Doença do Nobel

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A doença do Nobel é uma aflição hipotética ou satírica que faria com que certos ganhadores do Prêmio Nobel adotassem ideias estranhas ou sem respaldo científico.[1][2][3] Uma tese é que o efeito resulta, em parte, de uma tendência dos vencedores do Nobel a sentirem que o prêmio os dá autoridade para falar sobre tópicos fora de sua área específica de especialização[4][5] combinada com uma tendência dos laureados de serem os tipos de cientistas que pensam de maneiras não convencionais.[6]

Implicações[editar | editar código-fonte]

Embora não esteja claro se os ganhadores do Nobel são estatisticamente mais propensos a erros de pensamento crítico do que outros cientistas, o fenômeno é de interesse porque demonstra que ser uma autoridade em um campo não necessariamente torna alguém uma autoridade em qualquer outro campo, e, na medida em que ganhar um Prêmio Nobel serve como um indicador indireto de brilho científico e alta inteligência geral, tais características não são incompatíveis com a irracionalidade. [7]

A doença do Nobel também serve para demonstrar que, para alguns ganhadores de prêmios, ser universalmente aclamado como certo parece reforçar o viés de confirmação do laureado individual mais do que seu ceticismo.[8]

Exemplares[editar | editar código-fonte]

Pierre Curie[editar | editar código-fonte]

Curie ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1903, junto com sua esposa Marie. Ele também promoveu o espiritualismo e as sessões espíritas, como as organizadas por Eusapia Palladino, das quais participava com frequência.[9]

Linus Pauling[editar | editar código-fonte]

Pauling ganhou o Prêmio Nobel de Química em 1954. Uma década antes de ganhar o prêmio, ele foi diagnosticado com a doença de Bright, que tratou em parte com a ingestão de suplementos vitamínicos, os quais ele afirmou terem melhorado drasticamente sua condição. Mais tarde, ele passou a consumir altas doses de vitamina C com o objetivo de reduzir a probabilidade e a gravidade de contrair um resfriado comum. O próprio Pauling consumia quantidades de vitamina C diariamente que eram mais de 120 vezes a ingestão diária recomendada. Ele argumentou ainda que megadoses de vitamina C têm valor terapêutico para tratar a esquizofrenia e para prolongar a vida de pacientes com câncer. Essas afirmações não encontram respaldo evidências científicas.[7][2][3]

Kary Mullis[editar | editar código-fonte]

Mullis ganhou o Prêmio Nobel de Química em 1993 pelo desenvolvimento da reação em cadeia da polimerase. Ele também rejeitava o fato científico de que a AIDS é causada pelo vírus HIV, questionou as evidências das contribuições humanas para o aquecimento global, professou crença na astrologia e afirmou que certa vez encontrou um guaxinim fluorescente que falou com ele.[4][7][10]

Luc Montagnier[editar | editar código-fonte]

Montagnier ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2008. Em 2009, em um artigo não revisado por pares em um jornal que ele mesmo fundou, Montagnier afirmou que soluções contendo o DNA de bactérias e vírus patogênicos poderiam emitir ondas de rádio de baixa frequência que induzem as moléculas de água circundantes a se organizarem em “nanoestruturas”. Ele sugeriu que a água poderia reter tais propriedades mesmo depois que as soluções originais fossem diluídas ao ponto em que o DNA original tivesse efetivamente desaparecido, e que a água poderia reter a "memória" das substâncias com as quais esteve em contato - afirmações que o colocam alinhado com os princípios pseudocientíficos da homeopatia.[1] Ele afirmou ainda que as informações da sequência de DNA poderiam ser "teletransportadas" para um tubo de ensaio separado de água purificada por meio dessas ondas de rádio. Ele propôs que isto seria explicado com uma abordagem da teoria quântica de campos.[11][3][12] Ele apoiou a visão cientificamente desacreditada de que as vacinas causam autismo e afirmou, incorretamente, que os antibióticos têm valor terapêutico no tratamento do autismo.[7]

