Saltar para o conteúdo

Jurupari (mitologia)

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
 Nota: Para outros sentidos do termo, veja Jurupari.
Jurupari
Pai Sol
Mãe Ceuci

Jurupari é um personagem mitológico dos povos indígenas da América do Sul. O povo Mawé retrata Yurupari não apenas como um demônio, mas o próprio Mal, aquele que deu origem à outros demônios (como os Ahiag̃ ou os Mapinguary).[1]

Na época da chegada dos primeiros europeus ao continente (século XVI), Jurupari era o culto mais difundido. Visando a combatê-lo, os missionários católicos passaram a associar Jurupari ao diabo cristão.[2][3]

Várias teorias procuram explicar o significado do termo "Jurupari":

  • Segundo o tupinólogo Eduardo Navarro, viria do tupi antigo Îurupari, que significa "boca torta" (îuru, "boca" + apar, "torta").[4]
  • Segundo o folclorista Luís da Câmara Cascudo, a palavra "jurupari" parece corruptela de "jurupoari", descrita por Couto de Magalhães no curso sobre nheengatu (língua geral) "O selvagem". Na obra, "Jurupari" literalmente é traduzido por "boca, mão sobre; tirar da boca"; che jurupoari - "tirou-me a palavra da boca", ou de iuru (boca) e pari (armadilha de talas para peixes, com que se fecha os igarapés), além de referir aos diversos significados míticos, entre os quais o que corresponde à expressão "ser que vem à nossa rede" (lugar onde dormimos), e "gerado da fruta".[2]
  • Segundo o padre Constant Tastevin (1880-1958), apud Faulhaber,[5] o nome "Jurupari" pode corresponder ao nome próprio de um antigo legislador índio, de quem conservam ainda os usos, leis e tradições lembradas nas danças mascaradas de Jurupari. O nome, segundo esse autor, parece significar "máscara", pari, "da boca" ou "do rosto": iu-ru-pari: "meter um pari no próprio rosto".

O dicionário Aurélio[6] reforça a etimologia tupi e o significado de "demônio", estendendo o seu significado a:

Jurupari também é o nome do peixe Satanoperca jurupari da família Cichlidae

A primeira versão conta a história de uma índia chamada Ceuci que, tal qual a Virgem Maria, teve uma concepção miraculosa. Conta a lenda que Ceuci estava repousando abaixo de uma árvore e, acometida de fome, comeu seu fruto, o mapati (uacu, em algumas variantes), cuja ingestão era proibida às moças no dia em que estivessem em período fértil. O sumo da fruta teria então escorrido pelo seu corpo nu e alcançado o meio de suas coxas, fecundando-a. A notícia chegou à aldeia, e o conselho de anciãos, diante da revolta do povo, resolveu punir Ceuci com o exílio, onde teve seu filho.

Esta criança, chamada Jurupari, era na verdade o enviado do Sol (Guaraci), pelo qual foi ordenado reformar os costumes dos homens e encontrar uma esposa para ele. Com sete dias de vida, já aparentava ter 10 anos, e sua sabedoria atraiu a atenção de todos, que passaram a ouvir suas palavras e o ensinamento dos novos costumes que o Sol dizia que deveriam seguir. É chamado legislador porque alterou as leis (leia-se costumes) do mundo, transformando-o de matriarcal para patriarcal.

Além de Jurupari/Iurupari, o herói civilizador e Filho do Sol também era conhecido como Izí ("o que se originou da fruta"), Bocan ("Coração Mau" [para os que não seguem sua lei]) e Maasanqueró.[7]

Demônio dos Sonhos

[editar | editar código-fonte]

Na mais conhecida das duas lendas, Jurupari seria, na verdade, o deus da escuridão e do mal, que visitaria os índios em sonhos, assustando-os com pesadelos e presságios de perigos horríveis, impedindo, entretanto, que suas vítimas gritassem - o que, por vezes, causava asfixia. Esta é a mais "provável", já que o significado da palavra Jurupari seja algo como "aquele que cala", "que tapa a boca", ou ainda "aquele que visita nossa rede". Os jesuítas estimularam esta versão da lenda, alguns mesmo dizendo que foram eles que a criaram, sendo imediatamente aceita pelos indígenas, ávidos por uma explicação sobre o porquê de terem pesadelos. Para Câmara Cascudo, essa concepção de criatura dos "pesadelos" é um amálgama de lendas europeias e africanas, inventadas pelas amas de leite para o controle do comportamento das crianças.

