Berenice Bento

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Berenice Bento
Berenice Bento
Nascimento 1966
Campina Grande
Cidadania Brasil
Ocupação socióloga
Empregador(a) Universidade de Brasília, Departamento de Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Berenice Alves de Melo Bento (Campina Grande, 1966) é uma socióloga e escritora brasileira, professora da Universidade de Brasília.

Vida[editar | editar código-fonte]

Berenice Bento é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás (1994)[1]. É mestra em Sociologia pela Universidade de Brasília (1998) e doutora pela mesma universidade (2003).[2]

Sua atividade de pesquisa concentra-se em temas relacionados a gênero, sexualidade e direitos humanos. Foi considerada "uma referência incontornável para os estudos recentes de gênero no campo das ciências sociais".[3]

Lecionou na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2009-2017), onde coordenou o Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Diversidade Sexual, Gêneros e Direitos Humanos (2010-2013).[4]. Desde 2017 é docente da Universidade de Brasília.

Suas atividades de ensino, pesquisa e extensão estão articuladas com sua inserção no debate político nacional e internacional em torno dos Direitos Humanos, numa perspectiva interseccional.

É membro do corpo editorial e articulista de várias revistas acadêmicas.[1][5] É também colaboradora da revista Cult, desde 2015.[6]

Foi Secretária Geral da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura - ABEH (2008) e Coordenadora Geral do I Seminário Internacional Desfazendo Gênero (2013).

Conceitos[editar | editar código-fonte]

Dispositivo da transexualidade[editar | editar código-fonte]

Berenice Bento se utiliza do conceito de dispositivo da sexualidade de Foucault para problematizar a estrutura do discurso médico sobre transexualidade. Além de abordar como o dispositivo da transexualidade [7]se organiza teoricamente a partir de estudos biologizantes e psicanalíticos, a autora realizou pesquisa de campo com pessoas transexuais no contexto hospitalar que demandavam a cirurgia de transgenitalização para analisar a operacionalidade desse dispositivo. Bento concluiu que o dispositivo da transexualidade explicita a heteronormatividade como matriz de inteligibilidade de gênero, classificando a experiência transexual como uma doença por meio do poder do discurso médico, respaldado por práticas jurídicas e por algumas concepções psicanalíticas. A socióloga entende que a transexualidade[8] é um conflito identitário que contraria as normas de gênero e que a patologização da transexualidade se insere no campo da medicalização das condutas sexuais, em uma estratégia concebida por ela como assepsia de gênero, que intenciona assegurar a prática da heterossexualidade como norma[9].

Heteroterrorismo[editar | editar código-fonte]

A pesquisadora discute o conceito de heteroterrorismo, ao relatar o processo de socialização de crianças e adolescentes e mostrar que a escola é um espaço de replicação e monitoramento das normas de gênero. A ordem reproduzida nas escolas, segundo Bento (2011)[10], enquadra-se na norma de gênero heterossexual, que de acordo com a autora é alcançada por meio da prática do heteroterrorismo. Para Bento, o heteroterrorismo não se limita aos espaços escolares, ela permeia, primeiramente, todo o ambiente domiciliar, desde o momento em que o gênero da criança é anunciado e se começa a ser reforçadas expressões como: “isso é coisa de menina" ou "meninos não choram". Todos esses atos heteroterroristas têm continuidade no espaço escolar. A formação subjetiva, portanto, não pode ser analisada sem considerar que os sujeitos são produzidos a partir do medo sistemático de serem reconhecidos ou confundidos como gays ou lésbicas.

Transfeminicídio[editar | editar código-fonte]

Sua análise da violência contra a população trans no Brasil redefine o conceito de feminicídio, que se originou de reflexões sobre o assassinato sistemático de mulheres cisgênero no México. Bento aponta que, com base em relatos de violência contra pessoas LGBTQI+ documentados no Brasil, percebe-se que as pessoas gays com performances mais femininas são mais propensas a serem alvo de algum tipo de ataque do que os gays não femininos, mostrando assim que a finalidade da violência é, antes de tudo, contra qualquer atribuição entendida pela sociedade como expressão da feminilidade. Além disso, há o sentimento de abjeção direcionado às identidades vistas como desviantes de gênero pela sociedade heteronormativa, ressaltando uma violência intensa sobre os corpos trans femininos. O transfeminicídio[11] é descrito, portanto, como uma política disseminada, proposital e sistemática motivada pelo ódio e nojo à população de mulheres trans, travestis e/ou transexuais. Ao mesmo tempo, a sociológica aponta níveis de continuidade e comunicação sistêmica entre a violência contra as mulheres cis e as mulheres trans.

