saw Mon Hla, uma de suas rainhas, são temas do teatro birmanês. Devido a sua reputação como uma figura de pai severo, ele não é o personagem central nessas histórias onde o protagonista principal, invariavelmente, é o romântico soldado-rei Kyansittha.

Notas

  1. Harvey, p. 34
  2. Htin Aung, p. 38
  3. Kyaw Thet, p. 40
  4. Bird, p. 336
  5. Pe Maung Tin and Luce, p. 70
  6. Hmannan vol. 1, p. 230
  7. Harvey, p. 19
  8. Htin Aung, p. 31
  9. a b c d Harvey, pp. 24–25
  10. a b Htin Aung, p. 34
  11. Kyaw Thet, pp. 41–42
  12. a b Harvey, pp. 26–31
  13. Hmannan, pp. 269–270
  14. Kyaw Thet, p. 45
  15. a b Htin Aung, p. 33
  16. a b c d Lieberman, p. 91
  17. a b Tarling, p. 165
  18. South, p. 419
  19. Aung-Thwin, p. 433
  20. Myint-U, pp. 72–73
  21. a b c d e f Htin Aung, p. 35
  22. Harvey, p. 326
  23. Kyaw Thet, pp. 46–47
  24. Harvey, p. 32
  25. a b c Lieberman, pp. 115–116
  26. Htin Aung, p. 32
  27. a b Harvey, p. 33
  28. Alan G Artner, Tribune,art critic. (2005, Oct 07). Burma show pulls gallery into past. Chicago Tribune, pp. 29-7.29. Retrieved from http://search.proquest.com/docview/420255224?accountid=28458
  29. Htin Aung, pp. 36–37
  30. Harvey, p. 307
  31. a b Htin Aung, pp. 37–38

Referências

  • «King Anawrahta». Hmannan Yazawin (Glass Palace Chronicle) (em birmanês). 1 2003 ed. Yangon: Ministry of Information, Myanmar. 1829 
  • Michael Aung-Thwin (2005). The Mists of Rāmañña: the Legend that was Lower Burma. [S.l.]: University of Hawaii Press. isbn 978-0-824-82886-8 
  • George W. Bird (1897). Wanderings in Burma. [S.l.]: F.J. Bright & Son 
  • D.G.E. Hall (1960). Burma 3ª ed. [S.l.]: Hutchinson University Library. isbn 978-1-406-73503-1 
  • G. E. Harvey (1925). History of Burma: From the Earliest Times to 10 March 1824. Londres: Frank Cass & Co. Ltd 
  • Maung Htin Aung (1967). A History of Burma. Nova York e Londres: Cambridge University Press 
  • Kyaw Thet (1962). History of Burma (em birmanês). Yangon: Yangon University Press 
  • Victor B. Lieberman (2003). Strange Parallels: Southeast Asia in Global Context, c. 800–1830, volume 1, Integration on the Mainland. [S.l.]: Cambridge University Press. isbn 978-0-521-80496-7 
  • Thant Myint-U (2006). The River of Lost Footsteps--Histories of Burma. [S.l.]: Farrar, Straus and Giroux. isbn 978-0-374-16342-6 
  • Pe Maung Tin; G.H. Luce. The Glass Palace Chronicle of the Kings of Burma 1960 ed. [S.l.]: Rangoon University Press 
  • Lt. Gen. Sir Arthur P. Phayre (1883). History of Burma 1967 ed. Londres: Susil Gupta 
  • Ashley South (2003). Mon nationalism and civil war in Burma: the golden sheldrake. [S.l.]: Routledge. isbn 978-0-700-71609-8 
  • Nicholas Tarling (1999). The Cambridge History of Southeast Asia: Early Times to c. 1500. [S.l.: s.n.] isbn 978-0-521-66369-4 


Anawrahta
Nascimento: 8 de março de 1015 Morte: 23 de março de 1078
Títulos reais
Precedido por:
Sokkate
Rei da Birmânia
1044–1078
Sucedido por:
Sawlu