Nikolaas Tinbergen[editar | editar código-fonte]

Tinbergen ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1973. Durante seu discurso de aceitação do Nobel, Tinbergen promoveu a amplamente desacreditada[13] hipótese da "Mãe-geladeira" para a causa do autismo, estabelecendo assim um "recorde quase imbatível para o menor tempo entre receber o Prêmio Nobel e dizer algo realmente estúpido sobre um campo no qual o destinatário tinha pouca experiência."[3] Em 1985, Tinbergen foi coautor de um livro com sua esposa[14] que recomendava o uso de "terapia de segurar" para o autismo, uma forma de tratamento que não tem suporte empiricamente e que pode ser fisicamente perigosa.[2][7]

Brian Josephson[editar | editar código-fonte]

Josephson ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1973. Josephson promoveu uma série de crenças cientificamente não comprovadas ou desacreditadas, incluindo a noção homeopática de que a água pode de alguma forma "lembrar" das propriedades químicas de substâncias diluídas nela, a visão de que a meditação transcendental é útil para relembrar memórias traumáticas inconscientes, e a possibilidade de que os humanos possam se comunicar uns com os outros por meio da telepatia.[4][7]

James Watson[editar | editar código-fonte]

James Watson recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1962, junto com Francis Crick e Maurice Wilkins, "por suas descobertas a respeito da estrutura molecular dos ácidos nucleicos e seu significado para a transferência de informações em material vivo". Desde pelo menos 2000, Watson tem consistentemente e publicamente sugerido uma ligação entre raça e inteligência, entre outras crenças racistas que ele afirma serem apoiadas pela ciência. Ele afirma uma base genética para estereótipos associados a grupos raciais e étnicos (por exemplo Judeus sendo inteligentes, chineses sendo inteligentes, mas não criativos por causa da seleção para conformidade, "amantes latinos" tendo um impulso sexual maior devido à sua pele escura).[15][16][17][18][19]

John William Strutt, Lord Rayleigh[editar | editar código-fonte]

(Física, 1904) Afirmações de crenças no paranormal.[20]

Joseph Thomson[editar | editar código-fonte]

(Física, 1906) Crenças em médiuns, radiestesia e outras defesas do paranormal.[21]

Charles Richet[editar | editar código-fonte]

(Fisiologia ou medicina, 1913) Percepção extrasensorial, paranormal, radiestesia, fantasmas.[22]

Otto Stern[editar | editar código-fonte]

(Física, 1943) Psicocinesia.[23]

William Shockley[editar | editar código-fonte]

(Física, 1956) Racialismo e eugenia.[4][7]

Richard Smalley[editar | editar código-fonte]

