Noumenia

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Imagem da Lua

A Noumenia, Numênia[1] ou Neomênia[2] (em grego clássico: Νουμηνία, lit.: lua nova) é o primeiro dia do mês lunar e também uma observância religiosa na Atenas Antiga e em grande parte da Grécia (conferir Calendário ático).

História[editar | editar código-fonte]

As palavras gregas ὁ μήν (o mês) e ἡ μήνη (a lua) são ambas tradicionalmente construídas da raiz protoindo-europeia *meH-, que significa "mensurar".[3] Em alguns calendários antigos, o novo mês (ὁ νέος μήν) começava com a lua nova (ἡ νέα μήνη),[4] expressões que fornecem a etimologia do termo noumenia ou neomênia, significando simultaneamente o dia da lua nova e primeiro dia do mês.

A Noumenia era marcada quando a primeira lasca da lua estava visível, e realizada em homenagem a Selene, Apolo Numênio,[5] Héstia e os outros deuses domésticos helênicos. A Noumenia também era o segundo dia de uma celebração familiar de três dias realizada em cada mês lunar; O Deipnon de Hécate ocorre no último dia antes da primeira lasca da lua visível e é o último dia de um mês lunar, e então a Noumenia marca o primeiro dia de um mês lunar, seguido pelo Agathos Daimon ("Bons Espíritos") no segundo dia do mês lunar.[6]

Como celebrada em Atenas[editar | editar código-fonte]

A Noumenia foi considerada, nas palavras de Plutarco, "o mais sagrado dos dias" e nenhuma outra festa religiosa era permitida a infringir este dia, nem reunião governamental alguma era marcada para ocorrer na Noumenia. As dozes numênias do ano formavam um grupo homogêneo em sua identidade e observância estrita. Era um dia de relaxamento e festa para os cidadãos atenienses, em casa, ou para os homens, como com a fraternidade simposiasta relatada por Lísias ("neomeniastas", νουμηνιασταί[7]).[8] Teofrasto alude a um banquete com a expressão "partilhar/participar da Noumenia" (Caracteres, 4.12) e Píndaro na Quarta Nemeia afirma: "meu coração é transportado como se pelo mágico deleite da Noumenia".[9] Uma das práticas religiosas particularmente associada era a colocação de incenso em estátuas de deuses.[8][10] Aristófanes associa também o dia com as competições de luta livre da palestra.[8] Uma feira mensal de caráter secular ocorria no dia com venda de animais e escravos (conforme relato de Aristófanes), pois no dia anterior dívidas eram coletadas,[8] e um escravo comprado nesse dia poderia ser chamado de Numênio (Noumenios).[11]

Era celebrada por um ritual público na Acrópole e por ofertas privadas de olíbano, guirlandas de flores, vinho e bolos de cevada colocados em altares domésticos e santuários domésticos de Hécate e Hermes, que haviam sido limpos no dia anterior como parte do Deipnon.[12]

Os rituais oficiais de Estado para esse dia incluíam pequenas oferendas a deuses e deusas tidos como protetores de Atenas, como Atenas Polias e Posídon, mas o mais importante era feito para a serpente guardiã da cidade, chamado de "Epimenia" por Heródoto e Hesíquio.[8] A cobra era mantida no Erecteion, um templo que abriga a estátua de culto de Atena Polias, a marca do Tridente de Posídon Erecteu e a fonte salgada, a oliveira sagrada que brotou quando Atena atingiu a rocha com sua lança e os locais de enterro dos dois primeiros reis de Atenas, Cécrops e Erecteu. A cobra era considerada o espírito vivo do Rei Cécrops.[13]

Marino, em Vida de Proclo, relata que seu mestre Proclo tinha grande devoção pela Noumenia no século V:[14] "Durante o primeiro dia do mês lunar, ele ficava sem comer, mesmo sem ter comido na noite anterior; e ele também celebrava a Lua Nova em grande solenidade e com muita santidade".[15] É relatado também que Siriano celebrava a deusa-lua em seu aparecer, surpreendendo-se ao se deparar que o jovem Proclo também o fazia, quando do primeiro encontro entre eles em Atenas:[14]