Necrobiopoder[editar | editar código-fonte]

Berenice Bento sugere o conceito de necrobiopoderpara analisar a violência do Estado contra os corpos abjetos. Para isso, ela estabelece uma reflexão sobre as concepções de biopolítica o (Foucault), de necropolítica (Mbembe) e de Homo Sacer (Agamben), ao mesmo tempo em que se distancia desses conceitos para afirmar que, na História do Brasil, não é possível pensar, separadamente, as noções de "dar a vida e dar a morte". Para ilustrar o funcionamento do conceito de necrobiopoder, a socióloga refere-se, à guisa de exemplos analíticos, à Lei do Ventre Livre, aprovada no Brasil em 28 de setembro de 1871, e que concebia as crianças nascidas de mães negras escravizadas como corpos libertos, mas mantinha as mães no regime de escravidão; aos autos de resistência, após o período de ditadura militar; e à política do medo, organizada através da disseminação do pânico social e da implementação de técnicas de vigilância. Segundo a autora, "o necrobiopoder unifica um campo de estudos que tem apontado atos contínuos do Estado contra populações que devem desaparecer e, ao mesmo tempo, políticas de cuidado da vida." Assim, ela propõe o conceito de necrobiopoder como "um conjunto de técnicas de promoção da vida e da morte a partir de atributos que qualificam e distribuem os corpos em uma hierarquia" segundo a qual alguns deles não são reconhecidos como humanos e, portanto, devem ser eliminados, enquanto outros devem viver.[12]

então, define necrobiopoder como "um conjunto de técnicas de promoção da vida e da morte a partir de atributos que qualificam e distribuem os corpos em uma hierarquia que retira deles a possibilidade de reconhecimento como humanos e que, portanto, devem ser eliminados, e outros que devem viver” (BENTO, p. 7, 2018). Assim, a autora compreende que esse conjunto de técnicas são sistematizadas e racionalizadas para provocar a morte daqueles corpos que não são reconhecidos pelo Estado como dignos de habitarem o Estado-nação.

Genocidade[editar | editar código-fonte]

Bento classifica genocidade como uma operação diferente do genocídio, que por sua vez, ela entende como atos de violência letal em grande escala que tem como objetivo final o extermínio de todos os indivíduos integrantes de um mesmo grupo humano específico. A genocidade funciona de outra maneira: é uma técnica microfísica da produção contínua da morte. A autora apresenta esse conceito ao analisar o conflito Israel x Palestina e afirma que a genocidade promovida pelo Estado israelense é uma técnica de fazer morrer distribuída em todo o tecido social da vida palestina. Segundo Bento a genocidade existe e se move no detalhe:

[...] no pequeno gesto do burocrata do Estado que nega permissões de mobilidade, nos controles militares nas barreiras, na fragmentação de famílias, na burocracia para se conseguir qualquer tipo de autorização (construção/reforma de casas, saída do país, direito de ir a um hospital), na presença ostensiva dos colonos (tipo de sujeitos que atualiza, na contemporaneidade, as práticas do Irgun e que são incentivados pelo Estado de Israel) que roubam terras, humilham e agridem palestinos/as. E assim, aqueles/as que se dizem donos/as da terra prometida transformam a vida dos/as verdadeiros donos/as em inferno. Um inferno que opera no detalhe.[13]

A socióloga conclui sua linha de raciocínio apontando que é só quando a genocidade encontra o genocídio, ou seja, quando Israel executa grandes operações militares na Faixa de Gaza e na Cisjordânia contra o povo palestino que a grande mídia toma conhecimento do conflito existente na região. Em períodos onde não há grandes confrontos, com um grande número de baixas de vidas palestinas, é da genocidade que o Estado sionista israelense se utiliza para oprimir a população palestina cotidianamente[14].

Prêmios[editar | editar código-fonte]

Em 2011, foi agraciada com o Prêmio Direitos Humanos,[15][2] considerado "a mais alta condecoração do governo brasileiro a pessoas e entidades que se destacaram na defesa, na promoção e no enfrentamento e combate às violações dos Direitos Humanos no País".[4] Recebeu o prêmio na categoria Igualdade de Gênero da presidenta Dilma Rousseff. A premiação de 2011 está associada à contribuição de Bento na compreensão e afirmação da transexualidade. Sobre essa temática, a socióloga afirmou: "Gênero e sexualidade são dimensões constitutivas das subjetividades e que são hegemonicamente naturalizadas. Acredito que este campo de estudos/ativismos tem contribuído para a desconstrução desta aparente natureza anistórica, mediante análises das configurações discursivas de determinadas épocas".[6]