Por vezes, é visto como um caboclo medonho que está sempre rindo, aleijão de boca torta, sendo muito cruel e vingativo. Em algumas culturas indígenas, é descrito como uma cobra com braços; em outras, como um índio comum dotado de grande sabedoria e poderes divinos. Já foi descrito como um bebê invisível, ou simplesmente como uma "presença" (espírito).

Em alguns dos mitos que envolvem o jurupari, esse herói morre queimado, e, das suas cinzas, nasce a palmeira de paxiúba (Socratea exorrhiza), uma árvore de cuja madeira são feitos os instrumentos juruparis tocados nesse ritual. Entre os índios tucanos, a flauta (simiômi’i-põrero) é feita da madeira do uacu (Monopteryx angustifolia). Segundo Piedade,[8] é um instrumento sagrado que tem som de trovão, tendo sido utilizado pelos homens para recuperar os instrumentos juruparis que as mulheres haviam roubado.

Ritual do Jurupari

[editar | editar código-fonte]

Além de o nome Jurupari corresponder a uma lenda tupi e a um conjunto de animais e árvores que o mito relaciona entre si, ainda existem diversas variantes desse mito em outras etnias. Corresponde também a um ritual com flautas em que só os homens podem participar, entre os índios do noroeste da Amazônia (Rios Negro e Uaupés), como os tucanos e os tarianas, descrito por Ermanno Stradelli (1852-1926).[9] Outros ritos e mitos também são conhecidos pelo nome de Jurupari, a exemplo dos encontrados nas tribos:

Segundo descrição de Carvalho[11] do que denomina a "religião de jurupari", na região amazônica alto do Rio Negro, esta compreende um culto secreto masculino, revelado aos iniciados principalmente na segunda iniciação: seus ritos incluem flagelações, uso do tabaco e coca, ilusógenos como o yagé (caapi), e, mais no extremo oeste, também o paricá.

Referências

  1. Yamã, Yaguarê (2004). O caçador de histórias. São Paulo: Martins Fontes. 76 páginas 
  2. a b CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. RJ, Ediouro, 1972
  3. CASCUDO, L. C. Geografia dos mitos brasileiros. 3ª edição. São Paulo. Global. 2002. p. 58.
  4. NAVARRO, E. A. Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013. p. 201.
  5. FAULHABER, Priscila. Nos varadouros das representações: Redes etnográficas na Amazônia do início do século XX. Revista de Antropologia, SP, USP, 1997, V. 40 nº2. Projeto Tradução Cultural Dez. 2011
  6. FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (edição eletrônica). SP, Editora Positivo Informática LTDA, 2004
  7. Guido, Angelo. O reino das mulheres sem lei. Porto Alegre, Edições Globo, 1937.
  8. PIEDADE, Acácio Tadeu de C. 1997. Música Ye’pâ-masa: Por uma Antropologia da Música no Alto Rio Negro, dissertação de mestrado em antropologia social, UFSC PDF Dez. 2011
  9. COSTA, Mônica R.; OLIVEIRA, Paula M.; COSTA, Paulo Pedro P. R. A história do filho do sol. in: COSTA, Mônica Rodrigues. (org.) Arco-íris de letras. SP, Publifolha, 2002. e Costa, Mônica R.; Costa, Paulo Pedro P. R. Histórias e lendas indígenas brasileiras sobre sapos Dez. 2011
  10. PIEDADE, Acácio T. C. O canto do kawoká: música, cosmologia e filosofia entre os Wauja do Alto Xingu. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, SC, PPGAS, UFSC, 2004 PDF Dez. 2011
  11. CARVALHO, Sílvia Maria S. Jurupari: Estudos de mitologia brasileira. SP, Ática, 1979

Ligações Externas

[editar | editar código-fonte]