"Embora [Proclo] tenha sido ansiosamente convidado pelos professores de eloquência, como se tivesse vindo com esse propósito, ele desprezou as teorias e métodos oratórios. O acaso o levou a ouvir primeiro Siriano, filho de Filoxeno, em cuja palestra esteve presente Lacares, que era profundamente versado nas doutrinas dos filósofos, e na época era um assíduo ouvinte do filósofo, embora sua arte em sofística tanto excitasse admiração como Homero na poesia. Aconteceu que era tarde do crepúsculo, e o sol estava se pondo durante a conversa, e a lua tinha acabado de fazer sua primeira aparição, após partir de sua conjunção com o sol. Para poderem adorar a deusa sós e vagarosamente, procuraram despedir o jovem que para eles era um estranho. Mas, após ter dado apenas alguns passos da casa, Proclo―ele também vendo a lua deixando sua casa celestial―parou em seu caminho, desamarrou seus sapatos, e à vista deles adorou a deusa. Atingido pela ação livre e arrojada do jovem, Lacares disse então a Siriano esta admirável expressão de Platão sobre os gênios: "Eis aqui um homem que será um grande bem, ou o contrário!". Tais são os presságios―para mencionar apenas alguns deles―que os deuses enviaram ao nosso filósofo assim que ele chegou a Atenas."[16]

Outras cidades gregas[editar | editar código-fonte]

De acordo com Heródoto, em Esparta, carne, farinha de cevada e vinho eram distribuídos aos cidadãos pelos reis na Noumenia.[17]

Em Ólbia Pôntica, uma associação de neomeniastas honrava a Apolo Numênio no dia, conforme atesta um fragmento com o termo Νεομηνιαστέων.[7]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. de Moraes, Alexandre Santos (2009). A Palavra de quem Canta: Aedos e Divindades nos Períodos Homéricos e Arcaico Gregos. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  2. «neomênia». Dicionário Priberam.
  3. Gamkrelidze, Thomas V.; Ivanov, Vjaceslav V. (15 de dezembro de 2010). Indo-European and the Indo-Europeans: A Reconstruction and Historical Analysis of a Proto-Language and Proto-Culture. Part I: The Text. Part II: Bibliography, Indexes (em inglês). [S.l.]: Walter de Gruyter 
  4. O adjetivo grego νέος, νέα, νέον significa novo/nova. Bailly, M. A. (1901). Abrégé du dictionnaire grec-français, p. 588, Paris.
  5. Sider, David (1994). «Heraclitus on Old and New Months: "P.Oxy." 3710». Illinois Classical Studies: 11–13. ISSN 0363-1923. Consultado em 16 de dezembro de 2021 
  6. Oliveira, Alexandra. «Dias Fixos». Helenos 
  7. a b Feraru, Remus Mihai (2015). «Fêtes civiques et calendriers dans les colonies milésiennes du Pont-Euxin». Dialogues d'histoire ancienne (1). 13 páginas. ISSN 0755-7256. doi:10.3917/dha.411.0013 
  8. a b c d e Mikalson, Jon D. (1972). «The Noumenia and Epimenia in Athens». The Harvard Theological Review. 65 (2): 291–296. ISSN 0017-8160. Consultado em 16 de dezembro de 2021 
  9. «On Hecate's Deipna and Noumenia». Hellenismo (em inglês). 17 de setembro de 2012. Consultado em 17 de dezembro de 2021 
  10. Mikalson, Jon D. (8 de março de 2015). The Sacred and Civil Calendar of the Athenian Year (em inglês). [S.l.]: Princeton University Press 
  11. Dalby, Andrew (31 de outubro de 2013). «Fairs and Markets». In: Wilson, Nigel. Encyclopedia of Ancient Greece (em inglês). [S.l.]: Routledge 
  12. Adkins, Roy A.; Adkins, Lesley (janeiro de 2005). Handbook to Life in Ancient Greece. Facts on File. p. 351. Também, Porfírio, Da Abstinência, de Animal Food, livro 2, seção 16, traduzido por Gillian Clark (2000). Duckworth
  13. Strickland, Carol (11 de abril de 2001). The Annotated Arch: A Crash Course in the History of Architecture. Andrews McMeel Publishing. pp. 15–16. ISBN 978-0-7407-1024-7.
  14. a b Dillon, John M. (2007). «The Religion of the Last Hellenes». In: Bonnet, Corinne; Belayche, Nicole. Rites et croyances dans les religions du monde romain: huit exposés suivis de discussions (em francês). [S.l.]: Librairie Droz 
  15. Marino. Vida de Proclo, 19
  16. Marino. Vida de Proclo, 11, e trecho com tradução conforme nota 2 de Dillon, John M. (2007). «The Religion of the Last Hellenes».
  17. Heródoto, 6.57, tradução por G. C. Macaulay (1890). Macmillan