(Química, 1996) Criacionismo, Design Inteligente e negação da evolução.[7][24][25]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Monteiro, João L (25 de maio de 2020). «Montagnier regressa às polémicas - agora o coronavírus». COMCEPT. Consultado em 7 de agosto de 2021 
  2. a b c Gorski, David (18 de agosto de 2008). «High dose vitamin C and cancer: Has Linus Pauling been vindicated?». Science Based Medicine. sciencebasedmedicine.org. Consultado em 13 de maio de 2020 
  3. a b c d Gorski, David (4 de junho de 2012). «Luc Montagnier and the Nobel Disease». Science Based Medicine. sciencebasedmedicine.org. Consultado em 13 de maio de 2020 
  4. a b c d Winter, David. «The nobel disease». Sciblogs. Science Media Center. Consultado em 19 de maio de 2020 
  5. Berezow, Alex (18 de dezembro de 2016). «Paul Krugman Now Has Nobel Disease». American Council on Science and Health. American Council on Science and Health. Consultado em 19 de maio de 2020 
  6. Egnor, Michael (14 de maio de 2020). «Thinking outside the box is not a disease». Mind Matters News. Walter Bradley Center for Natural and Artificial Intelligence. Consultado em 19 de maio de 2020 
  7. a b c d e f g h Basterfield, Candice; Lilienfeld, Scott; Bowes, Shauna; Costello, Thomas (2020). «The Nobel disease: When intelligence fails to protect against irrationality». Skeptical Inquirer. 44: 32–37. Consultado em 6 de agosto de 2021 
  8. Diamandis, Eleftherios P. (1 de janeiro de 2013). «Nobelitis: a common disease among Nobel laureates?». Walter de Gruyter GmbH. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine. 51: 1573–1574. ISSN 1437-4331. PMID 23729580. doi:10.1515/cclm-2013-0273 
  9. Carroll, Robert T (5 de novembro de 2015). «the Nobel disease». The Skeptic's Dictionary. Consultado em 2 de junho de 2021 
  10. Mullis, Kary (1998). Dancing Naked in the Mind Field. New York: Vintage Books. ISBN 978-0679442554 
  11. Montagnier, L; Aissa, J; Giudice, E Del; Lavallee, C; Tedeschi, A; Vitiello, G (8 de julho de 2011). «DNA waves and water». Journal of Physics: Conference Series. 306. 012007 páginas. Bibcode:2011JPhCS.306a2007M. arXiv:1012.5166Acessível livremente. doi:10.1088/1742-6596/306/1/012007 
  12. Hall, Harriett (20 de outubro de 2009). «The Montagnier "Homeopathy" Study». Science Based Medicine. Consultado em 13 de maio de 2020 
  13. Folstein, S.; Rutter, M. (1977). «Genetic influences and infantile autism». Nature. 265: 726–728. Bibcode:1977Natur.265..726F. PMID 558516. doi:10.1038/265726a0 
  14. Tinbergen, N.; Tinbergen, E.A. (1985). Autistic children: New hope for a cure. London: George Allen and Unwin. ISBN 978-0041570106 
  15. Thompson, C.; Berger, A. (1 de julho de 2000). «Agent provocateur pursues happiness». BMJ. 321. 12 páginas. PMC 1127681Acessível livremente. PMID 10875824. doi:10.1136/bmj.321.7252.12 
  16. «Fury at DNA pioneer's theory: Africans are less intelligent than». The Independent (em inglês). 18 de setembro de 2011 
  17. Harmon, Amy (1 de janeiro de 2019). «James Watson Had a Chance to Salvage His Reputation on Race. He Made Things Worse.». The New York Times 
  18. Reich, David (2018). Who we are and how we got here : ancient DNA and the new science of the human past First ed. Oxford, United Kingdom: [s.n.] ISBN 978-0-19-882125-0 
  19. Harmon, Amy (12 de janeiro de 2019). «Lab Severs Ties With James Watson, Citing 'Unsubstantiated and Reckless' Remarks». The New York Times 
  20. Oppenheim, Janet (1988). The other world : spiritualism and psychical research in England, 1850-1914. Cambridge Cambridgeshire New York, NY: Cambridge University Press. ISBN 0-521-34767-X. OCLC 10606094 
  21. Thompson, J.J. (1937). Recollections and reflections. [S.l.]: MacMillan. ASIN B00085DBIK. OCLC 818046 
  22. Richet, Charles (1923). Thirty years of psychical research; being a treatise on metaphysics. [S.l.]: MacMillan. ASIN B000KXJEKY. OCLC 58901154 
  23. Totton, Nick (2003). Psychoanalysis and the paranormal : lands of darkness. London New York: Karnac. ISBN 1-85575-985-3. OCLC 795127018 
  24. «CREATION SCIENTISTS APPLAUD PA JUDGE'S RULING AGAINST 'INTELLIGENT DESIGN' -- DRESSING UP ID IS NO SUBSTITUTE FOR REAL SCIENCE». montanasnews.tv. 14 de abril de 2015. Consultado em 4 de fevereiro de 2021. Cópia arquivada em 14 de abril de 2015 
  25. «Creation Scientists in Three-Way Debate with Intelligent Design, Evolution». The Christian Post. 22 de dezembro de 2005. Consultado em 4 de fevereiro de 2021