Produção bibliográfica[editar | editar código-fonte]

  • Sexualidades, gêneros e violência: estudos sociológicos. Natal: EdUFRN, 2019. ISBN 978-85-425-0919-9
  • Transviad@s: gênero, sexualidade e direitos humanos. 1a. ed. Salvador: EDUFBA, 2017. ISBN 978-85-232-1599-6
  • Estrangeira: uma paraíba em Nova Iorque. São Paulo: Annablume, 2016. ISBN 978-8539107926
  • Homem não tece dor: queixas e perplexidades masculinas. Natal: EDUFRN, 2013. ISBN 978-85-425-0022-6
  • O que é transexualidade (Coleção Primeiros Passos). São Paulo: Brasiliense, 2008 ISBN 978-8511001242
  • A reinvenção do corpo: gênero e sexualidade na experiência transexual. Garamond, 2006, 1a. edição; Natal: EDUFRN, 2014, 2a. edição. 3a. edição. Salvador: Devires, 2017. ISBN 978-8593646072

Participação em coletânea[editar | editar código-fonte]

Outras produções[editar | editar código-fonte]

  • Exposição: Palestina, Meu Amor (2021)[16].
  • Exposição: Viagem aos Campos de Refugiados Saharauis (2020)[17].
  • Documentário: SAHARAUI: Memória e Exílio (2020, 13')[18].

Referências

  1. a b BENTO, Berenice (29 de setembro de 2020). «CV Lattes». buscatextual.cnpq.br. Consultado em 12 de outubro de 2020 
  2. a b «Livreto oficial do Prêmio Direitos Humanos 2011» (PDF) 
  3. DIAS, Diego Madi (1 de dezembro de 2014). «Brincar de gênero, uma conversa com Berenice Bento». Cadernos Pagu (43): 475–497. ISSN 0104-8333. doi:10.1590/0104-8333201400430475 
  4. a b ABI. «Prêmio Direitos Humanos 2011 |». www.abi.org.br. Consultado em 20 de janeiro de 2017 
  5. Artigos publicados em periódicos acadêmicos. Site de Berenice Bento.
  6. a b «Berenice Bento na revista Cult». revistacult.uol.com.br. Consultado em 22 de agosto de 2023 
  7. BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
  8. BENTO, Berenice. O que é transexualidade. Brasiliense - Coleção Primeiros Passos: 1ª edição, São Paulo, 2008.
  9. BENTO, Berenice. Entrevista: Dispositivo da Transexualidade. << CLAM - Dispositivo da transexualidade - Em destaque - Notícias >> Publicada em: 30/08/2006. Consultado em 06 de maio de 2022.  
  10. BENTO, Berenice. Na escola se aprende que a diferença. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, maio-agosto/2011.
  11. BENTO, Berenice. Transfeminicídio: violência de gênero e o gênero da violência. In: COLLING, Leandro. Dissidências sexuais e de gênero. Salvador: Edufba, 2016, pp. 43-68.
  12. BENTO, Berenice. "Necrobiopoder: quem pode habitar o Estado-nação?" Cadernos Pagu, Campinas, n. 53, 2018, pp. 01-16 ISSN 0104-8333
  13. Bento, Berenice (17 de janeiro de 2022). «Palestina e a microfísica da morte continuada». desacato.info. Consultado em 13 de julho de 2022. Cópia arquivada em 13 de julho de 2022 
  14. Bento, Berenice (19 de fevereiro de 2022). «O genocídio palestino». aterraeredonda.com.br. Consultado em 13 de julho de 2022. Cópia arquivada em 13 de julho de 2022 
  15. STUCKERT FILHO, Roberto (9 de dezembro de 2011). «Presidenta Dilma Rousseff entrega o Prêmio Direitos Humanos 2011, na categoria Igualdade de Gênero, a Leilane Assunção representando a Doutora Berenice Bento. Brasília - DF». Biblioteca da Presidência da República. Consultado em 22 de agosto de 2023 
  16. Bento, Berenice (11 de Maio de 2021). «Palestina, Meu Amor». berenicebento.com. Consultado em 30 de Junho de 2022. Cópia arquivada em 30 de junho de 2022 
  17. Bento, Berenice (29 de maio de 2020). «Viagem aos Campos de Refugiados Saharauis». berenicebento.com. Consultado em 30 de junho de 2022. Cópia arquivada em 30 de junho de 2022 
  18. Bento, Berenice (14 de setembro de 2020). «SAHARAUI: Memória e Exílio». desacato.info. Consultado em 30 de junho de 2022. Cópia arquivada em 30 de junho de 2022 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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